Editor: Wolfram da Cunha Ramos

ESTADO DA PARAÍBA
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA COMUM DE 1ª INSTÂNCIA
COMARCA DE PATOS
2ª VARA
 
 
SENTENÇA
 
          Vistos, etc.. .
        O representante do Ministério Público promoveu ação penal contra o réus GERALDO FILGUEIRA DE MORAIS FILHO, JOÃO VIANEZ SILVA OLIVEIRA ALVES DE SOUZA e SOLANGE MARIA DE OLIVEIRA FORMIGA, já devidamente qualificados nos autos, incursionando-os nas disposições do art. 171 "caput",  do Código Penal Brasileiro. DENÚNCIA instruída com os autos do Inquérito Policial, às fls. 02 e 03.
        AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE, do primeiro acusado, de fls. 05 a 10.
        AUTO DE  APRESENTAÇÃO E APREENSÃO, de um talão de cheques do Banco Econômico, pertencente ao Sr. Marcos Antônio Abílio Diniz.
         04 FOLHAS DE CHEQUES, usadas na prática do ilícito, fls. 22 e 23.
         INTERROGATÓRIO DOS RÉUS, fls. 69 a 78.
         DEFESAS PRÉVIAS, fls. 82 a 84.
         OITIVA DE DECLARANTES E DAS TESTEMUNHAS, arroladas pelo Ministério Público,  fls. 89 a 97.
        OITIVA DAS TESTEMUNHAS arroladas pelas defesas, fls. 105 a 110.
         Em diligências nada foi requerido.
         ANTECEDENTES DOS RÉUS, fls. 138 a 140
         ALEGAÇÕES FINAIS DA PROMOTORIA, fls. 119 a 122,  propugnando pela condenação do
primeiro acusado, em concurso material de furto  e estelionato e requerendo a absolvição dos
outros  dois acusados.
         ALEGAÇÕES FINAIS  DAS DEFESAS, fls. 125 a 127 e 130 a 135, requerendo a absolvição do réus.
         É O RELATÓRIO
         DECIDO
         Trata-se o presente processo de Ação Pública Incondicionada, iniciada por DENÚNCIA
devidamente instruída com os autos do Inquérito Policial, imputando aos acusados a sanção do
art. 171 "caput", do Código Penal Brasileiro.
 
         DAS INFRAÇÕES PENAIS :
 
         ESTELIONATO :
         Consubstancialmente tipificado no teor do art. 171 do Código Penal, o Estelionato tem por
objeto jurídico o patrimônio, ocorrendo destarte,  a sua consumação, no momento e local, em
que o agente ativo induzindo em erro a vítima, obtém em prejuízo alheio, vantagem ilícita.
         Concurso com outros Crimes :
        Furto : Cheque : no furto de talão de cheques para a prática de estelionato, a subtração fica
absorvida ( STF HC 60.896 ).
         Crime-Meio - Furto.
         Crime-Fim - Estelionato
         Consunção - Princípio dirimente de conflito aparente de normas.
         Traduz-se na norma incriminadora de fato  que é meio necessário de preparação ou execução ou conduta anterior ou posterior de outro crime, ficando excluída pela norma deste.
 
        Concurso Material - Inexistente.
         O crime de Furto, usado como meio hábil e antecedente para a consecução do crime-fim de
Estelionato, restará por este absorvido.

        Falsificação de Documento Público  :
        Nos termos do constante do art. 297, § 2º do Código Penal, a falsificação de título ao portador ou transmissível por endosso é documento público por equiparação, para os fins penais, ficando assim afetos a tipologia do crime em apreço, o cheque, nota promissória, duplicata, warante etc.
 
