Editor: Wolfram da Cunha Ramos  
ESTADO DA PARAÍBA
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE ESPERANÇA
1ª VARA
 
 
SENTENÇA
 
 
Ação Penal nº 29/90 - Esperança
Juiz: Bel. Wolfram da Cunha Ramos
Autora: A Justiça Pública
Réus: José Marcos Raia, Paulo Roberto Guedes de Melo, vulgo "Paulinho", e Valmor Clementino Guimarães, vulgo "Alain"
Vistos etc.
O Dr. Promotor de Justiça, da 1ª vara da comarca de Esperança-PB, com apoio no inquérito policial, ofereceu denúncia contra JOSÉ MARCOS RAIA, PAULO ROBERTO GUEDES DE MELO, vulgo "Paulinho" e VALMOR CLEMENTINO GUIMARÃES, vulgo "Alain", qualificados nos autos, por terem o primeiro violado o disposto no art. 312 c/c o art. 61, II, letra "g", CP; o segundo o art. 312 c/c os arts. 29 e 30, CP; e o terceiro o art. 180, § 4º, CP. Sustenta que os denunciados tiveram participação no desvio e na venda de silos, pertencentes ao Governo do Estado. Marcos Raia na qualidade de funcionário público.
Denúncia, instruída com o inquérito, recebida em 09-4-90, pelo despacho de fls. 02. Réus citados e interrogados, fls. 237, 241 e 238. Apresentadas defesas prévias, fls. 239, 243 e 244. Inquirição de declarantes e testemunhas arroladas na denúncia, com dispensa de duas, fls. 306. Todas as testemunhas arroladas pela defesa foram ouvidas, com exceção das dispensadas às fls. 343. Vistas as partes para diligências, fls. 345.
Nas alegações finais, o representante do Ministério Público pede a condenação nos termos da exordial, fls. 351. José Marcos Raia alega que não praticou os fatos narrados na denúncia. E que foi, inclusive, inocentado em inquérito administrativo realizado pela Comissão de Sindicância da Prefeitura Municipal de Campina Grande.
Paulo Roberto, vulgo "Paulinho", através de advogado de ofício, requer sua absolvição por falta de prova de sua participação. Pede, em caso de acolhimento da pretensão punitiva, a desclassificação para o delito constante no art. 312, parágrafo 2º, CP.
Valmor, conhecido por "Alain", através de advogado constituído, requer a absolvição ou aplicação da pena mínima, transformada em multa.
Feito o relatório, à decisão.
Marcos Raia foi denunciado por peculato, porque, ao tempo da infração, era funcionário público. O delito de peculato é afiançavel, por prever uma pena mínima de 2 (dois) anos de reclusão, nos termos do art. 323, I, CPP, com redação determinada pela Lei nº 6.416/77. Estabelece o art. 514, CPP:
Mais:
Ainda:
Neste sentido: RTJ 60/489 e RT 625/408.
O conceito de funcionário, delineado no art. 327, CP, se amolda perfeitamente ao acusado Marcos Raia. Era encarregado do transporte de silos do Governo do Estado da Fábrica, em Esperança, para a Prefeitura de Campina Grande.
O Pretório Excelso decidiu que a qualidade de funcionário comunica-se ao particular que é partícipe do peculato (RTJ 100/144). No caso "sub judice", houve concurso de agentes, pelo que aplica-se o art. 30, " in fine", CP. O denunciado Paulo Roberto, para efeitos penais, adquire a qualidade de funcionário, elementar do delito, sendo responsabilizado por peculato. Neste sentido: RJTJSP 28/290; RT 546/346; RF 213/441 e 179/394.
Materialidade comprovada pelos documentos de fls. e auto de apreensão, fls. 15 e 82. A testemunha inquirida às fls. 251 constatou que as notas fiscais dos silos, destinados a cidade de Campina Grande, foram adulteradas. Esclareceu que o autor foi Marcos Raia, responsável pelo transporte dos silos (acompanhados pelas notas). Afirmou que "também constatou uma adulteração numa autorização de carrego". E que, "a adulteração da autorização de carrego implica no desvio de silos, aumentando e acarretando prejuízo para a Empresa". Concluiu: "nas condições de que o crime foi praticado somente o 1º denunciado tinha condições de pratica-lo." Marcos Raia disse, em juízo, que ia a Esperança sozinho, porque nunca teve transação com Paulo, fls. 237 v. Lourival Galdino, trabalhava na entrega de silos na fábrica em 1989, desmente: "o 1º denunciado e o 2º denunciado compareciam a fábrica de silos e recebiam silos para