Ainda a Jugoslávia



No último número da P.O. Manuel Raposo reitera as suas posições acaloradamente serbófilas (embora ele agora, com igual calor, negue que o sejam!?...), acompanhadas de longas, confusas e fantasiosas alegações a favor da existência de uma conspiração das “potências germânicas”. Nada de novo, realmente. Eu não vou, evidentemente, entrar em discussão sobre quem é que disparou obuses para aqui ou acolá ou, genericamente, quem é que tinha razão e quem é o vilão no conflito jugoslavo, até porque o director desta revista já me fez saber que os leitores estão a perder a paciência com esta discussão. Responderei pois, de uma forma circunscrita, a algumas questões de maior interesse político e teórico.

A minha posição política sobre a guerra jugoslava já foi claramente exposta - e com maior desenvolvimento - nos meus dois anteriores artigos. Mas talvez M.R. goste mais de a ver exposta por pontos. Aqui vai, pois:

1. A guerra jugoslava é um conflito nacionalista, provocado pela desestabilização económica que o sistema imperialista impôs num terreno imaturo e fragilizado em termos de acumulação capitalista e respectivo travejamento social e político;

2. As potências imperialistas europeia e norte-americana, apesar do relativo desinteresse estratégico da área em causa, serviram-se do pretexto da guerra para travarem entre si uma luta de influência, propaganda e intimidação, a qual visa essencialmente assegurar o domínio no conjunto do teatro europeu; nessa luta os E.U.A. demonstraram uma clara superioridade;

3. O proletariado internacional deve combater por todos os modos as intervenções imperialistas (em primeiro lugar a dos seus países), procurando simultaneamente influenciar o proletariado e as massas jugoslavas para que recusem e sabotem activamente a guerra que as “elites” locais lhes querem impôr, tomando se possível em suas mãos o destino político do país.

Tendo esta análise da crise política jugoslava, opus-me à intervenção imperialista por posição de classe: os filhos do proletariado não devem servir de carne de canhão para a política imperialista da sua burguesia. E pude fazê-lo com todo o à vontade e boa consciência “humanitária” porquanto calculava (e sei-o agora seguramente) que as intervenções não evitariam qualquer carnificina nem resolveriam nenhum dos problemas políticos jugoslavos. Elas aliás já estão no terreno há uma eternidade sem aí terem resolvido ou minorado nada. Só quando a dinâmica da guerra apontou para a estagnação e o cansaço é que as partes beligerantes se resolveram acolher à mediação armada que lhes era oferecida. A não-intervenção não teria custado aos jugoslavos mais cadáveres; muito provavelmente, ter-se-ia saldado em menos.

Esta obsessão inquisitória de M.R. a respeito da minha posição política sobre o conflito - e a sua obstinação em afirmar que eu só posso ser apoiante da intervenção imperialista ou andar lá perto - vem revelar-nos um pouco da genealogia da sua tomada de posição sobre a questão. M.R. começou por partir do princípio (absolutamente correcto) de que uma intervenção armada do imperialismo é sempre de condenar e combater. Atemorizado com o êxito de propaganda que esta intervenção imperialista tem tido, inclusive em sectores de “esquerda”, procurou então, retrospectivamente, uma “análise” do conflito que servisse os seus propósitos. Encontrou assim em circulação (aliás restrita a certos grupos amantes da ovniologia e do misticismo pan-eslavo) a tese da conspiração germano-papal e disse de si para si: esta é que é a “posição correcta” para um revolucionário. Decretou então, por fim, que quem não fôr tocado pela graça desta revelação, é seguramente um inimigo encapotado. Simplesmente, ter ou não ter havido uma tal conspiração não é questão de “posição”, é matéria de facto. É verdadeiro ou falso. A menos que M.R. tenha mandado o materialismo às malvas e aderido às modas intelectuais desconstrucionistas que dizem que os factos não existem, apenas as interpretações feitas sobre eles.

Eu não tenho nenhum prazer em estar aqui a “desagravar” os alemães ou o Vaticano, que aliás por várias vezes se imiscuiram criminosamente (embora não de forma decisiva) no decurso da tragédia jugoslava. Na luta de classes não me julgo obrigado por nenhuma espécie de regras de cavalheirismo ou fair-play. Simplesmente, esta história não se tem minimamente de pé, nós não precisamos dela para nada e ela só nos desacredita. Em vez de atirar areia aos olhos do inimigo estamos é a esfregar a nossa cara nela até à cegueira total. Além de que, como é óbvio, aqui sim, um aval nosso dado a esta contrafacção arrastar-nos-ia logicamente para uma posição - politicamente ruinosa - de apoio expresso e activo a Belgrado e Pale (1), metendo-nos a bordo da nave insana do ódio étnico (como aliás a prosa de M.R. já vai, aqui e ali, “exemplarmente” demonstrando).

