PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS
Sector Intelectual do Porto
Avenida da Boavista
PORTO

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Porto, 1 de Fevereiro de 1988

Caros Camaradas:

Em resposta à V/ carta-circular de Dezembro, ou motivado proximamente por ela, sou a comunicar-vos que não mais desejo permanecer membro do Partido Comunista Português.

Esta é uma decisão do foro pessoal, que se foi acumulando na minha consciência a pouco e pouco ou, porventura, se foi antes adiando indefinidamente por não ter pretexto imediato que a justificasse.

Não estou “arrependido” nem faço parte de qualquer dissidência.

Não vou pois maçar os camaradas com grandes arrazoados teóricos. O que se passa é que perdi a certeza. Ou, talvez melhor, deixei de considerar a solidariedade como aquele valor fundamental que justificasse e me justificasse num empenhamento pessoal tão exigente. Com toda a clareza: não desejo mais que uma opção de classe me cerceie na minha paixão de sopesar a vida no seu fluir absolutamente livre e originário. Sem peias e, sobretudo, sem moral nenhuma.

Não é que me iluda com a “independência”. Claro que tomo opções e, no que à política diz respeito - campo este de que me tenho afastado muito - continuo a acreditar na emancipação global do homem e do trabalhador, por um alargamento da sua consciência que lhe permita tomar em mãos e protagonizar efectivamente o seu destino.

Sinto, porém, que não posso mais assegurar um compromisso de miltância política com um mínimo de seriedade, encerrado num molde normativo que, muito compreensivelmente, tem a sua rigidez e monolitismo. Não o posso fazer (e, por isso, não o devo fazer) sentindo, como sinto, este desejo imperioso, brutal e egoísta de ver tudo de novo e de reavaliar constantemente as coisas.

(...)

Dentro dos V/ esquemas normais de trabalho com pessoas próximas e de certa confiança (assim espero), podem contar sempre comigo. (...)

Com as mais cordiais saudações.

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