Althusser: perigo de vida


1.
Louis Althusser nasceu em 1918 em Birmandreis, na Arg�lia, tendo falecido em Outubro de 1990 no instituto psiqui�trico de La Verri�re, cidade da regi�o parisiense. Escreveu diversos livros, que lhe granjearam notoriedade e admira��o em todo o mundo. Militou desde os anos 40 no Partido Comunista Franc�s, onde conheceu horas de entusiasmo mas sobretudo de solid�o, amargura e desespero. Em Novembro de 1980, num acesso de loucura (era man�aco-depressivo, com crises de melancolia aguda), estrangulou sua esposa H�l�ne Rhytmann, com quem partilhava um apartamento na �cole Normale, � rua de Ulm em Paris, onde exercia actividade docente h� mais de trinta anos. Ficou conhecido como um fil�sofo e te�rico marxista intelectualmente arrojado e elegante, com uma ponta de rigidez provocadora e ferina no seu staccato argumentativo. N�o menos real para mim � a sua imagem de poeta e m�stico heresiarca. Activista cat�lico na sua juventude (�La bonne nouvelle est-elle annonc� aux hommes d�aujourd�hui?�), Althusser era um ser fr�gil, perseguido por uma exig�ncia absoluta de utopia, serenidade e beleza. A grande paz. A alegria partilhada. Enquanto observo algumas fotografias suas, move-me ainda compulsivamente um profundo temor por esses luz e mist�rio para sempre encerados nesta vida. Pelas sendas de um pensamento tr�gico e dilacerado, procurou ele incansavelmente (por vezes com ferocidade, quantas vezes cedendo � vertigem do �dio e horror de si pr�prio) uma via de salva��o para o homem concreto seu pr�ximo, mergulhando por fim no desespero de um sofrimento atroz, prolongado, final e desamparado. Era dos melhores de n�s. Um irm�o? N�o sendo eu, em nenhum sentido, um homem religioso, n�o saberei possivelmente nunca valorizar esta perturbadora impress�o, a qual todavia, pela sua intensidade, n�o poderia deixar de ser a promeira aqui expressa.

2.
Dos desafios que o pensamento de Althusser enfrentou, e foram muitos e temer�rios (aludiremos a alguns outros num breve excurso, necessariamente vertiginoso), nenhum excedeu certamente, em ambi��o e magnitude, o do c�lebre �corte epistemol�gico� alegadamente operado por Marx, a abertura de uma nova disciplina para o conhecimento humano: o continente Hist�ria. O que se seguir� neste texto s�o as impress�es de um leitor comum, embora atento, desprovidas de qualquer pretens�o de rigor t�cnico, a qual s� uma forma��o espec�fica permitiria naturalmente acalentar.

Ter�o havido tr�s grandes eventos na hist�ria do saber, tr�s momentos fundadores de novas ci�ncias ou complexos cient�ficos: a descoberta da matem�tica pelos gregos, que propiciou a irrup��o da especula��o ontol�gica dos pr�-socr�ticos; a f�sica galileana, � qual ficou historicamente associada a filosofia cartesiana e os seus continuadores; enfim, o materialismo hist�rico de Marx, para o qual Althusser batalhou toda a vida para achar uma filosofia que o servisse, seja procurando-a nos pr�prios textos dos fundadores do marxismo (sobre os quais n�o hesitou em praticar a viol�ncia de uma controversa �leitura sintomal�, inspirado em Spinoza e na escola epistemol�gica francesa, sobre o ruido de fundo das modas estruturalistas), seja, por fim, pedindo o concurso de toda uma tradi��o filos�fica materialista expressamente convocada para o efeito.

Uma nova ci�ncia, por�m, n�o surge do nada, por passe de m�gica ou golpe de g�nio. Ela apoia-se e trabalha sobre um conjunto de saberes emp�ricos, representa��es comuns, regras intuitivas pr�-existentes, de natureza ideol�gica. Uma vez operado o �corte�, e firmemente estabelecida a nova problem�tica te�rica, a ci�ncia emergente ter� ainda de lutar (durante d�cadas, sen�o s�culos) pelo seu reconhecimento, batendo-se contra o influxo de concep��es pr�-cient�ficas que lhe disputam o seu espa�o pr�prio. Munida agora, por�m, de uma aparelhagem conceptual b�sica coerente, ela pode prosseguir o seu trabalho de produ��o de conhecimentos novos, o qual, na concep��o de Althusser, � an�logo ao de qualquer outro processo produtivo. Simplesmente, e seguindo de perto a li��o de Marx (contra o empirismo e a �teoria do conhecimento�), esta produ��o �processa-se toda no pensamento�. Note-se, por�m, que este �pensamento� n�o � uma entidade abstracta, com o que se cairia na fic��o epistemol�gica do sujeito transcendental puro, mas sim e sempre �um sistema real pr�prio, fundado e articulado sobre o mundo real de uma sociedade hist�rica dada, que mant�m rela��es determinadas com a natureza, um sistema espec�fico definido pelas condi��es da sua exist�ncia e da sua pr�tica�. De facto, Althusser vai ao ponto de cunhar os conceitos de �modo de produ��o de conhecimento� e de �aparelho de pensamento�, aqui com alus�o ao �aparelho ps�quico� freudiano, do qual ret�m uma fundamental propriedade estrutural: �o facto de que o pensamento n�o � nunca �contempor�neo� a ele pr�prio, transparente �s suas pr�prias determina��es� (1). H� assim uma mat�ria-prima b�sica, os tais saberes vulgares n�o-cr�ticos, sobre os quais vai ser exercido um trabalho te�rico com base na aparelhagem conceptual da ci�ncia, que funciona aqui com instrumento de produ��o, findo o qual os primeiros se ver�o transformados em conhecimentos cient�ficos novos. Althusser reproduz assim o esquema spinozista das tr�s generalidades (Generalidades I, a mat�ria-prima ideol�gica; Generalidades II, a teoria; Generalidades III, o conhecimento novo produzido), como partes integrantes de um processo a que ele teve o desplante de chamar �pr�tica te�rica�, para enorme esc�ndalo dos sacerdotes do dia-mat, pregados � margem a bradar �idealismo!� (Adam Schaff p�s a quest�o em termos deontol�gicos, falando de �irresponsabilidade te�rica�).

