17 de Março de 2000 |
O mais espantoso - e esclarecedor - em toda esta operação não é a medida em si. O Governo poderia vir dizer que efectivamente as contas bancárias proporcionam algumas facilidades aos cidadãos, poderia acrescentar que a tendência para amealhar dinheiro em casa tem implicações do ponto de vista de segurança em prejuízo das próprias pessoas que o fazem e poderia até acrescentar que se procurava uma maior rentabilidade económica em geral de verbas que, assumindo individualmente montantes diminutos, acabam a ser significativas no seu conjunto. Mas o Governo tinha a elementar responsabilidade de dizer que os grandes interessados na medida são, pura e simplesmente, os bancos. Não há quem ignore que a multiplicação de meios de pagamento (cheques, cartões de crédito e de débito, o chamado "dinheiro de plástico") assegura à banca maior controlo e lucrativa capacidade de utilização dos seus depósitos. Quando o cliente movimenta o seu dinheiro mediante cartões, esta circulação é feita exclusivamente no interior do circuito bancário, sem que o depósito propriamente dito seja movimentado: ao pagar uma compra com um cartão multibanco, o comprador despendeu uma quantia debitada na sua conta e creditada na conta do vendedor, mas tal processamento foi puramente contabilístico. O dinheiro propriamente dito manteve-se na posse do banco e investido em lucrativa aplicação de que o banco beneficiará. O "dinheiro de plástico" constitui uma multiplicação da circulação fiduciária estatal realizada pelo sistema bancário essencialmente em seu proveito. O incentivo à constituição de novas contas (para o primeiro ano prevê-se que a medida gere 100 mil!) e à sua movimentação através de cartões corresponde a assegurar um aumento gigantesco dos depósitos na banca e de capacidade de os gerir. E sublinhe-se que este reforço pode ter como agente o próprio Estado: sendo claro que grande parte dos portugueses objecto desta medida é (como o próprio decreto afirma) constituída por reformados e pensionistas, o passo seguinte será, em nome da eficiência administrativa, recorrer ao depósito nas novas contas de reformas, pensões e comparticipações habitualmente pagas através dos Correios ou mesmo da CGD e tendencialmente levantadas na totalidade pelos beneficiários. Que o Governo PS ama os banqueiros, já se sabia. Que queira fazer de nós parvos, é excessivo. Ruben de Carvalho escreve neste espaço às sextas-feiras [email protected] |