transportar até a cidade de Campina Grande e que o 1º e o segundo denunciado recebiam os silos através da apresentação de uma notinha das mãos do 1º e do 2º denunciado", fls. 253. Como se lê, Marcos e Paulo foram juntos transportar silos. No interrogatório afirmaram que se conheciam de vista. Desmentindo Marcos Raia (interrogatório de fls. 79), Inácio Roseno, fls. 84, afirmou ter feito um carregamento de 90 (noventa) silos, no dia 13 de julho, sob a responsabilidade daquele. Várias testemunhas confirmaram que Marcos Raia foi um dos autores do desvio dos silos, fls. e fls. O co-réu Paulo Roberto, na polícia, confessou com detalhes todo o "iter criminis". Apontou Marcos Raia como o funcionário que lhe procurou para arrumar um comprador de silos. Contou que vendeu os silos a "Alain". Precisou a quantidade e o valor do negócio, fls. 11. Em juízo, como sói acontecer, "Paulinho" negou tudo. Elegou que assinou o depoimento sem ler. "Alain", entretanto, confirmou no inquérito policial e em juízo, as declarações de "Paulinho", fls. 238, 13 e 14. Na polícia, confidenciou que Paulo Roberto recebeu os silos de Marcos Raia, fls. 70. As testemunhas José Carlos e Jeronimo, fls. 77 e 78, confirmaram o negócio. Valmor afirma que pensava que a compra dos silos era legal. Não tem sustentação as suas afirmações. Outras vezes foi tentado por Paulo, e recusou. Depois, por saber que os seus concorrentes estavam comprando silos, resolveu comprar também. Chegou a perceber que havia dizeres identificando a propriedade dos silos como do Estado e LBA. Viu os dizeres sendo raspados, fls. 69 e 238. Logo, tinha ciência prévia de que os silos pertenciam ao Estado. Praticou a recepção qualificada estabelecida no § 4º, art. 180, CP. A defesa de Paulo Roberto alega que as confissões, na polícia, foram provenientes de interrogatórios tenebrosos, na base de choques elétricos, etc. Porém, não há nos autos nenhuma prova de violência policial. É jurisprudência torrencial que:
Pelo colhido nos autos, tem-se que Marcos Raia, na qualidade de funcionário público, desviou silos da fábrica de Esperança, em concurso com Paulo Roberto, apropriando-se da mercadoria. Paulo, comerciante do ramo, encarregou-se de vender os silos em Campina Grande. Valmor comprou os silos, que sabia de propriedade do Governo do Estado.
O pedido de desclassificação, feito pela defesa de Paulo, para o § 2º, do art. 312, CP, (peculato culposo) não merece acolhida. " Prima facie" verifica-se que o réu agiu dolosamente. Não há que se falar que ele CONCORREU para o delito de terceiro (modalidade culposa) por negligência, imprudência ou imperícia. O Relatório da Comissão de Sindicância constatou não haver desvio de silos no estoque da Prefeitura, fls. 124. Mas, o desfalque foi na fábrica Metalnorte, no controle de saída dos silos. Os dois primeiros denunciados transportavam mais silos do que o autorizado. Adulteravam a quantidade liberada pelo Escritório da Emater para maior, fls. 17 e 28, Fazendo retiradas não autorizadas, trouxeram prejuízo para a Emater, com uma diferença de 369 silos, fls. 94. Ademais, a ilicitude administrativa não se confunde com a penal. Afasto a agravante contida na denúncia (art. 61, inc. II, letra "g", CP - abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo ou ofício), por entender não ser aplicável à espécie. O exercício do cargo é elementar do delito de peculato. A aplicação acarretaria "bis in idem".
Diante do quadro fático, provada a materialidade do fato e a sua autoria pelos réus, JULGO PROCEDENTE, a pretensão punitiva do Estado para CONDENAR, os acusados:
a) JOSÉ MARCOS RAIA, antes qualificado, por haver infringido as normas contidas no do art. 312, c/c o art. 29, ambos do CP.
b) PAULO ROBERTO GUEDES DE MELO, vulgo "Paulinho", devidamente qualificado, como incurso nas sanções previstas no art. 312, CP, c/c arts. 29 e 30, todos do CP.
c) VALMOR CLEMENTINO GUIMARÃES, também já qualificado, por ter infringido as normas do art. 180, § 4º, CP.
Nos termos do art. 59 e 68, CP passo a dosar-lhes a pena.
 