Houve pior. Sempre apoiado em Spinoza (verum index sui et falsi), e agora tamb�m, com assinal�vel desplante, em Lenine (�a teoria marxista � todo-poderosa porque � verdadeira�), Althusser teve a suprema ousadia de propor que, uma vez fundada uma ci�ncia, esta n�o carece de ver as suas conclus�es confirmada pela pr�tica (a material agora). Afastou resolutamente toda a quest�o da valida��o dos conhecimentos cient�ficos, como sendo um preconceito decorrente da ideologia juridicista da epistemologia burguesa. Um conhecimento � verdadeiro, no sentido em que � um justo conhecimento do seu objecto, desde que respeite integralmente as regras do processo das tr�s generalidades, independentemente de qualquer �prova� material, confronta��o posterior com os �factos�, valida��o por �peritagens� independentes. No caso do materialismo hist�rico, que � uma ci�ncia totalmente imersa na luta de classes, ela pr�pria um instrumento maior dessa luta, como se acharia ali�s essa valida��o objectiva? A parada � agora naturalmente muito alta. Althusser manteve esta proposi��o at� ao fim, atrav�s mesmo de todas as autocr�ticas �s suas tend�ncias �teoricistas� (2). Por isso faz sentido a constata��o amarga de Balibar de que �o verdadeiro pode perecer�.

� que o materialismo hist�rico de Marx n�o constitui uma ci�ncia como as outras. A ci�ncia dos modos de produ��o e das forma��es sociais � tamb�m, e indissoluvelmente, a ci�ncia da liberta��o do proletariado e da classe trabalhadora, tendo por horizonte o comunismo. � uma ci�ncia de partido, de trincheira, avan�ando e recuando conforme os acidentes da pr�xis social, a desloca��o no terreno das balizas da luta de classes. Na pr�pria teoria, �posi��es� ser�o assim conquistadas ou abandonadas ao advers�rio. No limite, o pr�prio n�cleo central da ci�ncia pode ser tomado pelas concep��es ideol�gicas burguesas que se v�m desde sempre insidiosamente infiltrando no campo do marxismo (o �humanismo�, o �economicismo�, o �historicismo�), fazendo-o recuar para l� da fronteira do �corte�, transformado numa mera �concep��o do mundo�, sen�o em auxiliar operat�rio ocasional das �ci�ncias humanas�.

Porventura nenhum problema ter� torturado mais o esp�rito e as capacidades cr�ticas de Althusser do que esta quest�o da ideologia. Houve aqui hesita��es, tentativas ecl�cticas (incluindo p�ginas verdadeiramente alucinadas, de uma beleza �mpar), emendar de caminho na sequ�ncia de Maio de 68 e da fort�ssima cr�tica do seu disc�pulo Jacques Ranci�re (3). Houve por�m uma defini��o central que n�o vacilou. Ideologia: rela��o imagin�ria que os homens mant�m com as suas condi��es reais de exist�ncia. Algo do dom�nio do �vivido�, solidificando as rela��es sociais dadas, tornando-as suport�veis para os seus diversos actores. Todas as sociedades (n�o apenas as de classes) segregam necessariamente este l�quido amni�tico em que subsistem e que - conservando os indiv�duos prisioneiros de uma ilus�o vital - contribui decisivamente para a reprodu��o da sua for�a de trabalho e das rela��es de produ��o que lhes s�o pr�prias. No plano institucional, a difus�o da ideologia da classe dominante � assegurada pelos Aparelhos Ideol�gicos de Estado (religiosos, escolar, familiar, jur�dico, pol�tico, sindical, de informa��o, entretenimento, etc.), entidades disseminadas por todo o tecido social, que veiculam a mensagem da ordem estabelecida, funcionando prevalentemente pela persuas�o, embora tamb�m acessoriamente pela coer��o (4). H� pois um �campo ideol�gico�, agregando ali�s dois tipos distintos de ideologia: as ideologias pr�ticas (religiosas, morais, est�ticas, regras de prud�ncia, cortesia, etc.), de fun��o imediatamente �til do ponto de vista da orienta��o da conduta dos seus sujeitos; as ideologias te�ricas (a filosofia especulativa e as �ci�ncias2 ditas humanas: direito, economia, sociologia, etc.), estas j� com pretens�o cognitiva e que, de facto, podem servir de mat�ria-prima para o processo de conhecimento ou mesmo dar origem a ci�ncias novas, por interven��o de um corte epistemol�gico (5).

