24 de Março de 2000



O sistema da Cimeira


Há um conjunto de interrogações que o propagandeado tema da Cimeira Europeia de Lisboa inevitavelmente insinua. No eixo está a perplexidade de como é que a questão central debatida nestes dias pelos Quinze - o emprego - sequer se colocou.

Nenhum dos políticos sentados na Junqueira terá a mais pequena dúvida em afirmar que a construção da União Europeia tem sido um êxito. Mais ainda, dirão em que foi na economia que esses passos se revelaram maiores, e que, a haver alguns problemas, esses colocam-se sobretudo na esfera social.

Ora o mais distraído dos cidadãos será levado a colocar a pergunta de como é que se conseguem bons resultados económicos e simultaneamente se gera uma situação de aumento do desemprego com gravidade suficiente para determinar a agenda do conclave lisboeta.

A contradição surge aliás de diversos ângulos. Que desenvolvimento económico é este que não apenas desperdiça como engendra perda do factor essencial da criação de valor - o trabalho? Se, malbaratando o mundo do trabalho, não é na sua própria produção que as economias europeias vão buscar os anunciados bons resultados, onde é que o vão fazer? Por outro lado, se há desenvolvimento económico, como se explica que surjam os "problemas sociais", elíptica expressão para designar o que é essencialmente consequência exactamente do aumento do desemprego?

A explicação não é, já se vê, difícil de encontrar. A Europa comunitária procurou exclusivamente uma racionalização das suas economias capitalistas, recorrendo a receituários que não podem sequer ser considerados novos. Desmantelar fábricas em países europeus e retomar a produção em países de mão-de-obra barata evidentemente que aumenta os lucros da empresa em questão e lança na miséria centenas ou milhares de trabalhadores. Investir capitais europeus no local onde eles tenham melhores remunerações não é novidade, apenas o fluxo aumentou na circulação e afunilou na apropriação.

A questão, no fundo, é de sistema, no qual não só é inteiramente possível que as empresas estejam mais ricas e seja no aumento dos seus lucros que essencialmente se traduz o desenvolvimento económico comunitário, ao mesmo tempo que a parte desse desenvolvimento que cabe a milhares de trabalhadores se traduza em desemprego e exclusão.

E muita gente já se apercebeu disso. Agora o que é verdadeiramente interessante são as explicações e soluções que surgem. E a que está a fazer uma excelente carreira - e de que os textos de Pacheco Pereira e José Manuel Fernandes no Público de ontem são exemplos tão esclarecedores quanto de gregoriana afinação - é a comparação com a economia norte-americana.

De facto a taxa de desemprego nos EUA é mais baixa do que na Europa, mas a verdade também é que os EUA têm mais capitais investidos na exploração de salários de miséria em todo o mundo do que a Comunidade Europeia. Não é em especificidades internas da economia americana que se encontra a raiz essencial dos seus resultados, mas pelo contrário na sua capacidade de apropriação em proveito próprio de produção a nível planetário, capacidade essa que simultaneamente sustenta e determina as soluções internas.

Não é preciso ser adivinho para concluir que a receita não é generalizável. Mais ainda, manifestamente não é sustentável. O planeta tem limites, a tendência do sistema é concentracionária e hegemónica e até já originou duas guerras mundiais.

Ruben de Carvalho escreve neste espaço às sextas-feiras rubencarvalho@mail telepac pt









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