Nunca nenhuma “nação” tentou sequer obter a sua independência política sem ter garantido previamente contactos e algum apoio externo. No caso da Croácia e da Eslovénia (já nem falo da Bósnia e da Macedónia), o que chama a atenção, e fazendo fé nos factos compilados por Santos Pereira, é precisamente a escassez e extrema precaridade destes apoios e contactos. A verdade, porém, é que as secessões estiveram longe de revestir um carácter conspiracional. Foram longamente discutidas e negociadas nos anos de 90-91, objecto de referendos, declarações de intenção, proclamações, etc.. Grande parte dos dirigentes políticos independentistas transitaram muito pacificamente dos quadros da Liga dos Comunistas Jugoslavos e das estruturas de poder federativas. Havia um acordo total entre os três projectos nacionalistas em liça - sérvio, croata e esloveno - no princípio da separação, faltando apenas resolver a questão territorial (Milosevic e o sinistro Tudjman discutiram entre si pela primeira vez a partilha da Bósnia num encontro em Karadjordje em Março de 1991). A única oposição existente à separação era... a da “comunidade internacional”.

M.R. quer-se esquecer (2) que foi Milosevic que deu aliás as primeiras e decisivas machadadas na periclitante federação jugoslava com a sua campanha de histeria nacionalista contra um suposto “genocídio anti-sérvio no Kosovo”; o esmagamento com tanques do movimento popular nesta província; a reforma constitucional sérvia que retirou a autonomia ao Kosovo e à Vojvodina. A partir daqui, apresentando-se com o controlo de metade dos votos na presidência colectiva (Sérvia, Kosovo, Vojvodina e Montenegro) manteve-a refém da sua chantagem nacionalista e paralisou por completo o programa reformista (isto é, imposto pelo F.M.I.) do governo liberal de Ante Markovic, alvo também das suas manifestações de massas “anti-burocráticas”. Enquanto tudo isto se passava (1988-89), ainda os partidos independentistas croata e esloveno (HDZ e Demos, respectivamente) não tinham sequer sido formados e as “potências germânicas”, essas, tinham certamente bem mais em que pensar, nomeadamente com o processo de reunificação. Quanto à “violência da guerra e seu arrastamento no tempo”, não teve nada a ver com a realidade política das secessões - que era pacífica - mas sim com disputas territoriais entre a Sérvia e a Croácia e, depois, uma guerra civil bósnia (3).

M.R. diz que foram os imperialismos, em luta entre si, que foram alimentando a guerra, mas escusa-se a dizer como se alinharam eles entre as forças em conflito no terreno. Dá a entender que as diversas ingerências e intervenções externas se dirigiram, antes do mais, umas contra as outras. Mas não diz como, onde ou por que meios elas se enfrentam. Já sei que não disparam umas contra as outras. Mas como é então que criam vantagem e decidem a contenda? Solnado se fosse a esta “guerra”, integrado no garboso corpo português, não deixaria certamente de perguntar onde é que ela está, para que lado é, como se faz. Eu também não sei. Alinhado com as “potências germânicas” no âmbito da U.E., deverá Portugal bater-se com os norte-americanos? Bom, mas então ao bom sucesso das armas lusas torna-se essencial que o inimigo não chegue nunca a suspeitar sequer dessas intenções. Prudência, muita prudência, diria aqui o conselheiro Acácio. Clinton vai agora reduzir a 8.500 (entre 30.000) os seus efectivos na IFOR 2. Se desta vez cumprir a promessa de retirar por completo os seus rapazes ao fim dos 18 meses previstos, António Vitorino festejará então a vitória com os seus pares europeus - discretamente. A nós pois: “o petróleo do Médio Oriente, o flanco Sul da Rússia, a ligação da Europa com a Ásia e a África, etc.”, enfim, todos os objectivos em disputa segundo o grave parecer dos “especialistas” em geo-estratégia consultados por M.R.. Não mais se dirá que este final de século carece de homens com visão.

Não há neste momento um único soldado alemão (ou austríaco) armado em todo o perímetro da ex-Jugoslávia. É verdade que Bona vendeu à Croácia umas carripanas e blindados pertencentes ao exército da ex-RDA, que apodreciam por lá em armazém. Isso aí, meu amigo, em qualquer canto do mundo em que haja procura solvente de armas, elas aparecem imediatamente de todo o lado. E eu digo mesmo de todo o lado - de Portugal também. É como os isqueiros que se acendem oferecidos a uma bela fumadora. Os dados de que dispomos, porém, indicam que a participação alemã na organização, apetrechamento, treino e doutrina do exército croata está longe de ser maioritária, ou sequer muito significativa. Essa posição pertence sim aos seus mortais inimigos norte-americanos, como mesmo M.R. parece reconhecer.

