Editor: Wolfram da Cunha Ramos  
ESTADO DA PARAÍBA
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA COMUM DE 1ª INSTÂNCIA
COMARCA DE ESPERANÇA
1ª VARA
 
 
SENTENÇA
 
 
Ação Penal nº 21/93 - Esperança
Juiz: Dr. Wolfram da Cunha Ramos
Autora: A Justiça Pública
Réu: Ailton Souza Santos
 
Vistos etc.
O Ministério Público, através de seu representante, neste juízo, da 1ª vara da comarca de Esperança-PB, com apoio no inquérito policial incluso, ofereceu denúncia contra AILTON SOUZA SANTOS, qualificado nos autos, por ter violado o art. 213 c/c o art. 224, letras "a" e "b", ambos do CP. Aduz que o acusado constrangeu a menor Aldenisa, excepcional, a manter conjunção carnal consigo, mediante violência, provocando as lesões constante no laudo de fls. Revela que o coito aconteceu quando o denunciado forçou a vítima para dentro de um muro, sendo visto puxando a menor por testemunhas. Esclarece, que momentos depois, a alienada mental foi encontrada suja de terra, nas costas. Dizia que o réu havia ameaçado no sentido de que "se contasse a alguém o que tinha feito, lhe matava" (sic).
Denúncia recebida em 16-04-93, fls. 02. Expedido mandado de citação, o acusado não foi encontrado, fls. 28 v. Decretada a revelia, fls. 30. Citado por edital, fls. 39. Apresentada defesa prévia, fls. 41, com rol de testemunhas. Habeas corpus, para trancamento da ação penal, denegado pela Colenda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba, fls. 43. Posteriormente, o réu compareceu espontaneamente em juízo. Foi interrogado, fls. 49. Inquirição de 03 (três) testemunhas e 02 (dois) declarantes arrolados na denúncia, fls. 50/53 e 57. Ouvidas 02 (duas) testemunhas da defesa prévia, fls. 58/59. Na fase do art. 499, CPP, o representante do Ministério Público requereu o depoimento da vítima, fls. 60 v. A defesa concordou expressamente com o pleito, fls. 62. Diante da anuência da defesa, achei por bem complementar a prova carreada para os autos, com a oitiva da ofendida (RT 658/391), fls. 65.
Nas alegações finais o representante do Parquet sustenta a procedência in totum da exordial. Entende que ficou demonstrado que a menor foi deflorada. Além de ser alienada ou débil mental. Revela que a jurisprudência sedimentou que nos crimes de estupro a palavra da ofendida é de grande importância, porque raramente se consegue testemunhas visuais. Em seguida cita o depoimento de várias testemunhas. Conclui que o réu estuprou a menor. Protestou pela condenação do acusado.
A defesa esclarece que a acusação se confundiu quanto a idade da infante. Expõe que o Ministério Público deixou de requerer a realização de exame na ofendida, para que um especialista pudesse avaliar a capacidade sua mental. Notou que Terezinha, mãe da menor, disse que levou a filha 02 (dois) dias depois do defloramento para o exame médico. Entretanto, o exame constatou que rompimento do hímem tinha sido a mais de 20 (vinte) dias, ou seja, era antigo. Reparou, também, que a genitora da ofendida falou que levou a filha ao delegado no dia seguinte ao estupro (dezembro/92). Contudo, o termo de representação de fls. 05 é de 12-02-93. Da mesma forma, o despacho do delegado, encaminhando a vítima ao IML, está datado de 12 de fevereiro de 1993, 02 (dois) meses e 10 (dez) dias depois de realizado o exame de defloramento. Neste diapasão, estranhou a demora do genitor em representar contra o estupro da filha. O exame de defloramento foi realizado no dia 02 de dezembro de 1992. O pai da ofendida só representou na data de 12 de fevereiro, do ano seguinte. Assevera que o inquérito está cheio de contradições. Tudo não teria passado de armação. Narra que a mãe da vítima afirmou que a vítima estava sangrando e não estava menstruada. Ao contrário, a própria ofendida negou o sangramento. Afirma, também, que as declarações da genitora da infante estão em contradição com o laudo de fls., onde consta que o defloramento foi a mais de 20 (vinte) dias. Declara que as testemunhas prestaram depoimentos confusos. Assegura que a alienação mental da vítima deveria ter sido constatada por perícia médica, para que se comprove que ela não poderia oferecer resistência. Através do despacho de fls. 84, nos termos do art. 502, CPP, determinei a realização de perícia, para esclarecer a higidez psíquica ou mental da menor, no momento dos fatos narrado na denúncia. Apresentei os quesitos de fls. 84/85. Intimadas as partes, para apresentarem quesitos suplementares, deixaram transcorrer o prazo in albis. Às fls. 94 consta o laudo realizado na menor, acompanhado com as respostas aos quesitos formulados. Aberto novamente os prazos dos arts. 499 e 500, CPP. O fiscal da lei manteve suas razões de fls. A defesa, diante das respostas dos quesitos, entendeu que o laudo é profundamente suspeito. Revelou que, Aldenisa, atualmente está grávida, demonstrando que não é desinteressada em homem, fls. 97 e 100. Pleiteia a absolvição.