E aqui come�am as dificuldades do lado da pr�tica. Se toda a pr�tica (trabalho, pol�tica ou ci�ncia - n�o h� aqui diferen�a de plano, todas se desenvolvendo segundo o mesmo modelo do �modo de produ��o�) est� ancorada nas suas condi��es hist�ricas concretas dadas, como subtrair a produ��o cient�fica � influ�ncia da ideologia que, no entanto, presumivelmente teria sido j� relegada para uma regi�o anterior ao corte? E a pol�tica? Quem det�m os meios de produ��o (te�ricos) das transforma��es sociais? O comit� central do partido? Com todos os seus seguidores e advers�rios por igual mergulhados no p�ntano da ideologia? Muito bem, mas como p�de o c.c. assim i�ar-se a si pr�prio para fora da ideologia? S�o estas dificuldades que Althusser vai procurar resolver na autocr�tica de 1972, em que recha�a qualquer �interpreta��o racionalista do �corte�, opondo a verdade ao erro, sob as esp�cies da oposi��o especulativa de �a� ci�ncia e �a� ideologia em geral, de que o antagonismo do marxismo e da ideologia burguesa se tornava um caso particular� (6). Mas se o pol�tico (ou, mutatis mutandis, o cientista), mesmo o marxista, est� afinal ainda e sempre na ideologia, seja ela embora �prolet�ria�, ent�o n�o poder� transformar as condi��es reais de exist�ncia dos homens concretos sen�o munido de uma imagem ilus�ria que ele se faz delas mesmas, e certamente tamb�m das condi��es da sua supera��o. N�o h� sa�da, nem talvez deva haver. Ilus�o contra ilus�o, triunfar� a mais forte.

E a filosofia nisto tudo? Tamb�m aqui houve um realinhamento te�rico. De �teoria da pr�tica te�rica� passou a ser definida como, finalmente, �luta de classes na teoria� (7). A primeira defini��o estaria ainda prisioneira do entono inicial racionalista/positivista, fazendo lembrar irresistivelmente o projecto de uma �ci�ncia das ci�ncias�. A nova defini��o enfatiza o primado das pr�ticas de transforma��o material sobre as meramente te�ricas, e nestas, da ci�ncia sobre a filosofia. Isto porque afinal a filosofia �, afinal, uma linguagem de segunda ordem, um discurso sobre outros discursos (ideol�gicos ou cient�ficos), estes sim em contacto directo com o real. A sua tarefa �, atrav�s do enunciado de teses ou proposi��es dogm�ticas (porque indemonstr�veis), a de tra�ar linhas de demarca��o entre os outros discursos, e entre estes e si pr�pria, de modo a abrir caminhos justos para a resolu��o dos seus problemas e dos problemas relacionados com as pr�ticas pol�ticas e cient�ficas a eles ligadas. As teses filos�ficas n�o s�o verdadeiras ou falsas. N�o admitem prova nem demonstra��o mas apenas a argui��o racional da sua justeza (adequa��o, utilidade para as pr�ticas sociais). As teses ligam-se entre si para formar um sistema. A filosofia n�o deve procurar responder � quest�o da �origem� ou dos �fins �ltimos�, porque justamente essas s�o quest�es ideol�gicas (pr�prias das ideologias pr�ticas morais e religiosas) de que ela se deve demarcar (8).

Apesar de ser uma disciplina sem objecto e inteiramente dependente dos discursos de primeiro grau, a filosofia tem assumido uma posi��o de arrog�ncia totalit�ria e de explora��o descarada das ci�ncias. � tarefa do fil�sofo materialista o tra�ado de uma rigorosa linha de demarca��o entre a filosofia e as ci�ncias, impedindo que aquela se aproprie dos resultados destas para fins ideol�gico-pr�ticos, e isolando ainda � nascen�a as infiltra��es idealistas no discurso filos�fico �espont�neo� dos cientistas (que emerge regularmente sempre que estes enfrentam uma crise de crescimento da sua disciplina). Sobre estas quest�es da Filosofia Espont�nea dos Cientistas (FEC), que n�o � afinal mais do que a ing�nua repescagem de velh�ssimos temas da filosofia especulativa, Althusser travou um c�lebre di�logo com o bi�logo molecular Jacques Monod. Hoje dialogaria certamente com os expoentes da cosmologia e da f�sica - na era das G.U.T.�s (grand unification theories) - por entre os quais grassa com furor a especula��o metaf�sica mais debragada, inclusiv� com afloramentos de teologia. H� ali�s presentemente, num vasto conjunto de ci�ncias - p. ex., termodin�mica, cibern�tica, neurofisiologia, biologia, gen�tica, teoria da evolu��o, etc. - investigadores que concebem e divulgam com regularidade sistemas filos�ficos e verdadeiras �concep��es do mundo�: irreversibilidade, teoria das cat�strofes, caos, fractais, princ�pio antr�pico, etc.. Muitos destes �modelos�, na maior promiscuidade, partem depois � conquista de outras ci�ncias e insinuam-se no debate pol�tico, acabando por ser servidas de contrabando �s massas como mercadoria ideol�gica (9).

O problema que Lenine pressentia em �Materialismo e Empiriocriticismo� (1908, pol�mica com os seguidores de Mach) n�o tem feito sen�o agravar-se em extens�o e profundidade. O que rep�e afinal um problema que Althusser sempre se recusou a encarar (ele come�ara justamente, no seio do P.C.F., por entrar em pol�mica contra a palavra de ordem estalinista da �ci�ncia prolet�ria�): h� uma luta de classes na ci�ncia. N�o nas suas excresc�ncias ideol�gicas, n�o na sua explora��o abusiva pela filosofia - no pr�prio �mago da pr�tica cient�fica, por mais �materialista� que esta se queira afigurar. Aqui, o corte epistemol�gico (com o seu inconfund�vel lastro positivista, via Bachelard) s� vem atrapalhar e confundir. Existe uma generalizada explos�o dos compartimentos cient�ficos tradicionais. O sincretismo, a deriva especulativa e o tr�fico entre ci�ncia e ideologia tornaram-se demasiado intensos e comuns. � necess�rio um trabalho de cr�tica (metodol�gica e pr�tica) e de tomada de posi��es no seio da pr�pria �comunidade� cient�fica. N�o � mais conceb�vel abandonar confiadamente este campo ao advers�rio e ficar � porta, em inquisit�ria postura filos�fica, aguardando que o honesto labor dos cientistas se prossiga segundo irrepreens�veis c�nones te�ricos estabelecidos.