Quanto aos eslovenos, esses, a sua secessão de facto foi lograda através da Defesa Territorial Eslovena - uma estrutura descentralizada de defesa civil criada por Tito em todos os Estados federados - sem uma única arma que não tivesse saído directamente dos seus depósitos e numa altura em que o “clima internacional” não era, nem de longe, favorável a estes propósitos. M.R. vem agora assegurar-nos, com enorme auto-suficiência, que eles jamais se atreveriam a fazer o que eles não só indiscutivelmente fizeram como até nem pareceu muito custoso.Tudo se concluiu em escassas horas - com alguns episódios de tiroteio de armas ligeiras -, o que não se deveu certamente ao heroismo excepcional dos independentistas mas ao grau de profunda desmoralização e apodrecimento das estruturas federais, reduzidas aliás ao exército e pouco mais. A Jugoslávia, como entidade política efectiva, morreu nesse dia - 27 de Junho de 1991. A partir desse momento preciso, e até hoje, o que esteve em causa foram sempre e apenas disputas entre os diversos Estados constituídos sobre despojos territoriais localizados. O exército federal sofre logo de seguida uma série de purgas e deserções em massa que o transformam num exército serbo-montenegrino. A guerra rebentou então na Eslavónia oriental (Vukovar), Krajina e na costa dalmática. Todavia, durante bastante tempo ainda, todo o “mundo ocidental” em uníssono insistiu ainda na reconciliação e na revitalização dos órgãos federais (uma “presidência colectiva” boicotada por todos os lados e unanimemente escarnecida). A Alemanha foi de facto a primeira a afastar-se do coro, reconhecendo as independências croata e eslovena a 23 de Dezembro de 1991, seguida pelo conjunto das C.E.s em 15 de Janeiro de 1992. Os E.U.A. reconheceram a Croácia, a Eslovénia e a Bósnia-Herzegovina a 7 de Abril desse ano. A própria Sérvia, proclamando a 27 de Abril deste mesmo ano de 1992, a sua “terceira Jugoslávia”, reconhece implicitamente as independências entretanto declaradas (4).

Aquela iniciativa diplomática pioneira dos alemães (que foi realmente estranhamente assertiva vinda de um país com o estatuto político internacional da Alemanha), centrada na personalidade idiossincrática de um Hans-Dietrich Genscher em final de carreira, é naturalmente o corpus delicti mais citado pela tese da “agressão imperialista alemã”. As vendas de armas acima referidas ocorreram depois, numa altura em que os objectivos de todo o “mundo ocidental” já tinham evoluído da preservação da unidade jugoslava para o apoio activo à Croácia e, depois, também à Bósnia. Negócio secreto, em violação de um “embargo” da O.N.U. e outro das C.E.s, foi certamente feito após consultas várias e aval norte-americano. Aqui também eu não tenho provas mas não é crível que tenha sido de outro modo e vou já explicar porquê. Aliás, se os E.U.A. tivessem sentido aqui algum desafio à sua autoridade a questão tinha de imediato estourado publicamente, em feroz batalha de propaganda. Não haveria nenhuma razão para a manter no segredo dos gabinetes. Outras ingerências germânicas não merecem sequer menção. Também eu tenho na burguesia alemã o meu ódio de estimação mas, sinceramente, parecem-me muito poucos ovos para tão grande omoleta. Quanto ao Vaticano, enfim... os seus conciliábulos de sacristia são demasiado espirituais para estarmos aqui a perder tempo com isso. De qualquer maneira, a obsessão do velhaco Woytila era o “comunismo”, não havendo quaisquer bases para o acusar de andar a fomentar guerras religiosas. Depois de livrar os povos do materialismo ateu, ele abençoará naturalmente os seus queridos prosélitos, mas sem hostilizar os outros rebanhos.

O conluio dos alemães (mais a sua carga histórica maligna) com o papa católico é, obviamente, um mitologema criado pela consciência ingénua e popular sérvia - depois de convenientemente excitada pelos ideólogos nacionalistas. Santos Pereira bebeu-o na origem e, certamente afeiçoado pelo destino trágico daquele povo caloroso e tocante, dá-lhe crédito em forma de livro. M.R. junta-lhe umas pinceladas “geo-estratégicas” incongruentes, um cenário absurdo de confronto imperialista germano-ianque e quer-no-lo impôr à viva força como o supra-sumo da razão revolucionária, ou melhor, o último baluarte lógico antes de nos irmos todos alistar na CIA ou nos US marines, conhecidas agências humanitárias. Tenha calma, camarada. A serenidade também pode ser uma arma anti-imperialista. Lembre-se que a nossa luta é a do proletariado internacional, um poderoso exército de centenas e centenas de milhões de homens e mulheres em todo o mundo. O destino histórico desta luta não está à mercê de quaisquer manobras propagandísticas que possam ter momentaneamente seduzido ou desarmado o António, o Zé-Pedro ou a Cristina.

