23 de Junho de 2000
 

 

O comentador

 

O prof. Marcelo Rebelo de Sousa faz, enquanto português, parte de uma minoria. Em rigor, de várias minorias, umas melhores, outras piores. É ocioso, tendo em conta a proximidade dos eventos, enumerar uma parte substancial dessas situações, mas há um comportamento minoritário que aqui especialmente interessa: Marcelo Rebelo de Sousa lê. Mais concretamente, lê livros.

A frequência com que o faz, que é do domínio público (o professor costuma recomendar leituras que se presume já por ele terem sido realizadas), e os proventos que, de forma igualmente pública, são por ele auferidos (quando do seu consulado à frente do PSD, o País foi quantificadamente informado dos prejuízos que sofreu) permitem concluir que, além de leitor, é igualmente comprador de livros.

Se a situação minoritária que o levou a mandar a liderança dos sociais-democratas às malvas pode ter sido desagradável, ou mesmo penosa, esta postura livresca minoritária - no uso e na aquisição - é abonatória e estimável.

Tomemos então como dado adquirido que o prof. Marcelo Rebelo de Sousa compra livros: algumas generalizações poderão a partir daqui ser feitas, há metodologias, manias e tiques que são comuns a esta tribo.

É legítimo, por exemplo, afirmar que quando o professor topa com o que, no calão tribal, se chama um "livro de referência" (ou seja, um dicionário, uma enciclopédia, uma súmula cronológica) executará um ritual comum: procura a entrada dum tema que conheça bem para testar, confrontando o que ali se diz com aquilo que sabe, a credibilidade do resto das informações da obra.

Exemplificando. Se um membro da tribo folhear um dicionário geográfico, procurará "Portugal". Se na rubrica ler que é habitual encontrar em Lisboa (nos Restauradores) indígenas vestidos de campino, concluirá legitimamente ser duvidosa a eventual informação que os cidadãos de Atenas deambulam na praça Sintagma envolvidos em túnicas e disputando bilhetes para representações de Eurípides. Em resumo, não comprará o livro.

O prof. Marcelo Rebelo de Sousa deverá portanto aceitar que ao saltitante múnus comentador do qual se encontra investido se aplique idêntico critério de avaliação da verdade.

No passado domingo, de forma oral; no dia seguinte, de forma escrita, falou do que se passará no PCP. Segundo o professor, na última reunião do CC, "um documento" foi apresentado por um "grupo de subscritores". Na verdade, foram dois, tornados públicos entretanto, propostas de conclusões de trabalho, apresentados de forma organicamente banal pela Comissão Política. Foi o único "grupo de subscritores" enxergado por quem lá esteve.

O comentário afirma igualmente que o PCP não é "um PC italiano, um partido eurocomunista". Impõe-se que o comentador actualize a bibliografia: o eurocomunismo é uma coisa de há vinte anos, que o PCP jamais foi e os comunistas italianos já nem sequer são. Em rigor, ninguém é.

Depois, ao arrepio de tudo o que os resultados eleitorais apontam (incapacidade analítica que talvez explique os seus dissabores domésticos), conclui que o Bloco de Esquerda está a causar problemas ao PCP, quando é notório que os respectivos resultados eleitorais foram conseguidos à custa do PS.

E assim por aí fora.

Resumindo, segundo o autor, os Restauradores estão cheios de campinos. Com guias assim, até o Michelin é preferível.

Ruben de Carvalho escreve neste espaço às sextas-feiras


 







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