Feito o relatório, à decisão.
Materialidade comprovada pelo laudo de exame de defloramento de fls. A autoria recai na pessoa do denunciado.
No interrogatório ele contou que: "ao tempo em que foi cometida a infração estava em casa; que lhe estão acusando porque os pais da moça querem encontrar alguém culpado; que um ano antes deste fato a genitora da vítima já tinha denunciado que a vítima já tinha sido estuprada; que o interrogado não sabe se a vítima é doida, mas o pessoal da cidade fala que é; que viajou para São Paulo no mês de novembro e lá permaneceu até esta data; que na época em que ocorreram os fatos narrados na denúncia o interrogado estava em Suzano-SP, trabalhando", fls. 49 v (grifamos). Como se lê, o acusado nega a autoria dos fatos. Confessa, contudo, que sabia que a menor era mentalmente desequilibrada. Afirmou que, na época dos fatos, estava em São Paulo. Não merece fé. Antônio Tomaz da Silva inicialmente, em seu depoimento, começou dizendo que viu um rapaz puxando a menor para trás do muro. Não soube dizer quem era. Entretanto, diante das circunstâncias, este Juiz perguntou-lhe se queria que o réu fosse retirado do recinto da sala de audiências. Com a saída do denunciado, ele contou, na presença do advogado, irmão do imputado, que: "a testemunha tem a dizer que reconhece que foi o denunciado que agarrou a menor e levou para trás do muro (...) que a testemunha reconheceu aqui no Forum o réu como a pessoa que puxou a vítima para trás do muro; que confirma que disse na polícia que ouviu a vítima pedindo que o acusado lhe soltasse", fls.
A Defesa, mais uma vez, renovou a pergunta, ele ratificou: "viu a vítima sendo puxada para trás do muro por volta das 15:00 horas; que a testemunha confirma que reconheceu o réu levando a vítima para detrás do muro", fls. 51. Da mesma forma, a testemunha de fls. 57 (Giselma) afirmou que: "viu o denunciado e a vítima junto do muro da casa de Bira Aires, no dia dos fatos narrados na denúncia; (...); que a testemunha tem certeza que era o denunciado que estava com a vítima; que a testemunha viu o denunciado puxando a vítima, mas não foi para dentro do muro; (...); que a menor contou que Ailton tinha falado que se ela contasse a alguém o que tinha acontecido dava um tiro nela; que a vítima não contou o que tinha ocorrido e que ela não podia contar; que a vítima estava melada um pouquinho de terra na perna; que a testemunha não observou se a vítima estava melada nas costa", fls. 57. Como se lê, o acusado não estava em São Paulo, no dia do fato, como afirmou. Sua estória não é verdadeira. Inquirido, não pode apresentar qualquer documento que comprovasse a sua estadia na Capital Paulista. Por outro lado, as testemunhas viram Ailton puxando a menor. Antônio Tomaz confirmou que ele levou a ofendida para detrás do muro. Giselma percebeu ela foi puxada. Só não viu que era para detrás do muro. Reparou que a menor estava suja de terra na perna. Inclusive, conversou com ela. Aldenisa disse que tinha sido ameaçada de morte para não contar o que tinha acontecido. Sem dizer detalhes, a alienada mental, em juízo, afirmou que o réu tinha "bulido" com ela. Inclusive, tirou o cinto de sua roupa, fls. 65.