A Alemanha é, evidentemente, uma potência económica de primeiro tomo. Mas não existe sequer hoje algo a que se possa chamar um imperialismo alemão de corpo inteiro. Após a reunificação (muito cuidadosa e respeitosamente negociada e finalmente consentida pelos E.U.A.), tem-se falado muito de regresso do colosso teutónico, da sua vocação hegemónica na Europa central, etc., etc.. M. R. deixou-se certamente influenciar por estas análises, que não são aliás totalmente desprovidas de algum sentido, embora limitado. Simplesmente, é preciso lembrar aqui uma coisa que eu pensava que fosse do domínio público: a Alemanha (como o Japão) é um país sob a tutela militar directa dos E.U.A.. Não é um “aliado”. É pouco mais que um protectorado. Quando hoje se fala de presença militar norte-americana na Europa, usa-se um eufemismo elegante para dizer... na Alemanha. Depois de todos os cortes recentemente efectuados, estão lá agora estacionados permanentemente cerca de 150 mil soldados ianques (de lá é que partiu um pequeno destacamento para a Bósnia), equipados com armas de destruição maciça e uma panóplia impressionante do material militar mais moderno e sofisticado do mundo, dispostos com uma lógica militar particular e sob comando próprio (USEUCOM) sediado em Heidelberga. E não vão sair tão cedo porque o objectivo da N.A.T.O. é agora monitorizar a partir daí uma expansão para Leste. É um tanto caricato que M.R. atribua um transcendente desígnio geo-estratégico a algumas dezenas de homens que os E.U.A. colocaram temporariamente, com missão definida, na Macedónia ou na Albânia, esquecendo-se por completo da trave-mestra estruturante de todo o sistema. Quando interrogado sobre os objectivos da N.A.T.O. para a Europa, houve um general britânico que resumiu assim: “To keep the americans in, the soviets out and the germans down.” Agora os soviéticos chamam-se russos e, de momento, não constituem grande ameaça. De resto as variáveis da equação permanecem exactamente iguais. Os E.U.A. têm bases espalhadas pelos quatro cantos do mundo mas a sua doutrina militar só reconhece dois “interesses vitais”: a “Europa” e o Japão/Coreia (onde têm também 130 a 140 mil homens). Isto não são resquícios da “guerra fria”; são compromissos já estabilizados e assentes. É isto que confere ao sistema imperialista tri-polar a sua actual estabilidade e baixo nível de conflitualidade. Há regateio económico mas pouca fricção política e virtualmente nenhuma tensão militar. Em última instância, os E.U.A. têm sempre razão. Os problemas que existem são ainda com a Rússia e, ultimamente, com a China.

A burguesia alemã (como a japonesa) está, por enquanto pelo menos, plenamente satisfeita com este arranjo. Pragmaticamente, deixou-se de brios nacionalistas ruinosos, acobertando-se com a protecção do grande padrinho tio Sam. Aliás, a parte mais substancial do “milagre” económico alemão (e japonês) deveu-se a que estes países beneficiaram (e beneficiam ainda) largamente das características expansionistas de uma economia fortemente militarizada sem todavia lhe suportarem os custos. Simplesmente, esta “mama” paga-se com a sua total menoridade política e a perda de qualquer influência na definição dos grandes espaços em que se têm de mover. A Volkswagen pode comprar a Skoda, os alemães colonizar Dubrovnik, e o deutsch mark circular como moeda franca em toda a mitteleuropa. Mas a gestão estratégica e político-militar de toda esta zona não deixa por isso de ser feita em Washington, que depois cobrará a Bona o correspondente tributo, por qualquer forma e a outro propósito qualquer. É precisamente a mesma lógica da Chicago dos tempos áureos. Os alemães sabem isto e (por sua iniciativa isolada) nem sonham sequer em contestá-lo. Se eles aceitam a protecção militar norte-americana no seu próprio território, que sentido faria desafiarem o poder ianque alhures, quando não tinham qualquer interesse económico nisso nem sequer forças armadas autorizadas ou capazes para actuar no exterior? Pelo contrário, o seu interesse é em fortalecer sempre em todo o lado o poder dos seus protectores, enquanto estes se mantiverem nesse papel. Confesso não saber de mais ninguém no mundo (Santos Pereira não diz nada disto) que se tenha igualmente apercebido deste secreto ajuste de contas imperialista nos Balcãs.

