O futebol e o país

João Amaral (*)


Escrevo este texto antes do jogo de Portugal com a Turquia, com a tranquilidade de quem pensa que a nossa representação, ao vencer os três jogos da primeira fase, já demonstrou grande qualidade e já conquistou o respeito de todos os amantes do futebol. Uma equipa que ganha a selecções como as da Inglaterra, da Alemanha e da Roménia, é uma equipa que merece aplauso, em vez de exigências insensatas.

Escrevo sobre este tema por ter visto afirmado que "Portugal tem a obrigação de ganhar". É o regresso do espírito terceiro-mundista e alienante que parecia estar superado no comportamento dos portugueses. Alguém nos quer fazer andar para trás.

De facto, o que se passou nos três jogos do Grupo A em que Portugal participou, merece dois registos especiais. O primeiro refere-se ao comportamento dos nossos jogadores. O que foi evidente foi o alto grau de profissionalismo que demonstram. Sejamos verdadeiros. O futebol de que aqui se fala é o futebol profissional, que hoje constitui uma indústria poderosa, ligada a três outras importantes actividades económicas: a televisão, a publicidade e as indústrias de equipamentos desportivos.

Elogiar os nossos jogadores pelo seu profissionalismo significa dizer que eles se sabem empenhar em jogar bem, que sabem respeitar os adversários como profissionais do mesmo ofício, e que compreendem que os jogos se ganham não por paixão e raiva mas sim por tenacidade, qualidade e clarividência de raciocínio. Também é preciso audácia e sorte. Faz parte do jogo. Mas até na forma de assumir a sorte já foi possível distinguir o profissionalismo que caracteriza aqueles vinte e dois portugueses da nossa selecção.

O segundo registo que resulta dos três primeiros jogos de Portugal refere-se ao comportamento dos portugueses. Houve alegria e satisfação. Mas não houve loucura colectiva. Pelo contrário, houve uma novidade: pela primeira vez, os portugueses souberam conviver com as vitórias. Parece fácil, mas não é. Conviver com as vitórias significa não perder a lucidez. Significa saber distinguir a competição desportiva profissional, como é materialmente o EURO 2000, dos problemas concretos da vida.

Nesta mesma ocasião, quando Portugal já tinha ganho à Inglaterra e à Roménia e assegurado o primeiro lugar no Grupo A, realizou-se no Porto a maior manifestação desde o 1.º de Maio de 1974. Lá estiveram os grandes temas sociais do momento, desde a luta por trabalho com direitos, até à condenação da exclusão social e à defesa do sistema público de segurança social.

Hoje, o sucesso de resultados futebolísticos já não é um cavalo que os políticos possam cavalgar com facilidade. Os mesmos portugueses, que festejam as vitórias, protestam nas ruas contra a política do Governo. Eles sabem que o mérito das vitórias é dos jogadores e da equipa técnica; e, quando virem o novo aumento da prestação da casa, sabem que o demérito é do Governo, que diminuiu as bonificações.

Quando este artigo for lido, já Portugal jogou com a Turquia. Se ganhou, o espectáculo continua. Não com "obrigação de ganhar", mas sim com a obrigação de jogar com profissionalismo e com abnegação. Se perder, parabéns pelos êxitos. E toca a pensar no Mundial! Esta é a atitude saudável, que jogadores e público mostraram até agora.

Só espero não estar enganado...

(*) O deputado do PCP escreve no JN, semanalmente, às segundas-feiras

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