Editor: Wolfram da Cunha Ramos

ESTADO DA PARAÍBA
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA COMUM DE 1ª INSTÂNCIA
COMARCA DE ESPERANÇA
1ª VARA
 
 
SENTENÇA
 
 
Ação Penal nº 20/86 - Esperança
Juiz: Dr. Wolfram da Cunha Ramos
Autora: A Justiça Pública
Ré: Maria Solange da Silva
Vistos etc.
O representante do Ministério Público, com apoio no inquérito policial, ofereceu denúncia contra MARIA SOLANGE DA SILVA, qualificada nos autos, por ter violado o art. 129, § 2º, inciso III e IV, c/c o art. 61, letra "e", todos do CP. Aduz que a denunciada seccionou a bolsa escrotal e o pênis de Dimas Sidronio da Silva, seu marido.
Denúncia, instruída com o inquérito, recebida em 17-10-86, pelo despacho de fls. 2. Exame de Sanidade Mental da acusada iniciado em 28-11-86, fls. 02, autos em apenso. Remetidos ofícios com os respectivos quesitos, fls. 42 e 49. O incidente ficou praticamente paralisado por 06 (seis) anos, embora conste diversos ofícios solicitando a realização do exame, fls. 2 e seguintes (autos apensados). Após assumir a 1ª vara desta Comarca, determinei a condução forçada da denunciada ao Instituto de Psiquiatria Forense da Paraíba - em João Pessoa - para que fosse cumprida as determinações legais, fls. 58 (autos do incidente). Resultado do exame médico-pericial às fls. 66, (autos em apenso). Nomeado curador, foi a ré citada e interrogada, fls. 36 e 39. Posteriormente, houve a substituição do curador, devido a remoção do nomeado para outra Comarca, fls. 5 (autos apensados) e 35. Apresentada defesa prévia, com rol de testemunhas, fls. 41. Inquirição de 02 (duas) testemunhas e 02 (dois) declarantes arrolados na denúncia. Dispensa de uma, fls. 43/47. Oitiva de 04 (quatro) testemunhas arroladas na defesa prévia, sendo dispensada 01 (uma), fls. 49/53. Como não constava as respostas aos quesitos formulados, determinei a remessa deste para complementação, fls. 40 (autos em apenso). Respostas aos quesitos às fls. 43 (autos do incidente).
Não foram requeridas diligências, fls.
Nas alegações finais (fls. 63), o representante do Parquet sustenta ser incontestável que as lesões existem. Bem como, que restou completamente inócua a função reprodutora da vítima. Entende que a "amputação do pênis constitui deformidade permanente". Expõe que o crime deve ser agravado. Foi praticado contra o esposo, enquanto ele dormia. Reconhece que, pelo laudo de fls., Maria Solange não possuía a plena capacidade de entender o caráter delituoso do fato ou de determinar-se segundo este entendimento. Requer a condenação da denunciada, aplicando-se o art. 26, parágrafo único, CP.
A defesa alega que a ré é inimputável. Visto que o laudo atestou que ela, ao tempo da ação, apresentava um quadro de excitação reativa, sinal evidente de doença mental. Pleiteia a absolvição ou imposição de simples tratamento ambulatorial. No caso de opção por aplicação de medida de segurança, roga que Maria Solange seja internada por um período de 01 (um) ano, nos termos do art. art. 97, § 1º, CP.
Consta às fls. 05/09 (autos do incidente) laudo médico de clínica particular. Contudo, o termo de compromisso está sem a assinatura do MM. Juiz titular à época.
Feito o relatório, à decisão.
A materialidade do delito restou comprovada pelo laudo de exame de corpo de delito, fls. 10.
Irrecusável. Os fatos delituosos foram de suma gravidade. Ficou plenamente demonstrado a autoria na pessoa da denunciada. De se observar que, provavelmente, a ré utilizou-se de uma navalha de fazer barba, como instrumento do crime. Foi colhido para os autos, que antes da agressão, a denunciada não demonstrava ter qualquer problema psicológico. A época da prática delituosa, afirmou, para algumas testemunhas, que tinha mutilado Dimas devido a "uma tentação". No interrogatório judicial, disse que não se lembrava de ter seccionado os órgãos genitais do marido. Mais adiante, já aceitando a autoria, não soube informar qual o objeto por ela utilizado para cortar os órgãos genitais da inditosa vítima. Como sói acontecer em fatos desta natureza, praticado o delito foi internada por um período. Após a alta hospitalar, nunca mais atacou ninguém. Em liberdade, comportou-se normalmente. Viveu tranqüilamente com outros homens, inclusive teve filhos. Tentou, insistentemente, em juízo e diante das peritas, justificar a sua conduta delitiva. Acusou a vítima de lhe agredir constantemente. Tal assertiva foi desmentida pela maioria das testemunhas, fls. 43 e 44.
