Bancada Económica
Princípios Ou Diversão?

Por OCTÁVIO TEIXEIRA, deputado do PCP
Segunda-feira, 29 de Maio de 2000

O recente debate sobre a lei de enquadramento orçamental suscita algumas notas que me parecem centrais.

Em primeiro lugar, é inequívoca a necessidade de uma alteração substancial daquela lei: quer na perspectiva de acolher alguns normativos constitucionais que ainda o não foram, quer visando a adequação a novos sistemas e técnicas de gestão dos dinheiros públicos e a imposição de efectivos rigor e veracidade das contas públicas, quer com o objectivo de consagrar um controlo eficaz de toda a actividade financeira do Estado.

Em segundo lugar, registar mais um incumprimento de uma promessa do Governo: na anterior legislatura, o PSD viabilizou a pretensão do PS de virem a ser adquiridos três submarinos sem que essa aquisição, no valor de centenas de milhões de contos, passasse pelo Orçamento do Estado, contra a "garantia" (por escrito) de que o Governo apresentaria no início desta legislatura uma proposta de nova lei de enquadramento. Passados seis meses, a tal proposta do Governo permanece no reino da virtualidade. Diga-se de passagem que provavelmente o PSD já esperava isso mesmo, e que aquela "contrapartida" foi apenas um pretexto para dar o seu aval a uma operação de desorçamentação de centenas de milhões de contos.

Em terceiro lugar, (re)verificar que um assunto da maior importância para as finanças públicas e para a transparência e veracidade da actividade financeira, como é uma lei de enquadramento orçamental, não pode estar sujeita a pequenas lutas de guerrilha política mais ou menos ocasional, antes deve ser encarada com toda a seriedade política. Ao apresentar um projecto de lei sobre a matéria, de alcance muito limitado face às exigências e necessidades, e ao proceder ao seu agendamento de supetão, o PSD deu a entender que, de facto, estava menos interessado na alteração da lei do que em mais um (pequeno) confronto verbal com o PS. Sem quaisquer consequências práticas.

Em quarto lugar, mesmo em propostas de âmbito limitado, importa que as intenções e objectivos sejam claramente assumidos. A questão central colocada pelo projecto do PSD era a da chamada "desorçamentação", isto é, a questão de o Governo do PS vir, crescentemente, a realizar efectiva actividade financeira do Estado sem que ela passe pelo Orçamento do Estado, o mesmo é dizer, sem que à Assembleia da República seja possível intervir quanto à respectiva autorização e sequente fiscalização e controlo. O PSD (tal como o CDS/PP, aliás) parece aceitar e concordar com a prática da desorçamentação (também a fez quando no Governo) e apenas pretender (?) estabelecer limites quantitativos a essa prática. Mas será que a desorçamentação é boa e desejável em si mesma? Para mim não, e isso é que deve ser discutido. Não o seu quantitativo.

Em quinto e último lugar, parece-me estulta e insustentável a pretensão do PSD (e do CDS/PP, mais uma vez) de dar consagração legal à proibição pura e simples de, em condições normais, um Governo poder apresentar um Orçamento do Estado com qualquer défice, por mais baixo que seja. Nem o malfadado "pacto de estabilidade" se aventurou a tanto ...

Octávio Teixeira, deputado do PCP

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