        Concurso Formal - Existente.
        Conforme corrente entendimento doutrinário e jurisprudencial, a falsificação de assinatura em cheque de terceiro e a sua circulação, com obtenção de vantagem patrimonial advinda da
ilicitude, configura  estelionato em concurso formal com falsificação de documento público, "in
verbis" :

 "Há concurso formal quando a falsidade é o meio para a pratica de outro crime, como o
estelionato" ( STF - RE 108.751-0 - Rel. Oscar Corrêa - RT 609/440 ).
 "Há concurso formal quando a falsidade é o meio adotado para a prática de outro crime, como o
estelionato" ( STF -  RE 116.076-4 - Rel. Carlos Madeira - RT 636/380 ).
 "Há concurso formal e não material quando a falsidade é meio para a prática de outro crime" (
STF - HC 60.711 - Rel. Djaci Falcão - RTJ 106/991 e RT 582/399 ).
 "Tem o STF considerado que a falsificação seguida de estelionato com uso de documento
falsificado configura concurso formal, não cabendo ter-se como subsumida a falsificação no
estelionato" (  STF - HC 61.762 - Rel. Aldir Passarinho ).
 " A emissão de cheque em nome de terceiro com falsificação de sua assinatura configura
estelionato no seu tipo fundamental ( art. 171, caput, do CP ) em concurso formal com
falsificação de documento  público, não fazendo duvidar da fraude a posterior reparação do dano
pelo acusado antes da denúncia, por ter sido identificado e localizado pela vítima, pois tal
circunstância não interfere na configuração do delito patrimonial a não ser na hipótese de fraude
no pagamento por meio de cheque ( autêntico, é claro ), do art. 171, § 2º, VI do CP, influindo
tão-somente na dosimetria da pena"  ( TJSP - AC 59.942-3 - Rel. Dante Busana - RT 630/297 ).
 "Na falsidade como meio de outro crime, aplica-se a regra do concurso formal" ( TFR - AC 7.605
- Rel. Nilson Naves - RTFR 152/229 ).
 Falsificação de documento público e estelionato - "O crime de falsificação de documento público
não pode ser tido como crime-meio, porque dois os bens juridicamente tutelados : a fé pública e
a inviolabilidade do patrimônio" ( TJPR - AC 577/84 - Rel. Lemos Filho - RT 602/373 ).

        Concurso Formal Heterogêneo :
        Há sua ocorrência, quando definidos se encontram os crimes em normas penais diversas.

        Aplicabilidade da Pena :
         A mais grave, aumentada de um sexto até a metade.

         Quantidade do aumento :
         Deve ser aferido, levando-se em conta o número de vítimas ou de crimes concorrentes ( TJCrSP, ap. 375.263 - TJRJ, ap. 10.448 ), ou seja, quanto maior o número, maior o percentual a ser aplicado. "In casu", não obstante várias condutas, em cada uma delas, a execução foi contra uma única vítima  por vez, pelo que, o aumento deverá ser  procedido no mínimo legal.
 
         Crime Continuado :
        Pelo estatuto penal vigente que adota a teoria puramente objetiva, os elementos integrantes
objetivos do tipo, são : I - Crimes da mesma espécie; II - Pluralidade de condutas delituosas; III -
Interligação das condutas por circunstâncias de tempo, lugar, modo de execução e outras
semelhantes.
        Crimes da mesma espécie, concernentes à lesão ao mesmo bem jurídico. Haverá assim,
continuidade criminosa em sua forma simples e qualificada; Formas qualificadas diversas;
modalidade tentada e a consumada; Na autoria simples e na co-autoria.. .
 Portanto, haverá continuação entre crimes semelhantes nos seus tipos fundamentais, por estarem
presentes os elementos objetivos e subjetivos, violadores também, do mesmo interesse jurídico.
 
Multa :

        Não obstante o preceituado no art. 72 do Código Penal, tratando-se de continuidade delitiva, a pena pecuniária não deverá ser aplicada cumulativamente, face a unidade legal de infrações que configura o crime continuado, mercê de ficção legal. Nele, inexiste concurso de crimes, o crime é único e, em um paralelo com a pena privativa de liberdade, a unificação atingirá também a pena de multa.
 Assim inaplicável à espécie, o art. 72 referido. O agravamento da pena pecuniária em epígrafe,
será feito, na fixação dos dias-multa.
 
        Pena :
         A mais grave, pois diversos os crimes, entretanto tal patamar já estará  no auferimento de
fixação do concurso formal.