O ofendido contou que estava dormindo. Não sentiu quando Solange cortou a sua bolsa escrotal e o pênis. Não chegou a acordar. Desconfia que foi drogado pela esposa, fls. 45. Revelou que a sua sogra vivia incentivando a filha à castra-lo.
Os depoimentos das testemunhas foram no sentido de confirmar a autoria.
Izaura Benedita chegou logo depois do fato. Era vizinha do casal. Encontrou a vítima sangrando. Conversou com Maria Solange. Ela lhe revelou que agiu motivada por "uma tentação". Contou que o casal não tinha brigado. Ouviu, da própria genitora da acusada, que a denunciada tinha cortado os órgãos genitais do esposo. Nunca soube que Dimas agredia a mulher. Socorreu o ofendido, fls. 43.
As testemunhas da defesa confirmaram as agressões. Porém, tentaram justificar o ato extremo da acusada. Disseram que ela tinha anemia, teve sarampo, estava fraca do juízo, etc. Judith Ângela Euriques andou exagerando na defesa da ré. Falou que Dimas, mesmo depois de castrado, viveu com 03 (três) mulheres e teve um filho com uma delas, fls. 50.
Como se percebe, a versão da ré não encontra amparo nas provas coligidas para os autos.
Diz o laudo de fls., in verbis: "Paciente deu entrada neste serviço (Hospital Geral de Esperança) c/ Amputação dos órgãos genitais, hemorragia e choque hipovolêmico, c/ risco de vida". Como se lê, a ré seccionou os órgãos genitais externos de Dimas. Mutilou-o de forma irrecuperável.
Ensina Damásio de Jesus que "perda é a ablação do membro ou órgão. Inutilização é a inaptidão do órgão à sua função específica", Direito Penal, 2º vol., Parte Especial, ed. Saraiva, pág. 134, São Paulo, 1979. In casu, ocorreu a primeira hipótese. Ofuscante. Desnecessárias maiores considerações, sobre a configuração da qualificadora constante do art. 129, § 2º, inciso III, CP (perda ou inutilização de membro, sentido ou função).
A segunda qualicadora - deformidade permanente -, na hipótese, não merece acolhimento. É lição, ainda, de Damásio de Jesus, que "deformidade permanente é, segundo a doutrina, o dano estético de certa monta, permanente visível, irreparável e capaz de causar impressão vexatória. Assim, são requisitos da deformidade que qualifica o delito da lesão corporal; "1º) que seja permanente; 2º) visível; 3º) irreparável; 4º) que cause um dano estético de certa monta; e 5º) que seja capaz de causar impressão vexatória. (...) Assim, não obstante a deformidade, não qualificará o delito quando não causar aos olhos de terceiro má impressão quanto ao aspecto estético do ofendido", (grifamos), pág. 134/135, bibliografia acima. Portanto, exige-se que a deformidade permanente seja facilmente visível.
A despeito de provada a autoria da prática dos fatos pela acusada, ela é semi-inimputável. O laudo médico-psiquiátrico apresentado pelas peritas oficiais concluiu por sua semi-irresponsabilidade. Diagnosticaram que a ré desenvolveu um quadro de "excitação reativa", fls. 33.
Os quesitos formulados foram os "tradicionais". O primeiro menciona "doença mental" e "desenvolvimento mental incompleto ou retardado". A resposta negativa a este quesito - se no momento da realização da conduta delituosa, Maria Solange era INTEIRAMENTE incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento - afasta, por completo, a exclusão da culpabilidade pela inimputabilidade, devido ao estado mental da ré.
Excluída a possibilidade de inimputabilidade por incapacidade total de entendimento da ilicitude do fato ou da autodeterminação, resta examinar a hipótese prevista no art. 26, parágrafo único, CP. No segundo quesito (semi-imputabilidade), foi usado o termo "perturbação da saúde mental". Repetiu-se a locução "desenvolvimento mental incompleto ou retardado". As perturbações da saúde mental "não retiram do sujeito a capacidade intelectiva ou volitiva", apenas diminuem essa capacidade, ou seja, diminuem o entendimento e a vontade. Não constituem doenças mentais.
In casu, a resposta positiva ao segundo quesito, estabelece que a denunciada estava PRIVADA DA PLENA capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Portanto, a capacidade, não sendo plena, estava diminuída. Foi considerada semi-imputável, para fins penais.
