DOENÇAS CAUSADAS POR GASES NARCÓTICOS

 

René Mendes

I - INTRODUÇÃO

De acordo com a classificação clássica de Henderson & Haggard, constituem um grupo à parte gases e vapores considerados drogas voláteis e substâncias similares, abrangendo uma grande variedade de compostos - a maioria orgânicos - largamente utilizados na indústria e no domicílio, especialmente como solventes e combustíveis.

Constitui aspecto essencial deste grupo o fato de todas essas substâncias exercerem sua ação fisiológica principal após terem sido absorvidas pelo sangue. A única propriedade comum a estas substâncias é a de induzirem sintomas de anestesia quando inaladas em quantidade suficiente

Algumas dessas drogas voláteis não possuem outra ação fisiológica importante sobre o organismo além de serem anestésicas. Tal ação varia muito na intensidade, existindo aquelas em que a ação é tão discreta que se tornam mais importantes como asfixiantes simples. Outras drogas voláteis, além de sua ação anestésica, causam distúrbios orgânicos em várias estruturas do organismo - ação esta que pode se desenvolver após exposições prolongadas em concentrações tão baixas que nunca chegam a provocar anestesia.

Os autores acima referidos fazem a seguinte classificação:

Subgrupo A : Irritantes primários.

Subgrupo B : Anestésicos primários: substâncias que não produzem outro efeito importante que não a anestesia, nem causam efeitos sistêmicos importantes pela exposição prolongada em concentrações subanestésicas: óxido nitroso, hidrocarbonetos da parafina, éteres, aldeídos, etc.

Subgrupo C : Vapores anestésicos que produzem lesão orgânica: hidrocarbonetos halogenados.

Subgrupo D : Vapores anestésicos que lesam o sistema hematopoiético: benzeno e seus
                       homólogos.

Subgrupo E : Vapores anestésicos que lesam o sistema nervoso central: álcool metílico, dissulfeto
                      de carbono e ésteres dos ácidos orgânicos.

Subgrupo F : Drogas voláteis e substâncias similares nas quais a ação anestésica é obscurecida por
                      outros e mais profundos efeitos sistêmicos, especialmente sobre a hemoglobina e
                      sobre a pressão arterial: compostos nitrorgânicos.

 Na classificação adotada, alguns assuntos são abordados em outros capítulos:

Subgrupo A - em "doenças provocadas por gases irritantes"
Subgrupo D - em "doenças provocadas por tintas e vernizes"
Subgrupo E - em "doenças provocadas pelo enxofre e compostos"

Assim, serão abordados aqui apenas alguns representantes do Subgrupo C: hidrocarbonetos.

II - TRICLOROETILENO

O tricloroetileno é um líquido incolor, não inflamável nem explosivo à temperatura ambiental ordinária, quatro e meia vezes mais pesado que o ar, com odor semelhante ao do clorofôrmio, também conhecido pela sinonímia: tricloroetano, tricloreto de etileno, tricloreto de etilino "tri", Trilene, etc.

Ocorrência

- na limpeza a seco (processo dry cleaning)
- no desengorduramento de peças e maquinarios
- na indústria de borracha (Neoprene)
- na indústria de tintas, como solvente
- na extração de óleos e gorduras de produtos vegetais e animais
- na indústria de calcados, nas fórmulas de adesivos
- na indústria têxtil
- na limpeza de filmes, material óptico e fotográfico
- na indústria química, para vários processos de extração
- em misturas com outros solventes
- ainda utilizado como anestésico para fins cirúrgicos e obstétricos.

Concentração máxima permissível

100 ppm ou 535 mg/m3 (ACGIH, 1972)

Quadro clínico

Na intoxicação aguda ocorrem vertigens, tonturas, fadiga, cefaléia, náuseas. vômitos, incoordenação psicomotora. Se a concentração de vapor for suficientemente elevada, podem surgir efeitos narcóticos, indo até a inconsciência, convulsões, coma e morte por parada cardíaca ou por parada respiratória.

No quadro crônico surgem os efeitos locais sobre a pele, tais como queimaduras (podem ser também num episódio agudo) e dermatites, estas de características específicas: lesões descamativas, secas, com fissuras.

Absorção e eliminação

O tricloroetileno pode ser absorvido por:

- ingestão
- através da pele
- inalação, sendo esta via a mais importante.

Após sua inalação e absorção pelo sangue, o tri é rapidamente decomposto em seus metabolitos, os quais podem ser dosados no sangue e na urina.

Quando as mucosas são atingidas ocorrem queimaduras e erosões, como por exemplo na conjuntiva ocular e córnea. Na ingestão do solvente surgirão sintomas gastrintestinais: queimaduras na boca, no esôfago, vômitos, náuseas, dores abdominais e diarréia. As vias respiratórias são irritadas pela inalação do vapor, provocando tosse, sensação de queimação, sintoma de bronquite e até, ocasionalmente, edema pulmonar.

