14 de Julho de 2000

Uma pura questão de confiança

 


Há um valor na vida política que é de definição tão difícil quanto o é na sensibilidade da vida quotidiana: numa palavra - confiança.

Confiar ou não confiar é inteiramente diverso de gostar ou não gostar, pode mesmo passar ao lado de conhecer ou não conhecer. Há pessoas que nos merecem confiança independentemente de não apreciarmos, ou mesmo criticarmos, a sua personalidade e comportamento, da mesma forma que afectos e estimas podem, de forma mais ou menos indulgente, conviver com mitigada confiança.

Esta sensibilidade está presente no quotidiano mais pessoal, mas também nos padrões da vida colectiva. Há pessoas ou entidades merecedoras de confiança colectiva independentemente da concordância que despertam. A explicação não andará muito afastada de um padrão de coerência de comportamento, de coincidência das palavras e da acção - mas vai imperceptivelmente mais longe.

Nunca se fez tal "estudo de opinião", mas ninguém contestará que há muito mais portugueses que entendem que Álvaro Cunhal merece mais confiança do que Mário Soares. Independentemente de muito mais portugueses concordarem, ou pelo menos votarem, em Soares, e não o fazerem em Cunhal.

Soares é habilidoso. Eficaz. Vasco Pulido Valente, num texto de rasgo, escrevia há anos que, enfim, Soares é tão-só igual a todos os portugueses tal como eles são. Eu acrescentaria que Cunhal é igual a todos os portugueses tal como eles gostariam de ser.

Cavaco Silva mereceu confiança enquanto, de fato de alpaca e vindo de Boliqueime, foi aquilo que parecia e parecia aquilo que era; mas o arquifamoso "tabu" não foi só um truque - foi um suicídio. Ninguém confia nos habilidosos. Acha-se graça, reconhece-se perspicácia - mas não merecem confiança.

Manuel Maria Carrilho entrou na política com o pé esquerdo e conseguiu a tão invejável quanto desprezível proeza de sair perdendo até o pé direito.

O seu percurso enquanto ministro da Cultura está eivado de actos polémicos, de práticas arrogantes, de medidas questionáveis, de iniciativas discutíveis. Mais ainda, quase tudo o que fez gerou conflitos. Também porque introduziu mudanças, mas teve resultados mínimos. Eles foram anunciados para um futuro no qual tais mudanças (pessoais, estruturais, de projecto) frutificariam numa continuidade responsável, Carrilho apresentava-se ao público como um homem e um ministro a quem o futuro faria justiça.

Páginas tantas - demitiu-se.

O petulante defensor do parque do Côa - que não há - demitiu-se antes que ele exista. O turbulento interventor no Porto 2001 foi-se embora antes que ele se faça. O arrogante ministro que demitiu a eito e nomeou a gosto foi-se embora deixando todos pendurados.

Não é, a meu ver, de, minimamente, tolerar inadmissíveis interpretações que atribuem uma tão relevante atitude quanto um ministro da República demitir-se a acidentes, legítimos e respeitáveis, da sua vida pessoal.

O problema é que, nessa prática nobre, responsável e cidadã que é a política, o homem, pura e simplesmente, não é, nem nunca foi, de confiança.

Ruben de Carvalho escreve neste espaço às sextas-feiras









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