No prosseguimento da sua voca��o e apet�ncia pelo �todo�, a filosofia tem desempenhado tamb�m um papel fundamental ao servi�o da classe dominante: a articula��o das suas diversas ideologias pr�ticas e filosofemas avulsos num sistema coerente, apto a consolidar duravelmente a hegemonia ideol�gica dessa mesma classe. Estamos aqui pois em pleno terreno da �luta de classes na teoria�: o esfor�o pela ocupa��o efectiva do terreno te�rico, por forjar instrumentos para a unifica��o ideol�gica sob a bandeira da verdade. Aqui o fil�sofo marxista deve responder com a sua pr�pria pr�tica filos�fica nova, batendo-se por posi��es te�ricas no terreno, mas n�o assumindo ele pr�prio uma atitude exploradora perante as ci�ncias, nem erigindo uma filosofia pr�pria como sistema unificador das ideologias (das classes exploradas). Ao intentar faz�-lo (a exemplo da ontologia materialista de Engels-Estaline), estar� j� certamente a forjar o instrumento de domina��o ideol�gica de uma nova classe e um obst�culo dogm�tico ao prosseguimento da pr�tica pol�tica revolucion�ria (ou cient�fica: caso Lyssenko, etc.). Assim como o objectivo estrat�gico da pr�tica pol�tica da classe oper�ria � o derrube do Estado burgu�s para erigir no seu lugar um n�o-Estado votado ao desaparecimento (que dar� lugar � livre associa��o dos trabalhadores), assim a tarefa fundamental da sua pr�tica filos�fica � o ataque aos fundamentos e o derrube efectivo do edif�cio da filosofia burguesa, n�o para erguer um novo sistema no seu lugar, mas para dar ensejo � irrup��o de sempre novas e livres pr�ticas filos�ficas (10).

Ligada � quest�o do �corte epistemol�gico�, e ao combate permanente que a ci�ncia marxista deve mover �s concep��es ideol�gicas advers�rias (apoiada afinal, como vimos, nas suas pr�prias), est� a mais ruidosa pol�mica em que Althusser se viu envolvido: a quest�o do anti-humanismo te�rico de Marx (afinal, apenas um caso particular daquele �tra�ar uma linha de demarca��o� pr�prio da pr�tica filos�fica). O problema surgiu com a palavra de ordem krutcheviana do �humanismo socialista�. Althusser fez quest�o em sublinhar o desequil�brio interno desta express�o te�rica: o socialismo � um conceito cient�fico, enquanto o humanismo � um conceito ideol�gico oriundo das filosofias burguesas iluministas (sobrevivente no jovem Marx at� aos manuscritos de 1844, ainda presos � problem�tica antropol�gica de Feuerbach). N�o que n�o possa haver um humanismo prolet�rio (concreto, real, de classe, ou o que se queira), mas ser� sempre um conceito e um instrumento de luta ideol�gicos, que importa sobremaneira n�o deixar usurpar qualquer fun��o cient�fica no discurso do campo marxista. Os objectivos t�cticos da classe oper�ria podem ser prosseguidos por meios ideol�gicos, mas para a defini��o estrat�gica dos termos de luta � necess�rio todo o rigor da teoria, e esta n�o pode ser enfraquecida por infiltra��es esp�rias, capazes de minar a solidez de todo o edif�cio (11).

3.
Quest�o entre todas central no marxismo, que aqui veremos necessariamente colocada, � a da dial�ctica. S�o conhecidas as express�es de Marx relativas � sua d�vida para com a l�gica hegeliana: �A dial�ctica em Hegel est� de cabe�a para baixo. A fim de descobrir, envolto na ganga m�stica, o seu n�cleo racional, � preciso invert�-la� (pref�cio � segunda edi��o de �O Capital�). Althusser batalhou denodadamente (sem textos convincentes em seu apoio, como acabou por reconhecer) contra a interpreta��o corrente desta invers�o. A seu ver, esta express�o � apenas aproximativa, levantamento de um problema, apelo a uma transforma��o necess�ria a operar na dial�ctica hegeliana para a adaptar ao materialismo (Marx chegou a prometer �vinte p�ginas� sobre a dial�ctica, mas jamais as escreveria). Por outro lado, o objecto desta invers�o/transforma��o �, n�o o sistema idealista (a "ganga m�stica"), mas sim o seu pr�prio n�cleo racional. Os conceitos fundamentais da estrutura da dial�ctica hegeliana (tese, nega��o, nega��o da nega��o, identidade dos contr�rios, supera��o, contradi��o, transforma��o da quantidade em qualidade, etc.) n�o podem ser retomados tais quais (ou de todo) pelo marxismo, pois estar�o irremediavelmente presos � problem�tica especulativa e idealista em que foram forjados. N�o basta, pois, como sugeria o economicismo vulgar, inverter o sistema hegeliano, colocando a economia (for�as produtivas + rela��es de produ��o) no lugar da Ideia absoluta, mantendo-se inalterado o eixo do sistema. Todo um trabalho (s� esbo�ado por Althusser) de reelabora��o conceptual se mostra necess�rio, envolvendo as pe�as fundamentais do mecanismo da dial�ctica. O alcance te�rico e pol�tico desta sua tomada de posi��o � vast�ssimo, talvez incomensur�vel.