A ação sobre o sistema nervoso central traduzir-se-á por efeitos inespecíficos como fadiga, cefaléia, vertigens, náuseas, anorexia, sudorese excessiva, neurastenia, "nervosismo" confusão mental, insônia, tremores e impotência. Sobre os nervos cranianos o tri parece ter efeito seletivo sobre o território do trigêmeo, vindo a provocar analgesia - propriedade utilizada para o tratamento da nevralgia deste nervo. Pode surgir perda das sensações gustativas e o nervo óptico poderá ser atingido, provocando o aparecimento de escotoma central e raramente neurite retro-bular e atrofia do nervo óptico.

Tratamento

Na intoxicação aguda, a vítima deverá ser removida do local de exposição o mais depressa possível, ao mesmo tempo que se pesquisará se ela está respirando. Caso contrário, impõe-se a respiração artificial até a completa reanimação. As superfícies atingidas deverão ser lavadas insistentemente: água e sabão sobre a pele e apenas água sobre os olhos, durante 15 minutos.

Caso tenha ocorrido a ingestão, deverá ser forçado o vômito.

Observação: o emprego de adrenalina constitui contra-indicação absoluta para qualquer medida de tratamento.

Medidas de controle

Como métodos de proteção coletiva é indispensável que o ambiente de trabalho possua boa ventilação geral; na instalação de ventilação local exaustora deve-se preferir a exaustão por baixo. As medidas de proteção individual partem de uma adequada educação sanitária, bem como o uso das facilidades sanitárias existentes. Em determinadas circunstâncias, indica-se o emprego do equipamento de proteção individual, tal como luvas, óculos, máscaras, botas, aventais, lembrando-se que o material deve ser resistente à ação solvente do tri.

O controle médico inicia-se pelo exame pre-admissional e pelos períodos em que se pretende evitar que entrem em contato como o solvente indivíduos que já possuem algum grau de deterioração da função hepática e renal, obesos, cardíacos, hipertensos, convulsivos e portadores de lesões de pele. Esses mesmos cuidados farão parte de exames especiais e do controle médico propriamente dito.

III - TETRACLOROETANO

O Tetracloroetano é um poderoso narcótico e tóxico do Sistema nervoso central e do fígado, sendo considerado o mais tóxico de todos os hidrocarbonetos clorados. A inalação do vapor é, ordinariamente, a mais importante fonte de absorção, muito embora existam evidências de que a absorção pela pele pode ser uma via importante.

Comparada ao clorofôrmio, sua ação narcótica é cerca de três vezes maior; comparada ao tetracloreto de carbono, também é muito mais narcótico, embora seja menos nefrotóxico.

A intoxicação crônica pelo Tetracloroetano pode assumir duas formas: efeitos sobre o Sistema nervoso central (tremores, vertigens, cefaléia, etc.) e sintomatologia gastrintestinal e hepática (náuseas, vômitos, dor gástrica, icterícia e hepatomegalia).

As medidas de controle baseiam-se na substituição deste solvente por outro menos tóxico. Na impossibilidade, devem ser aplicadas as medidas indicadas para o tricloroetileno.

IV - TETRACLORETO DE CARBONO

Fórmula molecular: C Cl4 .

Ocorrências

- na limpeza a seco, por ser rapidamente vaporizado e não ser inflamável
- como extintor de incêndio
- como agente fumigante para sementes
- como desengraxante de peças e maquinários
- na produção de gás refrigerante (Freón 12) cdc DDT
- na extração de óleos e gorduras de origem animal e vegetal
- como solvente na indústria de borracha e de tintas
- como componente de soluções de sabão na indústria têxtil
- na indústria de cristal de quartzo

Ações sobre o organismo

Qualquer uma das vias de absorção pode ser utilizada pelo tetracloreto de carbono, mas a principal é a respiratória. Suas propriedades anestésicas podem levar rapidamente à perda de consciência. São sintomas de sua ação sobre o sistema nervoso central: vertigens, tonturas, cefaléia, depressão, confusão mental e incoordenação motora. Náuseas, vômitos, diarréia e dores abdominais são manifestações de sua ação sobre o aparelho digestivo.

A ação tóxica do tetracloreto de carbono sobre a função renal inicia-se pelo aparecimento de anúria e oligúria, seguidas de diurese normal. Nesta fase de diurese, a densidade urinária é muito baixa, e surge grande quantidade de proteínas e hemácias na urina. O clerance da creatinina, do diodrast e do ácido paraamino-hipúrico reduz-se, indicando diminuição do fluxo plasmático renal, bem como lesão glomerular e tubular.

A função renal vai lentamente melhorando, até se normalizar após 100 a 200 dias. O exame histopatológico mostra graus variáveis de lesão do epitélio tubular.

Na intoxicação aguda o quadro renal e o hepático (necrose centro lobular) manifestam-se cerca de dois a três dias após o quadro neurológico.

Na indústria, as lesões hepáticas e renais resultam mais freqüentemente, de exposição crônica a concentrações relativamente baixas. A lesão hepática consiste de degeneração gordurosa, e, em alguns casos, a transformação em cirrose. A ingestão de álcool aumenta a toxicidade do CCL4.

Existem várias teorias para explicar as alterações hepáticas, mas nenhuma delas é aceita sem restrições: alterações do metabolismo dos fosfolípides, ação sobre as mitocóndrias, hipersecreção de catecolaminas, distúrbio da secreção de triglicerides hepáticos, inibição da síntese e proteínas, lipoperoxidação, labilização dos lisosomas.

 

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