É o triângulo franco-britânico-germânico que, por vezes, sempre sob impulso francês, dá a impressão de, em conjunto, querer sacudir o jugo ianque. Tudo de uma forma gradual, controlada e “amigável”, claro. É um processo muito complexo e contraditório, com muitos recuos, tibiezas e mal-entendidos pelo meio. A aproximação entre estes três polos europeus faz-se através de jogos muito complicados de atracção-repulsa. Por sua vez, os norte-americanos umas vezes parecem emitir sinais encorajadores e emancipatórios aos seus “aliados” europeus e japoneses (procurando, sem dúvida, alijar um pouco a carga económica que este papel de “polícia global” implica), enquanto noutras ocasiões predomina o desejo de permanecer em contrôlo total - fazendo-se pagar, naturalmente. A guerra jugoslava veio fazer com que o projecto de “segurança colectiva” puramente europeu perdesse ainda mais alguma da sua já escassa credibilidade.

A longo prazo, a tendência parece ser a de que os norte-americanos irão efectivamente perdendo fôlego e retrocedendo para posições “isolacionistas”, ou seja, centradas sobre o seu bloco continental. Teremos, então sim, três polos imperialistas completos e acabados, prontos para se lançarem às goelas uns dos outros, embora possivelmente (dada a capacidade destruidora actual dos armamentos) através de intermediários, sob forma limitada ou “fria”. Para já, contudo, ainda estamos longe desse cenário. E a guerra jugoslava nada adiantou nesse sentido. Pelo contrário, fez retroceder algum tanto esse processo. Não foi só uma questão de os europeus terem perdido claramente no confronto com uma potência melhor apetrechada, mais decidida e experiente. Foi do próprio seio europeu que partiu o pedido, insistente, de uma intervenção norte-americana, o que denuncia um desentendimento grave e uma sabotagem activa (dos ingleses, claro, mas também dos próprios alemães) no projecto “securitário” do clube das estrelinhas. Últimamente, este errático projecto parece querer inflectir para Sul, anunciando-se uma aliança militar franco-italiano-ibérica, o que teve para já o efeito de enfurecer Kaddafi.

M.R. reitera imperturbavelmente as suas acusações de que a minha análise da crise nacional jugoslava reflecte os preconceitos vulgares dos mass media e a propaganda ocidental. Mais tarde, faz uma invocação de outros “independentistas” de diversos azimutes, com o que só veio provar definitivamente o seu alheamento total da problemática do nacionalismo conforme ele é entendido pelo materialismo histórico: como um fenómeno típico do amadurecimento do projecto burguês de sociedade. Há uma vasta literatura sobre o assunto, que constituiu um corpus teórico particular. Leia Otto Bauer, Rosa Luxemburgo, Lenine, o jovem Estaline. Se não tiver tempo, leia ao menos resumos destas discussões em manuais e panfletos mais recentes.

A questão não é: a Jugoslávia não poderia ter-se desintegrado assim sozinha. A questão é antes: sem um bloco burguês consolidado, habituado a ter como mercado seu próprio (e horizonte político) o conjunto da federação jugoslava, o que é iria impedir esta de se desintegrar assim que o aparato estatal titista entrasse em colapso face às pressões do F.M.I.. Havia alguns embriões de uma tal burguesia (p. ex. o muçulmano Fikret Abdic e outros) e até do seu “reflexo” numa consciência nacional jugoslava (p. ex., na obra do genial realizador cinematográfico Emir Kusturica). No censo de 1981, 5,7% da população, inquirida sobre a sua “nacionalidade”, declarou-se jugoslava (36,3% sérvios, 19,7% croatas, 8,9% “muçulmanos”, 7,8% eslovenos, 7,7% albaneses, 5,9% macedónios, etc.) (4). Simplesmente, era tudo ainda muito incipiente para resistir às pulsões centrífugas, alimentadas pelo desenvolvimento desigual e pela atracção do polo imperialista europeu. O facto é que quem conhecia bem a Jugoslávia não ficou assim fulminado de surpresa com a sua desintegração.

Quanto aos outros movimentos “independentistas” citados por M.R., indique-me ele um que se apoie numa burguesia solidamente implantada e eu dir-lhe-ei que esse está a caminho do sucesso, por mais poderosos que sejam os seus inimigos. Se as burguesias catalã, basca, flamenga ou quebequense se decidirem pela independência (ou a da Irlanda do Norte se quiser unir a Dublin), consegui-la-ão muito rapidamente. O mesmo não direi dos yanomani, dos inuit, de Iryan Jaya, dos tamil ou mesmo dos curdos e dos chechenos (com toda a sua inegável bravura). Quanto aos palestinianos, tenho as minhas dúvidas mas quem viver verá. M.R. mistura alhos com bogalhos. Lembre-se desta regra de oiro: procure uma burguesia nascente, verá um Estado-nação na forja. Quanto ao resto, Geronimo também lutou contra a cavalaria estado-unidense sem por isso ser um “nacionalista” apache.