Na filosofia da Hist�ria de Hegel, podemos captar a ess�ncia de uma �poca manifestando-se por igual, na forma alienada, em todas as inst�ncias sociais (economia, institui��es pol�ticas, moral, arte, filosofia, religi�o, etc.). As sucessivas etapas ou momentos de objectiva��o da Ideia obedecem, cada uma delas, a um �nico princ�pio director (personalidade jur�dica nos romanos, subjectividade crist�, etc.). Esse mesmo princ�pio � afinal t�o s� a forma mais abstracta da consci�ncia de si desse mundo, reflectindo-se por igual e ao mesmo n�vel em todos os dom�nios da vida social. Cada elemento do todo � presente a si pr�prio e aos restantes na comunh�o do mesmo princ�pio. Sincronicamente, seria assim sempre poss�vel operar numa dada sociedade um �corte de ess�ncia� (12). A contradi��o � a� sempre simples (princ�pio contra princ�pio, A vs. n�o-A). Eis como a ganga m�stica penetra e determina afinal a configura��o do pr�prio n�cleo racional.

Tudo se passa diferentemente na dial�ctica (caso se entenda conservar o termo), uma vez transposta para e sujeita ao primado do materialismo. A contradi��o a� � m�ltipla, desigual e sobredeterminada. As diversas inst�ncias da vida social desenvolvem os seus pr�prios processos contradit�rios aut�nomos. Entre elas vigora uma determina��o em �ltima inst�ncia pelo econ�mico. Marx usou aqui, na an�lise das forma��es sociais, o conhecido t�pico do edif�cio: a infrastrutura (econ�mica) e as superestruturas (jur�dico-pol�tica e ideol�gica). A primeira � a dominante no conjunto, mas as segundas n�o s�o meros epifen�menos seus. Disp�em de autonomia relativa e de uma ac��o influenciadora de retorno sobre a base. Frequentemente, a contradi��o principal ver-se-� mesmo suplantada por uma contradi��o ou grupo condensado de contradi��es secund�rias, passando uma destas a mostrar-se temporariamente dominante (no Maio de 68 foi fundamental a luta ideol�gica; a revolu��o de Outubro triunfou apesar do atraso das for�as de produ��o na R�ssia (13), etc.). Reflectindo a distin��o entre a contradi��o principal e as secund�rias existem, no seio mesmo de cada contradi��o particular, um aspecto principal e aspectos secund�rios da contradi��o (cujos pap�is podem tamb�m ser permutados conjunturalmente). As contradi��es podem ser (tornar-se) antag�nicas ou n�o antag�nicas, podendo a agudiza��o do seu antagonismo atingir eventualmente um car�cter explosivo. Cada contradi��o particular (principal ou secund�ria) reflecte em si e nas suas caracter�sticas (antagonismo ou n�o, aspecto principal, etc.) a sobredetermina��o pelo conjunto estruturado no todo. A sobredetermina��o pelo todo do desenvolvimento desigual das diversas contradi��es provoca fen�menos de deslocamento e condensa��o da domin�ncia estrutural, do �ponto nodal estrat�gico� ou elo decisivo num dado momento conjuntural. Uma muta��o da contradi��o principal d� in�cio a um �est�dio� ou ��poca� novos. Se o aspecto dominante da contradi��o principal numa dada �poca atinge um grau explosivo, ent�o �a revolu��o est� na ordem do dia� (Lenine) e p�e-se a quest�o de uma transforma��o radical na pr�pria estrutura articulada do todo (14).

O que � mais decisivo: n�o h� aqui qualquer unidade origin�ria, mas sempre e j� o dado de um todo complexo estruturado com dominante. S� a partir daquele, por abstrac��o, com utilidade apenas para efeitos de exposi��o, � que se pode falar de uma contradi��o simples (ex: burguesia/proletariado, for�as produtivas/rela��es de produ��o, etc.). V�-se bem como esta polifonia dial�ctica assim�trica nos pode levar, te�rica e politicamente, para bem longe da estreiteza do pretenso monismo materialista (Plekhanov) e dos seus derivados: o mecanicismo, o evolucionismo, o economicismo. De facto, Althusser chegou a ser acusado de �pluralista�, o que ele prontamente refutou: al�m de rejeitar a problem�tica ideol�gica das subst�ncias que subjaz ao pluralismo, n�o deixou ele nunca de afirmar uma totalidade, por�m complexa e estruturada com dominante.

� uma boa filosofia. Marx � aqui trabalhado num sentido que nos pode ser indiscutivelmente �til e politicamente operativo, em sociedades que enfrentam uma complexifica��o crescente. Quest�es e desafios eminentemente contempor�neos como as identidades �tnicas e nacionais, a opress�o racial, choques culturais, g�nero, fam�lia e diferen�a sexual, estrat�gias de informa��o, rela��es centro-periferia (ou local-regional-global), etc., etc.. Quest�es destas podem agora ser produtivamente assimiladas dentro de um quadro anal�tico que admite contradi��es m�ltiplas desiguais sobredeterminadas. N�o h� aqui eclectismo, pois para isso mesmo l� est� a determina��o em �ltima inst�ncia (tendencialmente pelo econ�mico, ou seja, pelo n� g�rdio for�as produtivas-rela��es de produ��o), sem a qual nenhuma estrat�gia de ac��o pol�tica seria pens�vel.

� em especial urgente, neste enquadramento, um trabalho te�rico aprofundado sobre o sistema (de domin�ncia) capitalista mundial: identifica��o das contradi��es motoras e secund�rias em cada um dos seus n�veis (metr�poles imperialistas, periferias industrializadas, ultra-periferia); como se articulam ou podem articular, desigualmente, entre si; em que sentido se exerce em cada uma delas a sobredetermina��o pelo todo; quais as solidariedades poss�veis (a trabalhar politicamente) entre classes, estratos sociais e grupos de interesses organizados em cada um e entre os diversos n�veis. Talvez nunca como hoje a urg�ncia inadi�vel da ac��o se tenha visto confrontada com um tamanho d�fice te�rico.