Vejamos a jurisprudência pátria:
Como é cediço, o juiz não fica adstrito às conclusões do laudo, art. 182, CPP. Pode aceitá-lo ou recusá-lo, em decisão fundamentada. "Formará sua convicção pela livre apreciação da prova", art. 157, CPP.
Acolho a semi-imputabilidade afirmada no laudo elaborado nos autos do incidente. Entendo que reflete a realidade carreada para os autos.
É lição do o saudoso mestre Heleno Fragoso: "se trata de semi-imputável, que se enquadra no parágrafo único do art. 26 do CP, pode o juiz: a) aplicar-lhe exclusivamente a pena prevista para o crime, reduzida de um a dois terços, se o agente não necessita de tratamento curativo", (grifamos), Lições de Direito Penal, Vol. 1º, pág. 411, 8ª Edição, Ed. Forense.
Forte corrente Jurisprudencial entende que, reconhecida a semi-irresponsabilidade, a redução da pena não é obrigatória. Neste sentido foi a decisão do STF, publicada no DJU de 14-12-79 à página 9.443. Mais:
No caso sub judice, a periculosidade da acusada não mais subsiste. Como dito acima, desde a data do fato ela não teve mais qualquer sintoma agressivo, decorrente de perturbação mental. Está completamente recuperada. Por estes motivos, deixo de substituir adiante, na aplicação da reprimenda, a pena privativa de liberdade pela internação ou tratamento ambulatorial.
Diante do quadro fático, JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, a pretensão punitiva do Estado para CONDENAR MARIA SOLANGE DA SILVA, antes qualificada, por haver infringido as normas do art. 129, §§ 2º, inciso III, c/c o art. 61, alínea "c", ambos do CP, tudo com respaldo nas provas carreadas para os autos.
Passo a aplicar a pena base, com fulcro no art. 59 e 68, CP.
Dolo diminuído, diante da conclusão do laudo. Os antecedentes são normais. Não existem notícias sobre sua conduta social. A personalidade revela-se fria e perversa. Não existiram motivos aparentes para o delito. As circunstancias do crime lhe são desfavoráveis. Usou uma navalha. O acusado estava em sua cama repousando. Não houve qualquer discussão do casal. As conseqüências foram de suma gravidade. A vítima correu risco de vida. Ficou impossibilitada para o trabalho. Atualmente vive de caridade. É uma pessoa amargurada e traumatizada. É obrigado a tomar remédio controlado e hormônio masculino, para o resto da vida. Foi motivo de chacota na região. O comportamento de Dimas não influenciou o âmago criminoso da ré. Pelo contrário, retornava de cansativo dia de trabalho, por toda a madrugada.
Estribado nas circunstâncias judiciais acima, aplico uma pena-base de 06 (SEIS) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO. Deixo de impor a agravante do art. 61, inciso II, letra "e", CP, (contra o cônjuge), por inexistir prova documental hábil de casamento nos autos (JUTACRIM 52/251; 47/345; 40/260). Acrescento à reprimenda mais 01 (um) ano de reclusão, por reconhecer ter sido o delito praticado de forma que tornou impossível a defesa do ofendido. Sabido que Dimas foi lesionado quando dormia profundamente. Estabeleço, portanto, a pena em 07 (SETE) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO. Embora seja facultativo, reduzo a reprimenda em 1/3 (um terço). No mínimo, por considerar moderada a alienação mental da acusada, no momento da prática delituosa. Como resultado, fica estabelecida uma PENA TOTAL DE 5 (CINCO) ANOS DE RECLUSÃO. À míngua de outras circunstâncias a considerar, transformo a pena em definitivo.
Determino o regime fechado, consoante o art. 33 c/c o art. 59, ambos do CP, retro analisado, para início de cumprimento da pena em presídio feminino na Capital do Estado, ou em outro que o juízo da execução estabelecer.
Concedo o direito de apelar em liberdade (art. 594, CPP). O fato ocorreu em 1986. A ré respondeu toda a instrução em liberdade. Não fugiu do distrito da culpa. Reside no mesmo local. Não praticou qualquer ato delitivo de lá para cá ou dificultou a instrução criminal.
Transitada em julgado, remeta-se boletim individual à SSP-PB (art. 809, CPP), anote-se no rol dos culpados e expeça-se mandado de prisão. Capturada a sentenciada, remeta-se guia de recolhimento em triplicata.
Sem custas.
P.R.I.
Esperança, 10 de março de 1994.
 
 
WOLFRAM DA CUNHA RAMOS
Juiz de Direito 
   Volta para as sentenças
[email protected]
Hosted by www.Geocities.ws

1