        Quantidade do aumento :
 
        Deve basear-se no número de infrações, para aferir-se a porcentagem do aumento, implicando
em uma dosagem maior, quanto maior for o número de condutas delituosas. "In casu", várias
condutas infracionais, pelo que, o aumento deverá se proceder, acima do mínimo legal em uma
justa equivalência.
        Deverão ainda, as causas de aumento presentes, serem computadas na pena apurada na segunda fase, individualmente, evitando-se dupla acerbação advinda do aumento sobre o aumento.

        Correção da peça denunciatória  :

        Possibilidade constante do estatuído nos ditames do art. 383 do Código de Processo Penal, que faculta ao magistrado dar ao fato, nova definição jurídica, sem que isso, implique em surpresa ou cerceamento de defesa, embora tenha que aplicar pena mais  grave. Para tanto, é necessário apenas, que as elementares estejam contidas, explícita ou implicitamente no relato da denúncia, como ocorrido, fls. 03 : " Consta das informações do presente Inquérito que, o 1º acusado, aproveitando-se de um descuido, apropriou-se indevidamente de um talonário de cheques do Sr. Marcos Antônio Abílio Diniz, chegando posteriormente a preencher alguns deles, inclusive falsificando assinatura, e colocá-los em circulação, efetuando alguns pagamentos, resultando assim em vantagem ilícita em prejuízo alheio ".
         "O réu se defende da imputação do fato contido na denúncia, não da classificação do crime feita pelo Promotor de Justiça" ( STF, HC 56.874 ).

         MATERIALIDADE  E  AUTORIA :
         Materialidade do fato, encontra-se bem definida às fls. 14  e 22/23, respectivamente, Auto de Apresentação e Apreensão de um Talão de Cheques, que estava com o  1º acusado e 04 ( quatro) cheques postos em circulação, com assinaturas falsificadas por este.

         A autoria é indúbia, o primeiro acusado  foi preso em flagrante, logo após a prática seqüencial do último crime .
 
         Em seu interrogatório, às fls. 70,  confessa espontaneamente em juízo, todo o "ITER CRIMINIS" e ao mesmo tempo explicita que os outros dois acusados nada têm a haver com as imputações lhes formuladas.

        As testemunhas ouvidas no processo, indigitam incisivamente o 1º acusado como único
responsável pela cadeia de crimes perpetrados, ressaltando não terem conhecimento de
envolvimento dos outros dois acusados nas práticas delituosas, fls. 89 a 97 e 105 a 110.

        Dos autos dessume-se ainda, que o 1º acusado procurou minorar os efeitos da sua empreitada criminosa, resgatando o dano causado as  vítimas, com o pagamento dos cheques por elas recebidos, fls. 49 a 52, porém, tal ato, não elide a pena, logo porque, o estelionato em série
executado não foi por meio de cheque autêntico ( art.  171, § 2º, inciso VI do CP. ) e sim de
falsificação e uso ( estelionato básico ), afastando incontinenti o benefício do enunciado na
Súmula 554 do STF, que fala em Emissão ( cheque próprio ). Assim, mesmo que a reparação
tivesse sido feita antes do recebimento da denúncia, em nada  alteraria  por via de conseqüência
o direcionamento no sentido de uma condenação,  nessas condições - Grifei.
         " Não se tratando de estelionato consistente em emissão de cheque sem fundos, mas apropriação de cheque alheio, com falsificação da assinatura do seu proprietário, justa causa existe para a ação penal, ainda que o agente resgate o título, evitando o prejuízo, antes da denúncia " (TACRIM-SP - AC - Rel. Geraldo Ferrari ) - Grifei.
         Inconsistente, sem a menor dúvida, fica a absolvição querida pela defesa com embasamento no ressarcimento (em 11/01/94 - Fls. 49 a 52), quando mais, só feito, quando preso o  agente e
após o recebimento da denúncia (em 05/01/94 - Fls. 02). Contudo porém, servirá a reparação
dos danos causados as vítimas, como atenuante genérica constante do art. 65, inciso III, alínea b
"in fine", do Código Penal, por ser mais benéfica ao réu, do que se tida apenas, como forma de
apreciação nas circunstâncias judiciais. Inviável também, sua valoração como causa de
diminuição, do art 16 do CP, de pronto, por questão objetiva consubstanciada na premissa
necessária de restituição do dano, obrigatoriamente anterior ao recebimento da denúncia.
 " O afastamento ou a redução do prejuízo efetivo da vítima não exclui o delito nem leva à forma privilegiada ( CP art. 171, § 1º ), podendo funcionar como circunstância judicial ( CP, art. 59 ),
atenuante genérica ( CP, art 65, III, b ) ou causa de redução da pena ( CP, art. 16 ). ( RTJ , 93:96
E 107:983; RT, 504:442, 522:481, 560:419, 587:381 e 599:321; JTACrimSP, 66:363 e 79:466;
RJTJSP, 95:498 ).

