12 de Maio de 2000



Tiros ao lado

 


AGuerra do Golfo deu origem a um vasto debate sobre o papel da Comunicação Social nos teatros de guerra e, muito particularmente, sobre a capacidade que nomeadamente os estados-maiores norte-americanos apuraram no sentido de manipularem a informação de acordo com os seus objectivos estratégicos. A experiência do Vietname foi dura.

Tudo indica porém que outro escândalo está em vias de reanimar a polémica, com a agravante de, no presente caso, a manipulação não ter tido apenas como objecto a opinião pública em geral, mas os decisores políticos de Washington e a própria hierarquia do Pentágono. A questão centra-se nos resultados dos bombardeamentos realizados pela aviação dos EUA contra a Sérvia e que, no dizer da NATO e da Casa Branca, teriam sido tão demolidores relativamente às forças armadas sérvias que haviam forçado a retirada do Kosovo.

Segundo os números então adiantados, os mísseis norte-americanos teriam destruído cerca de 120 tanques, 220 viaturas de transporte blindadas e mais de 450 peças de artilharia e morteiros. Tudo isto conseguido milagrosamente por aviões voando a três mil metros de altitude, fora do alcance da defesa antiaérea, o que havia permitido esta american way de fazer a guerra: "cirúrgica", sem "custos", uma vez que os agressores não teriam tido uma única baixa.

Sucede que, desde logo, no próprio Pentágono surgiram dúvidas sobre estes números, obtidos essencialmente a partir dos relatórios dos pilotos, ouvindo-se vozes que atribuíam inteira credibilidade às declarações do Governo de Belgrado no sentido de que as principais vítimas dos ataques aéreos haviam sido civis e instalações sem interesse militar directo (centrais eléctricas, pontes, edifícios), mas que, do ponto de vista militar, a capacidade de defesa sérvia estava praticamente intacta. O comandante militar sérvio no Kosovo, general Nobojsa Pavkovic, avançou mesmo um número: apenas 13 tanques haviam sido atingidos - e houve em Washington quem prevenisse que a verdade podia estar ali.

Segundo a Newsweek, foi então enviada para o Kosovo uma equipa de investigação da NATO (elementos americanos e europeus) para uma investigação rigorosa. O Munitions Efectiveness Assessement Team palmilhou o Kosovo de um lado ao outro, fez o levantamento de quantas crateras e impactes encontrou e produziu um relatório verdadeiramente explosivo: os tanques destruídos haviam sido 14, os transportes blindados 18 e as peças de artilharia não ultrapassavam as duas dezenas! Em compensação, os danos causados em instalações civis eram de facto alarmantes, embora os peritos tivessem tido oportunidade de verificar que os sérvios haviam realizado notáveis proezas de camuflagem, ao ponto de imitarem em plástico uma importante ponte dada como destruída - tendo sido apenas o plástico a vítima dos mísseis...

Mais grave, enquanto a situação no Kosovo está longe da normalização, todos os observadores convergem na notável recuperação dos danos sofridos na Sérvia, a revelar uma extremamente significativa mobilização popular.

Resta agora a discussão de saber o que noticia a Comunicação Social: apenas os briefings dos comandos militares, ditados não apenas pelos objectivos políticos que defendem, mas também por manobras que relevam dos jogos de poder interno, tanto quanto da deslumbrada (e nada inocente) propaganda dos grandes meios tecnológicos e dos negócios gigantescos que significam?

Ruben de Carvalho assina esta coluna à sexta-feira









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