1. Quanto a MARCOS RAIA:
A culpabilidade foi de grande intensidade. Agiu de forma que demonstra calculismo. Não há, nos autos, registro de antecedentes criminais. A sua conduta social está dentro do padrão normal. A personalidade revela-se deformada, com forte propensão a golpes. Praticou o ilícito por motivos egoísticos, levado pelo lucro fácil. As circunstâncias lhe eram favoráveis, na qualidade de chefe encarregado do transporte dos silos que era. As conseqüências foram de certa gravidade para o patrimônio do Município, e os pequenos agricultores, que não receberam os silos.
Feita a análise retro, APLICO a JOSÉ MARCOS RAIA a pena-base de 03 (TRÊS) ANOS E 03 (TRÊS) MESES DE RECLUSÃO, pelo delito de Peculato, reprimenda que torno definitiva, à míngua de circunstâncias atenuantes, agravantes ou causas de aumento ou diminuição.
Para o cumprimento da pena determino inicialmente o regime aberto (art. 33, § 2º, "c", § 3º c/c 36, ambos do CP), na comarca de Campina Grande, em presídio a ser designado pelo juízo da execução.
No caso "sub judice", temos a pena privativa de liberdade cumulada com a pena de multa. A pena pecuniária, conforme dispões o art. 49, CP, deve ser fixada entre o mínimo de 10 (dez) e máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. Estabeleço a pena pecuniária em 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário de 1/4 (um quarto) do salário mínimo vigente à época dos fatos (art. 49, § 1º, CP), atendendo às condições econômicas do réu (art. 60, CP), relatadas nos autos.
 
2. Quanto a PAULO ROBERTO GUEDES, vulgo "Paulinho":
A culpabilidade foi considerável e concreta. Procurou, por mais de uma vez, vender os silos que sabia pertencer ao Estado e a LBA. Não consta os seus antecedentes criminais. A sua personalidade revela-se corrompida e amoral, voltada para o delito. Não há registros sobre sua conduta social. Os motivos do crime foram egoísticos. As circunstâncias do crime lhe eram favoráveis, por ser amigo do "chefe" da distribuição dos silos. As conseqüências foram consideráveis pelo prejuízo que acarretou ao Estado e aos pequenos agricultores.
Em assim sendo, FIXO a pena-base de 03 (TRÊS) ANOS E 03 (TRÊS) MESES DE RECLUSÃO para PAULO ROBERTO GUEDES, vulgo "Paulinho, pelo delito de Peculato, e ante a ausência de circunstâncias legais ou de aumento ou de diminuição, torno-a definitiva.
Estabeleço a pena pecuniária em 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente à época dos fatos (art. 49, § 1º, CP), atendendo às condições econômicas do réu (art. 60, CP.
O regime inicial para cumprimento da pena é o aberto (art. 33, § 2º, "c", § 3º c/c 36, ambos do CP), na comarca de Campina Grande, em presídio a ser designado pelo juízo da execução.
 
