Espantoso!
Por OCTÁVIO TEIXEIRA
Segunda-feira, 26 de Junho de 2000

A "Síntese da execução do Orçamento do Estado de Janeiro a Maio de 2000", elaborada no Ministério das Finanças, no capítulo relativo à análise global, faz o seguinte destaque: "A análise do saldo global de execução orçamental do subsector Estado permite observar uma melhoria de 26,8 milhões de contos, por comparação com o período homólogo do ano precedente." E, mais à frente, na análise da receita, refere que, "na análise da evolução da receita, destaca-se o comportamento favorável das receitas fiscais (+130,3 milhões de contos), referindo ainda que "a evolução mensal das receitas fiscais revela (...) que os valores referentes ao ano de 2000 têm vindo a registar valores mais favoráveis por comparação com os respectivos períodos homólogos dos anos de 1998 e de 1999" (os sublinhados são meus).

É, simplesmente, espantoso! Para quem leia aquilo que lá vem escrito e acima transcrevi, a reacção imediata é a de que, ao menos na perspectiva da execução orçamental, tudo vai bem: o défice diminui e as receitas fiscais aumentam. E se assim é, como o Ministério das Finanças o afirma, é incompreensível que partidos políticos e jornalistas andem para aí a falar de enorme "buraco" orçamental, de orçamentos "rectificativos", etc. São uns maldizentes que andam a querer enganar os (e)leitores e se mostram incapazes de conviver com a óptima "performance" orçamental do Governo do PS.

A realidade, porém, é profundamente diferente. Uma análise da "execução orçamental" tem, necessariamente, de fazer a comparação entre a concretização e o orçamentado. Para um mesmo e determinado ano! A comparação da execução mensal deste ano com a de anos anteriores é um mero instrumento para, tendo em conta o padrão de execução histórico, estimar a execução anual. E, aí, os números não enganam. A execução das receitas vai mal, muito mal mesmo. A estimativa das receitas correntes e das receitas fiscais aponta para um desvio negativo, isto é, para uma cobrança inferior à orçamentada, da ordem, respectivamente, dos 230 e dos 170 milhões de contos! E isto apesar de a estimativa do IRS (+105) e do IVA (+40) indicar uma cobrança superior à orçamentada da ordem dos 150 milhões de contos. Mais uma vez, os rendimentos do trabalho e os consumidores são os grandes "pagantes". E, sublinhe-se, o "buraco" não é apenas no ISP (-150), mas também nos IRC (-90), ISelo, IA e ITabacos.

E o que sucederá ao saldo orçamental? Aí permanece a incógnita. Porque o Governo pode cair na tentação (e está já a fazê-lo) de enveredar por reduções de despesa brutalmente cegas. Fundamentalmente nas despesas de investimento. Mas também em despesas de natureza mais directamente social, como a consubstanciada na condenável baixa da taxa de bonificação para aquisição de habitação própria, no preciso momento em que aumentam as respectivas taxas de juro bancárias. Acumulando, por estrita vontade política do Governo, as dificuldades de muitos milhares de famílias, em particular de famílias jovens.

A questão da execução orçamental de 2000 é uma questão séria. É tempo de o Governo o entender e de se deixar de meias verdades/falsidades. Porque estas não alterarão a realidade nem reduzirão as dificuldades. 

* deputado do PCP, economista

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