26 de Maio de 2000

O não fazer e o feito

 


Fez furor a declaração do prof. Cavaco Silva, na época pré-tabu, de que dedicava diariamente apenas cinco minutos à leitura da Imprensa, assim revelando uma olímpica indiferença face ao que ali se poderia dizer ou criticar da sua augusta governação.

Segundo tudo indica, pelo menos neste item o prof. Cavaco mudou de opinião, uma vez que uma sem dúvida maior atenção às gazetas o leva a concluir em artigo estampado nestas páginas há dois dias que os únicos factores de transformação política que vislumbra actualmente em Portugal são os jornalistas e... os grandes empresários!

Presume-se que o autor pretendeu introduzir no citado texto um estilo irónico, com consequências formais, já se vê, deploráveis. Uma década deu para perceber que o sentido de humor não é o traço mais saliente da personalidade do prof. Cavaco Silva. Mas, avançando na leitura do texto, torneando as saltitantes tentativas humorísticas, pode concluir-se que subsiste uma linha condutora de intervenção política, de resto, nada original: segundo Cavaco Silva, o actual Governo PS, pura e simplesmente, não governa.

Sublinhou-se a falta de originalidade, porque, desde que em 1995 foram afastados das cadeiras governativas, os dirigentes do PSD elegeram esta bizarra acusação como eixo do seu discurso de oposição.

Qualquer observador minimamente atento ao desempenho dos executivos do eng.� Guterres, do comum cidadão aos ora incensados jornalistas, verifica que, evidentemente, eles não têm estado em beata contemplação dos respectivos umbigos. Os protestos em crescendo, as greves, o desencanto generalizado que se faz sentir na sociedade portuguesa face à política dos governos PS não resultam do facto de eles nada fazerem: muito pelo contrário, resultam do que eles fazem. Mais exactamente ainda, advêm do facto de terem eleitoralmente dito que iam fazer umas coisas e andarem governativamente a fazer exactamente o contrário.

Onde esperava uma inflexão da política de uma década de cavaquismo, um travão à liquidação de patrimónios essenciais da democracia portuguesa, à escalada de uma lógica de feroz capitalismo liberal, de crescente desrespeito pelos direitos dos trabalhadores e dos cidadãos, o eleitor socialista tem vindo a encontrar, pura e simplesmente, a mesma política, agravada mesmo em aspectos essenciais, salpicada aqui e ali com umas decorações culinárias de creme de diálogo e canela de caridade.

A situação é, claro, embaraçante para o PSD. Os sociais-democratas ainda não se recompuseram das derrotas dos últimos anos e a sua exuberante balbúrdia interna é disso um claro reflexo, mas não é nela que reside a dificuldade de encontrarem um discurso da oposição que teoricamente deviam ser. O grande problema do PSD é como opor-se a uma política que no essencial é idêntica à sua e relativamente à qual acaba a ter apenas discordâncias de métodos, de timings, de prebendas e respectivos beneficiários, enfim, discordâncias puramente formais.

O patético do apelo de Cavaco Silva aos grandes empresários reside aí: será que o homem que, alegadamente, nunca se enganava e raramente tinha dúvidas ainda não percebeu que os "grandes empresários" a que apela estão contentes que nem cucos e não têm a mínima razão para manifestarem desagrado face a uma para eles tão desveladamente solícita governação como a que o eng.� Guterres lhes tem proporcionado?!

Ruben de Carvalho assina esta coluna à sexta-feira









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