3. Quanto a VALMOR CLEMENTINO GUIMARÃES, vulgo "Alain":
A culpabilidade foi de pouca intensidade. Praticou o delito confiado na impunidade, seus concorrentes já haviam desmanchado silos do Estado e não foram punidos. Antecedentes criminais inexistentes. A sua personalidade revela-se dúbia, rejeitou o "negócio" e depois aceitou. Prestou depoimento por duas vezes na polícia. A conduta social é normal. Os motivos do crime foram egoísticos. As circunstâncias foram favoráveis, era comerciante do ramo e conhecido do "vendedor". As conseqüências razoáveis.
Assim, pelo delito de receptação dolosa qualificada, FIXO a pena-base em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão. Reconheço a atenuante prevista no art. 65, Inc. III, letra "d", CP, diante da confissão expontânea de Valmor, contando seu envolvimento na infração. Razão pela qual atenuo em 03 (três) meses à pena-base já fixada. À míngua de outras minorantes ou majorantes, torno a pena definitiva, ficando a reprimenda em 01 (UM) ANO E 01 (UM) MÊS DE RECLUSÃO PARA VALMOR CLEMENTINO GUIMARÃES, VULGO "ALAIN".
Regime inicial para cumprimento da pena é o aberto (art. 33, § 2º, "c", § 3º c/c 36, ambos do CP), na comarca de Campina Grande, em presídio a ser designado pelo juízo da execução.
Estabeleço a pena pecuniária em 30 (trinta) dias-multa sobre o valor unitário de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente à época dos fatos (art. 49, § 1º, CP), atendendo às condições econômicas do réu (art. 60, CP). Em vista da atenuante do art. 65, inc. III, letra "d", CP, reduzo para 20 (vinte) dias-multa sobre 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Atendendo ao disposto no art. 115 da Lei nº 7.210/84, estabeleço, desde já, PARA OS CONDENADOS JOSÉ MARCOS RAIA E PAULO ROBERTO AS SEGUINTES CONDIÇÕES:
1. permanecer na cadeia pública, durante o repouso e dias de folga;
2. sair para o trabalho e retornar no horário do encerramento, devendo apresentar, ao Diretor do presídio, comprovante de trabalho e escola, especificando os respectivos horários;
3. não se ausentar do lugar onde reside, sem autorização judicial;
4. apresentar-se mensalmente ao delegado de polícia (ou quem estiver respondendo) de seu bairro ou cidade, que lhe prestará recibo;
5. conduzindo o recibo acima, apresentar-se mensalmente ao Juiz da Execução, pessoalmente, para informar e justificar suas atividades;
6. não se ausentar da Comarca ou mudar de residência sem expressa autorização judicial, requerida e justificada por escrito;
7. tomar ocupação lícita e dedicar-se a trabalho honesto;
8. não andar armado, nem portar instrumentos ofensivos ou capazes de ofender;
9. não fazer uso de qualquer tipo de bebida alcoólica;
10. Não freqüentar bares, botequins, barracas, casas de aposta, lupanares, prostíbulos e similares; Não podem os condenados (Marcos Raia e Paulo Roberto) recusarem qualquer das condições impostas, art. 113, Lei 7.210/84.
O descumprimento de qualquer delas implica em falta grave (art. 50, V, LEP), acarretando a regressão, art. 118, Inc. I, LEP.
Quanto ao apenado VALMOR CLEMENTINO GUIMARÃES, VULGO "ALAIN", por preencher os requisitos do art. 77, CP, suspendo a execução da pena privativa de liberdade pelo prazo de 2 (dois) anos, desde que o beneficiário aceite e cumpra as seguintes obrigações, sob pena de revogação:
1. apresentar-se mensalmente ao delegado de polícia (ou quem estiver respondendo) de seu bairro ou cidade, que lhe prestará recibo;
2. conduzindo o recibo acima, apresentar-se mensalmente ao Juiz da Execução, pessoalmente, para informar e justificar suas atividades;
3. não se ausentar da Comarca ou mudar de residência sem expressa autorização do juízo retro, requerida e justificada por escrito;
4. tomar ocupação lícita e dedicar-se a trabalho honesto;
5. não ficar fora de sua residência após às 19:00 horas; em caso de trabalho noturno, após às 19:00 horas, retornar à sua habitação no horário do encerramento, devendo juntar aos autos, comprovante de trabalho e escola, especificando os respectivos horários.
6. não andar armado, nem portar instrumentos ofensivos ou capazes de ofender;
7. não fazer uso de qualquer tipo de bebida alcoólica;
8. Não freqüentar bares, botequins, barracas, casas de aposta, lupanares, prostíbulos e similares.
Determino, também, que no primeiro ano de cumprimento da pena o réu deverá prestar serviço gratuito, por oito horas semanais, em local a ser designado pelo juízo da execução, nos termos do art. 78, § 1º, C, sendo que neste primeiro ano o réu não se apresentará em juízo.
No caso de não aceitação das condições impostas, deverá o denunciado ser recolhido a cadeia local, para cumprimento da pena em regime aberto (arts. 33 e 59, CP), como determinado acima.
Recolham-se as penas pecuniária na conformidade do que dispõe o art. 686, CPP ou do art. 164 e seguintes da Lei nº 7.172 (Lei das Execuções Penais). As multas deverão ser pagas dentro de 10 (dez) dias do trânsito em julgado, pena de conversão (art. 50 c/c o 51, CP), e o quantum deverá ser atualizado, por ocasião da execução (art. 49, § 2º, CP).
Transitado em julgado, remetam-se boletins individuais à SSP-PB (art. 809, CPP), anotem-se no rol dos culpados e voltem-me conclusos os autos para designação da audiência admonitória (art, 5º, LVII, CF) para o terceiro denunciado.
Custa "ex leges pro rata".
Diligências necessárias.
P.R.I.
Esperança-PB, 25 de janeiro de 1993.
 
 
WOLFRAM DA CUNHA RAMOS
Juiz de Direito


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