7 de Julho de 2000

A caça às reformas...

 

As confusões em torno da Lei de Bases da Segurança Social atingiram ponto crítico a partir da altura em que a aprovação parlamentar surge como assegurada. O editorial de José Manuel Fernandes ontem no Público é, de muitos pontos de vista, tristemente exemplar.

Sabe-se qual é o problema: as mutações na pirâmide etária dos países desenvolvidos (a propósito, convirá sublinhar que tais mutações e tudo o que lhes dá origem - aumento de esperança de vida, capacidade de resposta à doença - são positivos, humanamente exaltantes e não um indesejável contratempo) alteraram a aritmética da segurança social, baseada em três pressupostos: cada trabalhador dedica uma parte dos seus rendimentos de vida activa à capitalização para um esquema assistencial permanente e reforma para quando aquela termine; paralelamente, estabelece-se um "contrato geracional" segundo o qual o trabalhador activo sustenta igualmente uma parte dos encargos com o trabalhador reformado, reproduzindo-se compensatoriamente a situação com a geração seguinte; finalmente, considerando a população em geral e o próprio equilíbrio do sistema, o Estado assume um papel regulador que inclui contribuição a partir das suas receitas fiscais gerais.

Esta aritmética altera-se pelo facto de os custos médicos e o tempo de vida dos reformados aumentarem (embora os dados estejam longe de ser definitivos). Nestas condições, os capitais gerados pelos descontos dos trabalhadores activos não compensam os gastos com aqueles encargos, obrigando o Estado a aumentar a sua compensação do défice.

A primeira coisa a sublinhar é que, de uma óptica democrática e solidária, não constitui qualquer abuso ou vício por parte do Estado dedicar parte dos seus recursos a este tipo de necessidade dos cidadãos: a questão não é de ordem ética ou política, mas puramente de gestão económica e financeira.

Em segundo lugar, é uma completa falácia a argumentação segundo a qual a via para a solução do desequilíbrio reside em transferir receitas (ou seja, descontos) para o sector privado, assacando-lhe correspondentes responsabilidades assistenciais.

Afirma-se que o sector privado tem mais capacidade que o Estado para, uma vez de posse (através das seguradoras e da banca) dos capitais gerados pelos descontos da população activa, com elas gerar mais-valias que compensem os défices.

É obviamente mentira, uma vez que, por um lado, o Estado faz, claro, utilização reprodutiva dos capitais recolhidos. Utilização socialmente reprodutiva e mesmo financeiramente reprodutiva, na medida em que evita o recurso a outros financiamentos mais onerosos.

É obviamente mentira porque os eventuais rendimentos que o sector privado buscará serão socialmente amputados da parte de que ele se apropriará em puro proveito próprio e, por outro lado, porque a própria lógica do sistema imporá a procura de mais-valias a curto prazo (essa seria exactamente a "vantagem" relativamente à gestão pública!), o que significa a, de resto absolutamente generalizada, utilização dos capitais privados de Fundos de Pensões, PPRs, etc., para operações tão potencialmente de rápido lucro quanto de alto risco como especulação bolsista, mercados de futuros, etc.

Ora, se este fosse o caminho para que, na mão das seguradoras e bancos, os descontos dos trabalhadores fossem "rentáveis", então sê-lo-ão de forma muito mais segura se o Estado taxar exactamente essas operações cativando a colecta ao sistema de segurança social. As contas estão feitas: 0,2% de taxa sobre as operações bolsistas chegaria e sobrava!
Claro que não subscrevem este ponto de vista os interesses das seguradoras e bancos. E, ao que parece, o Público.

Ruben de Carvalho assina esta coluna à sexta-feira









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