Perspectivas para uma alternativa nova
HÁ POUCO tempo não faltava quem considerasse um disparate a
possibilidade de o Governo se isolar depressa e de a sua imagem vir por
aí abaixo. Falava-se com sobranceria a quem apontasse o dedo ao autismo e
à insensibilidade do Governo.
Afirmava-se abstractamente que o ciclo político do guterrismo não podia
estar esgotado, como se o calendário a definisse a política.
Os factos mostram que a mudança da situação pode ser bem rápida.
Decorreram oito meses desde as eleições e o «score» de 115 deputados
mostra-se uma vitória de Pirro, perante este Governo sem alma.
Desde a escolha dos ministros que o destino do Governo estava traçado.
Pastas sensíveis como Administração Interna, Defesa, Reforma da
Administração e Assuntos Parlamentares foram entregues com critérios de
tribo partidária, sem consideração pelas exigências dos temas.
A solução da junção da Economia e Finanças deu descontrolo e
incapacidade.
A invenção de uma ministra para ocupar uma desempregada é um «must» de
descalabro político.
Dentro do PS, as guerras aumentam à medida que vão crescendo os erros e
a contestação.
As negociações da função pública, um barómetro do estado das
organizações sindicais, foram conduzidas pelo Governo de forma suicidária,
combinadas com aumentos dos combustíveis que puseram à vista a
inaceitabilidade dos valores propostos.
O que torna a situação nova não é só o descrédito em que entrou o
Governo e o PS, nem a multiplicação dos conflitos internos. O que é novo é
que António Guterres não dá a volta à situação.
Continuam os erros clamorosos, como a diminuição das bonificações do
crédito à habitação, que vai ser fortemente sentida por milhares de
famílias.
Continua o plano inclinado de credibilidade, com o fracasso das
operações de propaganda (como o debate na Assembleia provou, ao provocar
um coro de crítica na comunicação social).
Continuam as guerras internas, como a da co-incineração.
O drama para os portugueses que acham que isto não está bem é o da
credibilidade de uma alternativa.
A direita já o sentiu, como mostram os súbitos namoros entre PSD e PS.
Mas a credibilidade da direita está de rastos.
À luta fratricida dentro do PSD, contrapõe-se o oportunismo de Portas,
o pró-europeu que já foi campeão da frente anti-Europa, o superopositor do
Governo que aprovou o Orçamento há três meses e é assim a muleta de
Guterres.
Aliás, os mimos entre Ferreira do Amaral e Basílio Horta fazem
adivinhar para este renamoro o mesmo futuro que teve a AD de Rebelo de
Sousa e Paulo Portas.
Pelo descrédito do Governo e da política à direita que executou, e pelo
estado de crise aberta dos partidos à sua direita, esta é uma situação
particularmente desafiadora, abrindo um sério debate sobre as perspectivas
de afirmação e credibilização de uma alternativa nova, que ponha em causa
o rotativismo que pauta o país há vinte anos.
Essa alternativa não pode ser desenvolvida a partir de causas
minoritárias e marginais, por mais na moda que estejam.
Tem de responder aos problemas centrais da sociedade, tem de procurar o
apoio de camadas largas da população, tem de estimular e aproveitar a
intervenção pública dessas camadas e tem de saber dialogar politicamente,
de forma a transferir o seu meridiano político tão para dentro do
eleitorado do PS quanto possível.
Este é um ano de grandes decisões. A clarificação dos caminhos desta
alternativa faz forçosamente parte das exigências de agenda da esquerda,
para que ela possa surgir no tempo certo.
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