Althusser viria por�m, para o final da sua vida (j� ap�s a morte de H�l�ne e o internamento psiqui�trico definitivo), a renegar todo este seu trabalho de busca de uma filosofia em Marx. Com base em elementos novos, convenceu-se que o fundador do materialismo hist�rico jamais se autonomizou verdadeiramente da dial�ctica hegeliana. N�o haveria realmente qualquer filosofia marxista �em estado pr�tico� a extrair de �O Capital�, restando apenas a busca, em toda a hist�ria da filosofia, dos elementos necess�rios � constitui��o de uma filosofia para o marxismo. Em paralelo, sabe-se que Althusser foi evoluindo para formas cada vez mais anti-autorit�rias de pensamento pol�tico, o que o levava a encarar com desconfian�a qualquer tentativa sistem�tica em filosofia. Trabalhou sobre uma �verdadeira tradi��o materialista� (Spinoza, Maquiavel, Hobbes, Rousseau). H� ainda pesquisas sobre um �materialismo aleat�reo� em Epicuro e Dem�crito: �trata-se de um materialismo do encontro, da conting�ncia, em suma, do aleat�rio, que se op�e inclusive aos materialismos j� recenseados, incluindo o comumente atribu�do a Marx, Engels e Lenine, que, como todo o materialismo da tradi��o racionalista, � um materialismo da necessidade e da teleologia, isto �, uma forma disfar�ada de idealismo� (15). Nada estar� ainda encerrado sobre esta obra, a qual n�o poder� assim amputar-se sem mais, com base num veredicto judicial de inimputabilidade. Pressente-se aqui a emerg�ncia de uma paix�o nova pelo tumultuar ridente e desordenado da vida: uma vida orgulhosa e livre, temerariamente suspensa sobre o nada, recusando com galhardia os confortos equ�vicos do sentido e da finalidade (16).

4.
Uma palavra agora sobre o que se convencionou chamar a escola althusseriana. Em primeiro lugar, ela existiu mesmo e n�o foi uma pura inven��o dos seus detractores. Aquilo que estes consideravam ser apenas mais uma capela intelectual, era realmente um grupo de trabalho informal frequentado por alguns dos jovens mais brilhantes da �poca, animado pela incans�vel d�diva e sede de camaradagem de Althusser. Al�m de �tienne Balibar, seu companheiro mais pr�ximo e constante, estiveram ainda a ele ligados, mais ou menos intensamente (em �c�rculos conc�ntricos�), Roger Establet, Pierre Macherey, Jacques Ranci�re, Michel P�cheux, Michel Fichant, Fran�ois Regnault, Alain Badiou, Robert Linhart, Yves Douroux, Nicos Poulantzas, Jacques-Alain Miller, R�gis Debray, Dominique Lecourt, Saul Karsz, Bernard-Henri Levy. As investiga��es em marcha iam da literatura �s matem�ticas. Houve um semin�rio sobre �O Capital� (1964-65), de que resultaria Lire le Capital; o curso de filosofia para cientistas (1967-68), o c�rculo de epistemologia, os Cahiers pour l�Analyse. Por ocasi�o do Maio de 68, destacou-se mesmo uma esp�cie de �esquerda althusseriana� que, em ruptura com a U.E.C., fundou a U.J.C. m-l e os Cahiers marxistes-leninistes. O P.C.F. mandou ent�o vigiar as aulas do �doux maitre � la science pure et dure�, alarmado com a sua deriva maoizante. Jacques Lacan (cujo �retorno a Freud� foi aproximado, em paralelo, do trabalho regenerador efectuado pelos althusserianos sobre o texto de Marx) teve o seu semin�rio na �cole Normale, a convite de Althusser. Foucault e Derrida (alunos de Althusser, como ali�s Pierre Bourdieu, Michel Serres, Jacques Bouveresse, Andr� Comte-Sponville...) estavam pr�ximos. Deleuze foi seduzido. Dum�zil, Barthes, Braudel, Cangilhem e Cavaill�s foram invocados. Spinoza partilhava-se cumplicemente. Havia um certo perfume nietzsheano no ar (17). E, � claro, tamb�m o famigerado �cachorro do estruturalismo� se passeava ent�o livremente pelos corredores e caf�s da rive gauche.

Com origem na rua d�Ulm, partiria ent�o a �ltima e porventura mais extensa vaga de �marxismo ocidental�, com uma fort�ssima influ�ncia (que perdura) nos meios radicais anglo-sax�nicos, numerosos disc�pulos e seguidores em It�lia, na Alemanha, em Espanha e na Am�rica Latina. O conhecido manual �Conceitos Elementares do Materialismo Hist�rico�, da chilena Marta Harneker (prefaciado por Althusser, seu antigo professor) vendeu uns dez milh�es de exemplares em todo o mundo. Investigadores marxistas dos mais destacados, nos dom�nios hist�rico, filos�fico e da teoria das ci�ncias, como Perry Anderson, Gregory Elliot, Charles Bettelheim, Alex Callinicos, Peter Sch�tter, Norman Geras, Ted Benton, Roy Bashkar, intentam explicitamente a prossecu��o de vias abertas pelo projecto althusseriano. A sua influ�ncia, mais difusa, nas modernas correntes do marxismo anal�tico e novo marxismo estruturalista � dificilmente subestim�vel.