Pelo conjunto probatória coligido, entendo que o réu, aproveitando-se do estado mental da menor, manteve conjunção carnal com ela, por detrás do muro, no dia do fato narrado na denúncia. A declarante Terezinha, genitora da ofendida, no seu depoimento quis provar demais, isto é, que a filha era virgem, fls. 53. Caiu em algumas contradições. Porém, elas não abalam a convicção de que Ailton manteve conjunção carnal com a alienada mental. A virgindade, in casu, para a tipificação do crime é irrelevante. Por seu turno, a divergência na data do encaminhamento da menor, para fazer exame médico, não afeta a validade do laudo. A autoridade policial datou o ofício erradamente. Impossível saber se ele encaminhou a vítima sem ofício (em dezembro), ou se perdeu o documento de dezembro. Ou ainda, tentou fazer parecer que tomou as providências cabíveis na época certa. Ou seja, levou a menor para perícia imediatamente, perto da data em que o pai da vítima representou oficialmente. Se assim não fosse, como bem disse o Dr. Promotor, o pai da vítima procurou o juízo e o representante do Ministério Público. Determinei a abertura de inquérito, através de ofício. Infelizmente não foi juntado aos autos. No documento consta a data exata que o pai da menor procurou as autoridades judiciais, na sede da Comarca, para pedir providências para o caso. Este, talvez, o motivo do ofício do Sr. Delegado da cidade de Areial, com data atrasada, encaminhando a menor para exame de defloramento. Ocorreu um atraso na apuração dos fatos. De qualquer maneira, como é cediço, os vícios do inquérito não contaminam a ação penal. Senão vejamos:
Configurado, portanto, que o réu estava na cidade de Areial. Levou a menor para trás do muro. Manteve com ela conjunção carnal, independentemente de ser virgem ou não. Em seguida, tentou, sob ameaça, conseguir o silêncio da ofendida sobre a conjunção carnal. O réu confessa que sabia do boato que a vítima é portadora de anomalia mental. Com certeza. Ele conhecia a vítima a 03 (três) anos, fls. 49. Tinha conhecimento pleno do problema mental. A quase unanimidade das testemunhas afirmaram que ela é deficiente mental, fls. e fls. O laudo de fls. 94/95 confirma o desequilíbrio mental. Esclarece que a sua "patologia é inerente ao nascimento", fls. 95. Mais ainda, que a época do delito ela era incapaz de entender o caráter ilícito do fato, bem como de autodeterminar. Neste caso a presunção de violência é tranqüila. Neste sentido:
Outra:
Na espécie, em sede judicial, tive oportunidade de interrogar a vítima. Constatei, a olho nu, que ela é realmente portadora de anomalia mental. Ficava sorrindo quando inquirida sobre o fato. Depois, quando o Dr. Promotor começou com sua reperguntas, a menor soltou-se um pouco, sem se afastar dos gestos abestalhados, típicos dos doentes mentais. É cediço que, não raro, os excepcionais possuem invulgar interesse pelos assuntos do sexo. O retardo mental atua como liberador de seus freios inibitórios. Fazem com que a excepcional procure rapazes, para o coito. No caso sub judice, porém, o réu puxou a vítima, a força. Depois ameaçou, para ela não contar nada.
Diante do quadro fático, provada a materialidade do fato e a sua autoria pelo réu, JULGO PROCEDENTE, a pretensão punitiva do Estado para CONDENAR, AILTON SOUZA SANTOS, antes qualificado, por haver infringido as normas contidas no art. 213 c/c o art. 224, letras "b", ambos do CP.