A Jugoslávia não era um mosaico de “etnias” muito mais complexo do que, por exemplo, a Espanha. Simplesmente, a unidade do Estado e do mercado espanhóis, caldeados aliás por uma experiência histórica multi-secular, oferecem às suas diversas burguesias nacionais oportunidades que elas não enjeitarão facilmente em troco de aventuras separatistas. Por razões históricas variadas e conhecidas, agravadas depois pela própria pressão económica do imperialismo, a Jugoslávia não tinha ainda uma classe burguesa una (resultado do processo de centralização e concentração do capital actuante num regime capitalista de mercado livre) ou, pelo menos, burguesias nacionais que, pela sua maturidade e expansão no terreno, pudessem pensar daquele modo e fazer aquelas contas.

Esta minha opinião “marxizante”, M.R. não pode assim decretar que reflecte ou “dá passagem” a todas as vulgaridades que lhe derem na realíssima gana: atraso provocado pelo “comunismo” (na criação de uma burguesia, isso aí sim, sem dúvida), “barbarismo sérvio”, “aspirações nacionalistas dos povos” (povos?!! - não há povos nacionalistas) e o diabo a quatro. Em especial, não admito que diga novamente que eu atribuo a ferocidade e o carácter um tanto sórdido de alguns dos episódios desta(s) guerra(s) à depressão económica ou “atraso” cultural, dos sérvios ou de quem quer que seja. O desenvolvimento económico não torna o homem melhor, mais ameno, convivial ou tolerante. Se esse desenvolvimento for capitalista (e para já não há outro) o contrário é que é o mais certo. O homem-tipo das nossas nações “desenvolvidas” posto perante uma situação limite de medo e instabilidade total (e aqui é que está o busílis) reagirá com ainda maior agressividade e “primitivismo” - ou reagirá do mesmo modo a um nível inferior de estímulo. O que acontece é que, devido à sua vida bem mais confortável, ele suportará em regra tais situações muito mais raramente, ou mesmo nunca.

Uma palavra final para a articulação entre o imperialismo como sistema e como decisão política concreta, a derradeira “habilidade” com que eu terei conseguido embrulhar as minhas cogitações filo-imperialistas em celofane marxista. (M.R. demonstra, clara e eloquentemente, um desconhecimento chocante de algumas das noções mais básicas e elementares do marxismo, mas o pior é que fico com a impressão de que ele deve considerar o domínio destas como sendo um lastro inútil, senão um estorvo, à urgência da sua “luta anti-imperialista”). Sem falsas modéstias, a “habilidade” não é novidade nenhuma e tenho mesmo de confessar que a patente nem é minha. Recapitulemos. Há um sistema capitalista mundial. É certo que existem três polos principais de acumulação capitalista e, consequentemente, de dominação imperialista. Esses polos rivalizam entre si economicamente e tendencialmente levarão essa rivalidade até à esfera política e inclusive militar. Mas o sistema mundial é um só: o capitalismo. Como é sabido, este é o modo de produção - esmagadoramente dominante na nossa época histórica - que se baseia na exploração de trabalho assalariado. Pois bem, o imperialismo não é outra coisa do que o sistema capitalista quando ele atinge a fase monopolista e a plenitude da sua expansão, abrangendo a totalidade do planeta. Com esta amplitude, o sistema compreende, além da clássica apropriação de mais-valia produzida pelo trabalhador, relações consolidadas de transferência de valor (sangria financeira, lucros repatriados, troca desigual, etc.) e também de tutela política entre as formações sociais do centro e as da periferia - relações imperialistas em suma. O centro está, como vimos, dividido em três polos principais. Mas o sistema é uno e dispõe até hoje de uma arquitectura institucional que reflecte essa unidade (G7, Conselho de Segurança da O.N.U., F.M.I., Banco Mundial, O.M.C., etc., etc.). As regras do jogo são as mesmas em todo o lado. Por haver três polos acumuladores não é que haverá três sistemas imperialistas, como não é por haver 300.000 capitalistas rivais que haverá outros tantos sistemas de extracção de mais-valia. Esses polos, aliás, não dispõem hoje de “coutadas” fixas, explorando todos eles o conjunto do planeta num regime de mais ou menos livre concorrência. O confronto imperialista deslocou-se assim em grande medida para coisas mais “abstractas”: taxas de juro, proteccionismo comercial, política industrial, cambial, etc.. Estas questões podem parecer “imateriais” mas traduzem-se de facto em colossais movimentos de capital. Os imperialistas batem-se já entre si por elas (e bater-se-ão porventura amanhã inclusive pela via armada) com tanto empenho ou mais do que ontem por Marrocos ou Tanganica.