No auge da sua influ�ncia te�rica, porventura numa das suas fases de excita��o hipo-man�aca, que se seguiam invariavelmente �s numerosas depress�es, Althusser teria mesmo chegado a confiar aos seus pr�ximos: �Estamos em vias de nos tornarmos hegem�nicos�. Palavras �terr�veis�, que amargaria fortemente em seguida. Sobre despojos e ru�nas, a noite maligna do anjo. �ltimas l�grimas choradas sobre as m�os de H�l�ne, �as m�os de uma mulher muito velha, de uma pobreza sem esperan�a nem recurso e que todavia podiam dela dar tudo� (18). Althusser amou e destruiu. Teve grandes esperan�as e bebeu o c�lice da vida at� ao �ltimo travo da ang�stia, da lancinante dor, do crime e do remorso, da perseveran�a enfim de olhos secos. A paz seja com ele. Shanti, shanti, shanti.

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NOTAS:

(1) Louis Althusser, Lire le Capital, petite collection Maspero, tomo I, p. 48; �tienne Balibar, �crits pour Althusser, La D�couverte, p. 44. Desta �ltima obra h� uma edi��o parcial portuguesa, com tradu��o de Carlos Leite: �Por Althusser�, Black Sun, Lisboa 1994.

(2) � certo por�m que a temperou com concep��es novas: a afirma��o enf�tica do princ�pio do �primado da luta de classes na economia e na pol�tica sobre a luta de classes na teoria�; o materialismo hist�rico como produtor de �resultados te�ricos demonstrados, isto �, verific�veis pela pr�tica cient�fica e pol�tica, abertos sobre a sua rectifica��o regulamentada�. Cf. Louis Althusser, �Elementos de Autocr�tica�, Iniciativas Editoriais, �Advert�ncia� e p. 21. Resta todavia a recusa de um �juiz� externo da verdade ou justeza dos postulados do marxismo. O materialismo hist�rico valida-se, ainda e sempre, no interior do seu pr�prio processo de conhecimento, concebido agora como o processo continuado do pr�prio corte epistemol�gico, prosseguido na e pela uni�o ou �fus�o� da teoria marxista com o movimento oper�rio.

(3) Ler em portugu�s, revisto pelo autor, Jacques Ranci�re, �Sobre a teoria da ideologia�, Portucalense, Porto, 1971. Esta foi porventura a �nica vez em que Althusser reconheceu publicamente a justeza de uma cr�tica. E se ele foi atacado, e com que intensidade! Entre os seus mais consp�cuos desafiadores, cr�ticos e opositores: Roger Garaudy, Heri Lef�bvre, Lucien S�ve, John Lewis, E.P. Thompson, Jorge Semprun, Adam Schaff, Raymond Aron (�marxismo imagin�rio�), Eric Fromm, Cornelius Castoriadis, Andr� Glucksman, Lucien Goldman, Alain Touraine (�contre-reforme marxiste�), Pierre Vilar, Leszek Kolakowski, Guy Besse e o Comit� Central do P.C.F. reunido em Argenteuil em 1966.
Em Portugal, Jo�o Esteves da Silva, �Para uma teoria da Hist�ria�, 2 vols., Diabril, Lisboa, 1975, e, em diversas ocasi�es, Jos� Barata-Moura. Pode encontrar-se uma boa bibliografia em Gisela da Concei��o, �Ler Althusser, leitor de Marx�, Caminho, 1990. Trabalho interessante de divulga��o das ideias de Althusser � o artigo de Tito Cardoso e Cunha, �Ci�ncia e Hist�ria no marxismo de Louis Althusser�, repartido pelos n�s 386-7 e 388-9 da revista V�rtice, Coimbra 1976.

(4) Caracteriza��o inversa - predominantemente repressivo, acessoriamente persuasivo - cabe ao Aparelho Repressivo de Estado (fundamentalmente o ex�rcito e as pol�cias), que nas sociedades modernas, tamb�m ao inv�s dos Aparelhos Ideol�gicos de Estado, se encontra unificado sob monop�lio p�blico. Cf. �Ideologia e Aparelhos Ideol�gicos do Estado�, em Louis Althusser, �Posi��es�, Livros Horizonte, trad. de Jo�o Paisano, Lisboa 1977.

(5) Assim o materialismo hist�rico de Marx, fundado, ap�s um trabalho de cr�tica e a cria��o, com base neles, de todo um campo problem�tico inteiramente novo, com materiais provenientes de tr�s saberes ideol�gicos dados: o socialismo ut�pico franc�s, a economia pol�tica inglesa e a filosofia cl�ssica alem�.

(6) �Elementos de Autocr�tica�, ob. cit., p. 12.

(7) Althusser utiliza algures a met�fora militar da �correc��o de tiro�. Temperando a sua admiss�o de erro (n�o h� afinal erro em filosofia) ou desvio, ele fala de mudan�a conjuntural de posi��o filos�fica. Ap�s se ter dado combate a um inimigo (p. ex., o pragmatismo), pode revelar-se vantajoso reajustar a linha da frente, quer para dar combate a um inimigo novo, quer para consolidar a solidez do dispositivo te�rico segundo as novas necessidades do momento. O problema n�o deve ser encarado em termos (afinal racionalista) de erro/verdade mas de justeza ou n�o (conjuntural) das posi��es filos�ficas.

(8) Sobre estes problemas, Louis Althusser, �Filosofia e Filosofia Espont�nea dos Cientistas�, Presen�a, trad. de Elisa Amado Bacelar, pp. 13-32, teses 1 a 20.

