3 de Março de 2000



As ideias afinal fazem falta

 


Com algum cinismo mas bastante verosimilhança, Medeiros Ferreira escreveu ontem que cada congresso do PSD que se realiza é mais um contributo para a estabilidade dos governos socialistas...

O que se passou em Viseu no passado fim-de-semana consente na verdade aquela aterradora conclusão. Como é possível que os sociais-democratas tenham atingido o grau zero da política que apresentaram no seu conclave?

Tentando ver para além da superficial agitação, o grande problema do PSD parece residir no facto de o eixo da sua vida política residir num conceito de conquista do poder no qual as questões ideológicas e programáticas são completamente difusas, submetem-se em cada momento às necessidades de preparar da melhor forma o caminho para o objectivo único.

Neste ambiente empobrecido de ideias e de cultura política, as questões pessoais, mais exactamente as questões de liderança, acabam a ser vitais. Não se trata de saber com que programa o partido poderá ganhar eleições, mas quem será capaz de o colocar nesse caminho.

O afunilamento da vivência partidária na busca "do líder" salvífico tem consabidamente consequências perversas. A personalização ultrapassa os limites do bom senso, ao ponto de avaliar equipas a partir de uma mera "contagem de espingardas".

Esta constante dilaceração revela-se trucidante para o partido, desinteressado de tudo o resto, incapaz de formular alternativas, até na medida em que ignora o contributo de dirigentes e quadros política e profissionalmente capazes, mas desprovidos de possibilidades (ou de vontade) de ocuparem a redentora posição de chefia a que tudo parece reduzir-se.

E a questão é tanto mais absurda quanto é uma evidência que o PSD dispõe de um núcleo apreciável de quadros. Governou o País durante dez anos, o que significa não só que os possuía para iniciar o consulado cavaquista, como inevitavelmente o próprio exercício da governação suscitou e preparou o aparecimento de novos.

Nem mesmo se poderá afirmar que se tenha verificado um processo de envelhecimento, uma vez que o cavaquismo traduziu, pelo contrário, a entrada na política de gente de uma geração que hoje se mantém activa.

Muitos desses quadros abandonaram a vida partidária para se dedicarem tranquilamente aos negócios, mas a verdade é que a questão que se lhes coloca é delicada: ou se dispõem a pura e simplesmente entrar na "corrida para líder" ou a sua presença a outro nível de intervenção arrisca-se a constituir um florentino e desgastante exercício de intrigas e traições.

O desnorte acaba a ser tal que até um político como Durão Barroso, que não pode ser considerado propriamente um principiante, cai nessa tosca e velha armadilha de, sem ideias para criticar, atacar pessoalmente os adversários.

Há uma lição a tirar disto tudo. Contrariando as generalizadas milongas sobre o "fim das ideologias", a conclusão que a realidade impõe é que, em política e em democracia, as ideias não se limitam a ser importantes: continuam a ser essenciais.

Ruben de Carvalho escreve neste espaço às sextas-feiras
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