O imperialismo (ou sistema capitalista mundial) é pois este conjunto muitíssimo complexo de relações de exploração e opressão à escala mundial que, como diria o tal Marx, “se impõe aos homens independentemente da sua vontade”. Não, não é uma “atmosfera geral que envolve o planeta” (!?...). É o pulsar da vida real e concreta, a vida toda: a maneira como o suor, o sangue e as fezes de todos os homens e mulheres, os vivos e os mortos, se vai acumulando como riqueza material, progresso e cultura em certos pontos particulares, com exclusão de outros, renovando-se o ciclo incessantemente, com um automatismo cego e brutal. M.R. pensa que “a vida dos povos” se decide por troca de notas entre chancelarias, mas a verdade é que ela já está decidida muito antes, no processo material de produção da existência à escala mundial. Foi aí que a Jugoslávia foi trucidada. Sobre este processo e como possa ele, porventura, amenizar-se um pouco para a maioria, ou alterar curso, os altos “dirigentes” e seus conselheiros “científicos” pouco menos ignorantes e impotentes são do que qualquer operário comum. Aliás, se o operário conhecer uns rudimentos de marxismo já estará claramente em vantagem sobre eles, envoltos nos seus antolhos ideológicos burguesas. Se M. R. pensa que Clinton (ou Khol, enfim, para lhe dar prazer, ou toda a cimeira do G7) tem um conhecimento perfeito de todas as leis económicas e do movimento das sociedades capitalistas, mantendo firmemente em mão todos os comandos de desenvolvimento da situação mundial, demonstra uma visão infantil e mitológica da política. O mesmo para o caso de pensar que os grandes desenvolvimentos históricos têm sempre tradução ou são sempre veiculados por decisões conscientes de algum grande dirigente ou executivo. Pelo contrário, a tendência histórica é para a redução cada vez mais acentuada da margem de relevância do conteúdo volitivo e consciente na direcção do sistema. O sistema está já hoje aliás praticamente sem direcção alguma, propulsionado por um paralelogramo de forças colossal e incontrolável constituído pela soma e intersecção da sede de lucro individual de todos os capitalistas. Não vale a pena iludirmo-nos com a ideia (semi-esperançosa para alguns) de que “eles” sabem muito bem o que fazem e, quando “quiserem”, poderão travar, evitando à justa precipitar o conjunto da humanidade no abismo. “Eles” não sabem nem podem. Temos de ser nós a fazê-lo.

É evidente que o facto de os dirigentes do capitalismo serem inconscientes não os exonera de responsabilidade política. Eles são inegavelmente criminosos, senão nunca teriam sido cooptados para os lugares que ocupam. Simplesmente, não faz sentido - nem adiantamos nada politicamente com isso - estar a atribuir-lhes pessoalmente os mais pérfidos desígnios quando estes nunca lhes passaram pela cabeça (o que também não falta são os casos em que eles os tiveram mesmo: o Golfo, Afeganistão, etc., etc., etc.), nem eles estão sequer ideologicamente apetrechados para compreender a sua responsabilidade. O que temos é que demonstrar esta mesma responsabilidade ao conjunto do proletariado e às massas, explicando-lhes porque é que este sistema não pode deixar de produzir, uma e outra vez, cada vez mais, catástrofes semelhantes à jugoslava (5) e que por isso mesmo ele tem de ser derrubado revolucionariamente. M.R. prefere contudo contar-lhes histórias mais que duvidosas de medonhas conjuras, com o que (caso lograsse algum crédito, o que é bem improvável) apenas lhes transmitiria a ideia de que o problema se pode afinal resolver pondo “lá em cima” pessoas um pouco mais sensíveis e compreensivas.

Não estou a contar voltar a este assunto, que já me parece exaustiva e (penso eu) proveitosamente debatido. Para Manuel Raposo, que conheço ainda superficialmente apenas, envio um forte abraço, a minha estima e a minha camaradagem.

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Publicado na revista 'Política Operária' nº 57, Novembro-Dezembro de 1966.

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NOTAS:

(1) M.R. dá agora a entender que também não gosta de Milosevic mas que “não confunde os sérvios da Bósnia com os da actual Jugoslávia”. A diferença mais notável entre eles, porém, é que enquanto Slobo é um pós-”comunista” (a sua mulher e “aliada” política, Mirjana Markovic, tem até um partido próprio com pretensões esquerdistas), os sérvios bósnios do SDS são nacionalistas arqui-reaccionários, neo-chetniks, tendencialmente monárquicos. Francamente, fico sem saber que espécie de caldo “anti-imperialista” é que M.R. quererá ainda cozinhar com semelhantes legumes. Deixou-se seduzir pelas suas fanfarronadas inconsequentes (também aqui sem qualquer conteúdo político anti-imperialista)? Outra vez? Diz o ditado que à segunda só cai quem quer.
Teria sido porventura correcto ter-se pensado assim: estes caudilhos sérvios são uns patifes da pior espécie (como aliás era e é o Saddam Hussein) mas se, eventualmente, derrotarem os intervencionistas, abrir-se-à aqui um buraco na ordem imperialista que poderá ter consequências políticas interessantes. A questão, porém, com estes sérvios (de qualquer das bandas) foi que desde muito cedo ficou absolutamente claro, dada a sua postura política, que eles não se iriam bater nunca. Estavam só a regatear um pouco. Isso não é assim por cobardia ou “realismo” seus, entenda-se. Se eles quisessem, facilmente criavam ali uma situação militarmente embaraçosa para os intervencionistas. É assim devido à sua opção e desígnio políticos. Esta opção e desígnio - “democracia”, mercado livre, investimento externo, etc. - colocam-nos dentro e não fora ou à margem da tal “ordem” imperialista, tornando um afrontamento inverosímil. Em linguagem corrente: a burguesia sérvia quer é gamela à frente dos beiços como qualquer outra. Que sentido faz estarmos nós a apoiar os sérvios bósnios na sua guerra de razia e massacre a populações muçulmanas (geralmente indefesas ou pouco menos) para depois os vermos agacharem-se à chegada dos norte-americanos, afivelando à pressa uma compostura grave de estadistas e interlocutores razoáveis?