Na espécie, foi pacificada a jurisprudência, no sentido de que com a inclusão do crime de estupro na relação dos crimes considerados hediondos (Lei nº 8.072/90) ficou revogado o estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente. Na referida Lei, dos crimes hediondos, a pena mínima foi elevada. Passou a ser de 06 (seis) a 10 (dez) anos de reclusão. Dispõe, ainda, a legislação em vigor que a pena imposta será cumprida integralmente em regime fechado (art. 2º, § 1º, Lei 8.072/90). O rol dos delitos desta Lei são insuscetível de graça, anistia e indulto, assim como liberdade provisória e fiança (art. 2º, inc. I, II, LCH). E ainda, de acordo com o art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90, o Juiz poderá permitir que sentenciado recorra em liberdade, desde que fundamente a decisão. Finalmente, que o acréscimo de metade da pena prevista no art. 9º, da mencionada Lei, somente incide nas hipóteses de demonstrada a ocorrência de lesão corporal grave ou de morte (art. 223, CP). Nossos Tribunais, aliás, como foi dito, já foram instados a apreciar a questão.
Neste tom:
Outra:
Com estas considerações, nos termos do art. 59 e 68, CP, passo a dosar-lhe a pena.
Culpabilidade concreta. Agiu com dolo intenso. Puxou a excepcional para trás do muro, quando ela não queria. Não há, nos autos, folha penal. Entretanto, não pode ser considerado de bons antecedentes. Foi processado na cidade de São Paulo-Capital, assim como, nesta Comarca, fls. 49 v. A sua conduta social é desconhecida. A personalidade revela-se insensível. Aproveitou-se da debilidade mental da ofendida. Os motivos do crime foram injustificáveis. Agiu movido pela lascívia. As circunstâncias do crime lhe são favoráveis. A alienada mental costumava andar desacompanhada. No dia do fato não foi diferente, estava sem a companhia de familiares. As conseqüências foram as normais, neste tipo de delito. O comportamento da vítima, em parte, de certa forma, influenciou o âmago criminoso do réu. Corria boato de ela tinha "saído" com um motoqueiro.
Feita a análise retro, APLICO a AILTON SOUZA SANTOS uma pena-base de 07 (sete) anos, pelo delito de estupro presumido, com violência ficta. Fica estabelecida uma PENA DEFINITIVA DE 07 (SETE) ANOS DE RECLUSÃO, à míngua de outras circunstâncias a considerar. A pena deverá ser cumprida integralmente em regime fechado, art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), no Presídio Regional de Campina Grande, ou em outro a ser designado pelo juízo das execuções criminais.
No crime hediondo a reprovabilidade ao agente é acentuada. Do rol de infrações constam delitos que geram indignação e repulsa. Porém, na hipótese dos autos, não se pode aplicar o rigor que se exige para o delinqüente frio, de alta periculosidade. A menor, pelo que ficou apurado, já não era virgem. Costumava andar solta, durante o período noturno. Constantemente, dava trabalho para ser levada para casa. Verdade que, in casu, não consentiu ao ato sexual. Nem tinha consciência jurídica para tanto. Este o motivo da condenação. Porém, ela não é exatamente a vítima que a lei protege, para caracterizar uma situação de hediondez, de forma a não ser concedido ao sentenciado, por este Juiz a quo, o direito de recorrer em liberdade.
Por estes motivos, concedo ao réu, que respondeu o processo em liberdade, o direito de apelar, querendo, em liberdade. Se houver recurso, mantida a decisão pela instância ad quem, se já tiver sido determinado, expeça-se mandado de prisão para os locais de praxe.
Transitado em julgado, remeta-se boletim individual à SSP-PB (art. 809, CPP) e anote-se no rol dos culpados.
Capturado, expeça-se guia de recolhimento em triplicata.
Custas pelo réu.
Diligências necessárias.
P.R.I.
Esperança, 14 de julho de 1995.
 
 
WOLFRAM DA CUNHA RAMOS
Juiz de Direito


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