(9) � hoje uma pr�tica corrente em certas grandes corpora��es de ind�strias tecnol�gicas de ponta, a exist�ncia nos seus departamentos de investiga��o de fil�sofos contratados para resolver problemas te�ricos surgidos nos laborat�rios no decurso das pesquisas. Nunca esperou Dietzgen (�os professores de filosofia s�o lacaios do capitalista�) ser tomado t�o ao p� da letra.

(10) Cf. Louis Althusser, �A Transforma��o da Filosofia�, Estampa, tradu��o de Jo�o Ara�jo, Lisboa 1981. Trata-se do texto de uma confer�ncia na Universidade de Granada em 26 de Mar�o de 1976, onde � clara uma aproxima��o (aproxima��o apenas, mas ainda assim expressa) ao pensamento anarquista, a qual haveria de prosseguir ali�s em 1978 na famosa s�rie de artigos de ajuste de contas com o P.C.F. publicados no jornal "Le Monde" (�Ce qui ne peut plus durer dans le parti communiste�). Nesse mesmo ano, perante audi�ncias em It�lia e Espanha, pronunciar�: �O socialismo � a merda� - � preciso atravessar essa merda rapidamente, em direc��o ao comunismo (i.�, a aus�ncia de rela��es mercantis), na barca da ditadura do proletariado, com a m�xima vigil�ncia revolucion�ria para n�o naufragar - cf. Louis Althusser, L�Avenir dure longtemps, IMEC/Stock, p. 217. H� uma tradu��o portuguesa, de Miguel Serras Pereira, deste lancinante ensaio auto-biogr�fico: �O Futuro � muito tempo�, Asa, Lisboa 1992.
Ainda no mesmo sentido, �Poder e oposi��o na sociedade p�s-revolucion�ria�, interven��o num col�quio em Veneza, 11-13 de Novembro de 1977, e a entrevista que se lhe seguiu com Rossana Rossanda, �Comunismo, Estado e sociedade de transi��o� (em portugu�s na revista �Abril�, n� 4, Maio de 1978). Nesta entrevista, Althusser defende o ponto de vista de que �o partido deve estar fora do Estado, n�o s� do Estado burgu�s mas, por maioria de raz�o, do Estado prolet�rio�, apud Ant�nio Pedro Pitta, �Althusser, filosofia e pol�tica�, Cadernos de Filosofia, n� 3-4, Fevereiro de 1991.

(11) Louis Althusser, Pour Marx, La D�couverte, p. 225 e ss. Em portugu�s, Althusser e outros, �A Pol�mica sobre o humanismo�, Presen�a, tradu��o de Carlos Braga, Lisboa s/d.

(12) Sobre este conceito (�coupe d�essence�) ver Lire le Capital, ob. cit., vol. I, pp. 116-117.

(13) Neste caso, por�m, em que intervieram como momentaneamente determinantes factores de conjuntura internacional (teoria do �elo mais fraco da cadeia imperialista�, desigualdade externa essa sobredeterminada pela desigualdade interna de desenvolvimento no seu todo estruturado com dominante, etc.), a recomposi��o da domin�ncia em torno da determina��o em �ltima inst�ncia pelo econ�mico ditaria logo de seguida o fracasso e pervertimento da revolu��o.

(14) Os conceitos de contradi��o principal/ contradi��es secund�rias, aspecto principal/aspectos secund�rios da contradi��o e contradi��es antagonistas e n�o-antagonistas foram tomadas de um ensaio de Mao Zedong de 1937, �Sobre a Contradi��o�, onde se retomam por sua vez reflex�es de Lenine do seu caderno sobre Hegel. O conceito de sobredetermina��o prov�m da pr�tica psicanal�tica. Sobre todo este par�grafo, leia-se Pour Marx, ob. cit., pp. 198-224.

(15) Louis Athusser, Filosofia y Marxismo, entrevista com Fernanda Navarro, Siglo Veintiuno Editores, M�xico, 1988, pp. 32-33. Mais adiante: �o mundo nada mais � do que casos, o que �nos acontece� (Wittgenstein) sem preven��o. Esta tese, de que n�o existe mais do que casos e indiv�duos singulares totalmente distintos entre si, � a tese fundamental do nominalismo� (pp. 37-38). Ou ainda: �nem Marx, nem Engels se aproximaram duma teoria da hist�ria, no sentido do acontecimento hist�rico imprevisto, �nico, aleat�rio (...). Lenine, Gramsci e Mao pensaram-na s� em parte; o �nico que pensou a teoria da hist�ria pol�tica, da pr�tica pol�tica no presente foi Maquiavel. Est� a� uma enorme lacuna a preencher, cuja import�ncia � decisiva e que, uma vez mais, nos remete para a filosofia� (p. 39). Tradu��es minhas do espanhol. Sublinhado no original.

(16) Os escritos p�stumos de Althusser est�o a cargo do I.M.E.C. (Institut M�moires de l��dition Contemporaine) e da editora Stock que os v�m editando paulatinamente, segundo um plano pr�-estabelecido. Destaquem-se os ���crits philosophiques et politiques�, tomo I (1994) e tomo II (1995).

(17) �Sabemos que no decurso do s�culo XIX nasceram duas ou tr�s crian�as que n�o eram esperadas: Marx, Nietzsche, Freud. Filhos �naturais�, no sentido em que a natureza ofende os bons costumes, o direito, a moral e o bom-viver: natureza, isto �, a regra violada, a m�e solteira, a aus�ncia de pai legal. A uma crian�a sem pai, a Raz�o Ocidental f�-lo pagar caro (...): pre�o contabilizado em exclus�es, condena��es, inj�rias, mis�ria, fome, morte ou loucura.� in Freud e Lacan, do livro �Posi��es�, ob. cit., p. 15.

(18) L�Avenir dure longtemps, ob. cit., pp. 150-151.

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