(2) Ou, porventura, desconhece - o interesse de M.R. por esta questão deve ser muito mais recente. De qualquer modo, ele parece que prefere não ler os jornais a fim de não se intoxicar. Se me for permitido um alvitre, ele deveria era aprofundar a sua formação ideológica e teórica, que logo deixaria de ter tanto medo de contaminação pela imprensa burguesa. Houve certamente montes de propaganda e desinformação (a maior parte dela anti-sérvia), mas globalmente a crise jugoslava até nem foi assim tão manipulada como isso (enfim, nada que se compare, remotamente sequer, com a guerra do Golfo). E não o foi porque não envolvia luta de classes, não punha em causa questões ou recursos essenciais para o imperialismo e, durante a maior parte do tempo, as diversas “potências” pura e simplesmente não sabiam o que lhe fazer. Milhares de repórteres circularam assim no terreno mais ou menos livremente, sem instruções, encomendas ou condicionamentos específicos. Os “casos” da guerra que M.R. refere (citando-os, vá se lá saber porquê, como “indícios” do tal plano alemão de desmembramento da Jugoslávia - ??...), aliás de forma incorrectíssima, foram todos eles tratados exaustivamente nos meios de comunicação de maior difusão. Se um certo “consenso” mediático se estabeleceu sobre serem os sérvios os maus da fita, isto deveu-se à dinâmica particular desta guerra (em que os sérvios estiverem de facto quase sempre na ofensiva, como aliás lhes competia visto serem eles a parte descontente com as fronteiras traçadas) conjugada com as regras próprias da indústria do espectáculo “informativo”. Não houve aqui qualquer condicionamento ou preconceito generalizado de natureza política, ideológica ou “civilizacional”. Foi depois este produto mediático assim fabricado que influenciou as decisões político-militares dos imperialistas e não o inverso. Na véspera do ínicio da(s) guerra(s), as análises oficiosas dos círculos governantes imperialistas tendiam aliás, baseadas em considerações de “real politik”, para o suporte de facto a um certo hegemonismo sérvio, único pilar julgado então capaz de suster ainda a federação. Foi depois, com o progressivo bombardeamento mediático a que o conflito deu aso, que esta atitude se foi alterando lentamente, chegando até ao apoio activo à Croácia e ao intervencionismo pró-bósnio. Tudo a pedido de uma maioria dos telespectadores. Aliás, M.R. (com a única particularidade de ter resolvido tomar o partido dos “mauzões” - o que é afinal apenas a outra forma de participar no mesmo jogo) parece-me singularmente influenciado por todo este ritual circense de agitação e orquestração de paixões colectivas.

(3) Repare-se que eu não disse “agressão sérvia à Bósnia” - sei bem como M.R. é irritável nestes pontos. Quanto à “Grande Sérvia” não é nenhum “argumento cretino”, é um projecto com uma realidade muito objectiva e detalhada - no Memorando da Academia Sérvia de Ciências de 1986 - que Milosevic prosseguiu à risca, até onde lhe foi possível naturalmente.

(4) Os dados factuais citados neste artigo são quase todos recolhidos de Catherine Samary, ‘Yugoslavia Dismembered’, Monthly Review Press, 1995.

(5) No momento em que escrevo, ultimam-se preparativos para uma intervenção armada multi-nacional no Leste do Zaire para aí abrir “corredores humanitários”. A coerência exige que M.R. apronte rapidamente uma nova teoria conspirativa local para nos livrar de mais este embaraço político. Para trás estão já a Somália e o Haiti, a necessitar de explicações similares. Ou M.R. pensará que os pretos (porventura mais “bárbaros” do que os eslavos) são, eles sim, perfeitamente capazes de se matarem uns aos outros sem serem empurrados para isso? O paternalismo (e o êxito propagandístico) imperialista parecem não o preocupar tanto aqui. Pelo menos, não lhe espicaçam tão prontamente a imaginação.

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