         Vê-se dos autos, que o 1º acusado, em seu interrogatório, espontaneamente confessou os crimes, pelo que, pertinente torna-se a atenuante do art. 65, inciso III, alínea d do Código Penal.

        Enfim, consubstancialmente comprovada a materialidade dos fatos e a sua autoria pelo primeiro acusado, resta-me tão somente, aplicar-lhe a sanção pertinente.

         O réu é primário, entretanto de conduta social e antecedentes não muito recomendáveis,
existindo no processo notícias de práticas delituosas anteriores, metido em confusões, falcatruas,
e arruaças ( fls. 89, 90, 91, 93/v ), de personalidade distorcida, agindo com intenso dolo na
perpetração das infrações penais, pelo que entendo deva a pena ser aplicada acima do mínimo
legal, para assegurar a reprovabilidade, repreensão e reprovação do crime perpetrado.
         "Ex Positis", julgo procedente em parte a denúncia de fls. 02 e 03, para primeiramente absolver os réus JOÃO VIANEZ SILVA OLIVEIRA ALVES DE SOUZA e SOLANGE MARIA DE OLIVEIRA FORMIGA, já devidamente qualificados nos autos, com embasamento no teor do preceituado no art. 386, inciso IV, do Código de Processo Penal, por não existir provas de que tenham concorrido para as infrações penais e condenar o réu GERALDO FILQUEIRA DE MORAIS FILHO", nas disposições dos arts. 171 "caput", 297, § 2º, c/c arts. 70, 71 e art. 65, inciso III, alíneas b "in fine" e d todos do Código Penal Brasileiro.
           Em observância as diretrizes dos arts. 59 e 68 do Código penal, passo a dosar-lhe a pena :
           Atendendo a culpabilidade intensa do acusado, aos seus  antecedentes, não muito regulares, à sua conduta social desregrada, à personalidade distorcida que o leva a agir com profundo dolo nos seus ilícitos, às circunstâncias e conseqüências do crimes, bem como, o comportamento da vítimas,  fixo a pena-base em  03 ( três ) anos de RECLUSÃO, face a existência das circunstâncias legais contidas no teor do art. 65, inciso III, alíneas b"in fine" e d, reduzo a pena em um total  de 01 ( um ) ano, 06 (seis)  meses, por cada uma delas, ante a causa de aumento contida no art. 70, aumento-a de 1/6 ( um sexto) e finalmente diante da outra causa de aumento do art. 71, todos do Código Penal Brasileiro,  aumento a pena apurada na segunda fase de 1/3 ( um terço ), tornando-a definitiva concretamente em 03 ( três ) anos de RECLUSÃO, por não mais existirem circunstâncias legais ou causas de aumento ou diminuição da pena a serem aplicadas.
        Condeno-o ainda, ao pagamento de 40 dias-multa, fixados unitariamente no mínimo legal.
 O Seu Regime de Cumprimento Inicial da PENA, será o SEMI-ABERTO, que se apresenta como o
mais adequado, levando-se em consideração a propensão criminosa do agente, seu "modus
vivendi" e a sua personalidade.
        Lance-se-lhe o nome no Rol dos Culpados.
        Recomende-se na Prisão onde se encontra.
        Custas "ex lege". Publique-se. Registre-se e Intime-se.
 
         Patos, 06 de abril de l994.

 

 
João Jorge de Medeiros Tejo
Juiz de Direito
            

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