"Vês esta mulher?
entrando em tua casa, não me deste água para os pés; esta, porém, regou meus pés com lágrimas e os enxugou com seus cabelos. Não me beijaste; ela, entretanto, desde que entrei não cessa de me beijar os pés.
Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta com bálsamo ungiu meus pés.
Por isso te digo: perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama." ( Lucas, 7;44-47 )

No final do século passado, numa tarde fria de primavera, um grupo de homens e mulheres se reuniu para escutar o mais famoso pregador daquela época. Eram pessoas vindas de diversos lugares da Inglaterra, ansiosas para ouvir o que o homem tinha a dizer.
Mas o pregador, depois de oito meses percorrendo diversos países do mundo num cansativo trabalho de evangelização, sentia-se vazio. Olhou a pequena platéia, ensaiou algumas frases, e terminou por desistir. O Espírito de Deus não o havia tocado naquela tarde.
Triste, sem saber o que fazer, virou-se para um jovem missionário que estava entre os presentes. O rapaz havia regressado da África há pouco tempo, e talvez tivesse alguma coisa interessante para dizer.
Pediu, então, que o rapaz o substituísse.
As pessoas reunidas naquele jardim em Kent ficaram um pouco desapontadas.
Ninguém sabia quem era o jovem missionário; havia recusado sua ordenação como ministro, porque não estava seguro de que aquela fosse sua verdadeira vocação.
Procurando uma razão para viver, procurando a si mesmo, o rapaz havia passado dois anos no interior da África - entusiasmado com o exemplo de pessoas que iam atrás de um ideal.
As pessoas no jardim em Kent não gostaram da troca. Tinham vindo por causa de um pregador experiente, sábio, famoso. E agora eram obrigadas a ouvir uma pessoa que - assim como elas - ainda lutava para encontrar a si mesma.

Mas Henry Drummond - este era o nome do rapaz - havia aprendido algo.
Henry pediu emprestada uma Bíblia de um dos presente e leu um trecho da carta que Paulo escreveu aos coríntios:

"Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor,
serei como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine.

Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência;
ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver amor,
nada serei.

E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor,
nada disso me aproveitará.

O amor é paciente, é benigno, o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece,
não se conduz inconvenientemente, não procura seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade.
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

O amor jamais acaba.
Mas, havendo profecias, desaparecerão;
havendo línguas, cessarão;
havendo ciência, passará.
Porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos.
Quando, porém, vier o que é perfeito, o que então é em parte será aniquilado.

Quando eu era menino, falava como um menino, sentia como um menino.

Quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino.

Porque agora vemos como em espelho, obscuramente, e então veremos face a face;
agora conheço em parte, e então conhecerei como sou conhecido.

Agora, pois, permanecem a Fé, a Esperança, e o Amor.
Estes três.
Porém, o maior deles é o Amor."

Todos escutaram em silêncio respeitoso. Mas estavam decepcionados. A maior parte já conhecia o trecho, e já havia meditado longamente sobre ele. O rapaz podia ter escolhido algo mais original, mais palpitante.

Quando acabou de ler, Henry fechou a Bíblia, olhou para o céu, e começou a falar:

Todos nós, em algum momento, já fizemos a mesma pergunta que todas as gerações fizeram:
Qual é a coisa mais importante da nossa existência?
Queremos empregar nossos dias da melhor maneira, pois ninguém mais pode viver pela gente. Então, precisamos saber: para onde devemos dirigir nossos esforços, qual o supremo objetivo a ser alcançado?

Estamos acostumados a escutar que o tesouro mais importante do mundo espiritual é a Fé. Nesta simples palavra se apoiam muitos séculos de religião.
Consideramos a Fé a coisa mais importante do mundo? Pois bem, estamos completamente errados.
Se em algum momento acreditamos nisto, podemos deixar de acreditar. No capítulo que acabei de ler, fomos conduzidos aos primeiros tempos do Cristianismo. E, como vimos, "permanecem a Fé, a Esperança, e o Amor, estes três. Porém, o mais importante é o Amor".
Não se trata de uma opinião superficial de Paulo, autor daquelas linhas. Afinal de contas, ele estava falando de Fé um momento antes. Ele dizia: " Ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver Amor, nada serei."
Paulo não fugiu do assunto; pelo contrário, comparou a Fé com o Amor. E concluiu:
"(...) o maior destes é o Amor."
Deve ter sido muito difícil para Paulo dizer isto. Um homem costuma recomendar aos outros aquilo que, nele, é o ponto forte.
O Amor não era o ponto forte de Paulo.
Um estudante com senso de observação irá notar que, à medida que envelhecia, o apóstolo tornava-se mais tolerante, mais terno.
Mas a mão que escreveu "porém, o maior destes é o Amor", esteve muitas vezes manchada de sangue na juventude.
Além disso, esta carta aos coríntios não é o único documento a mostrar o Amor como o summum bonum, o Dom Supremo. Todas as obras-primas do Cristianismo concordam a este respeito.

Pedro diz: "acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de pecados".

E João vai mais longe: "Deus é Amor".

Podemos ler, também, em outro texto de Paulo: "o cumprimento da Lei é o Amor".
Por que Paulo disse isto? Nessa época, os homens procuravam chegar até o Paraíso cumprindo os Dez Mandamentos - e as centenas de outros dez mandamentos que eles haviam fabricado tendo como base as Tábuas da Lei. Cumprir a lei era tudo. Era mais importante, inclusive, que viver.

Então Cristo disse: "eu vou mostrar a vocês uma maneira mais simples de chegar ao Pai. Se vocês aprenderem isto, podem fazer centenas de outras coisas sem medo de ofender a Deus.
Amor. Se vocês amarem, estão cumprindo a lei, mesmo que não tenham consciência disto."

Podemos verificar por nós mesmos que este conselho funciona. Peguemos um mandamento qualquer: "Amar a Deus sobre todas as coisas." Eis o Amor.
"Não tomar seu santo nome em vão." Ousaríamos falar superficialmente de alguém que amamos? "Guardar domingos e festas." Não ficamos muitas vezes ansiosos, esperando o dia de encontrar quem amamos para nos dedicarmos ao Amor? Então, se amamos Deus, o mesmo há de acontecer.
O Amor exige que obedeçamos todas as leis de Deus.
Quando um homem ama, é desnecessário exigir que honre seu pai e sua mãe, ou que não mate. Para o homem que quer bem a seu próximo é uma ofensa exigir que não roube - como poderia roubar quem ama? E seria supérfluo pedir que não levante falso testemunho - pois jamais faria isto, como seria incapaz de desejar a pessoa que o outro ama.

Portanto, "o amor é o cumprimento da Lei".
O Amor é a regra que resume todas as outras regras.
O Amor é o mandamento que justifica todos os outros mandamentos.
O Amor é o segredo da vida.
Paulo terminou aprendendo isto, e nos deu, na carta que lemos agora, a melhor e mais importante descrição do summum bonum, o Dom Supremo.

* * * *

Paulo então compara o Amor com o sacrifício e o martírio. E eu suplico àqueles que desejam, algum dia, trabalhar para o bem da Humanidade: jamais, esqueçam que, mesmo que seus corpos sejam queimados em nome de Deus, se não tiverem Amor, não adianta nada. Nada!
Vocês não podem dar nada mais importante do que reflexo do Amor em suas vidas. Isto é a verdadeira linguagem universal, que nos permite falar chinês, ou os dialetos da Índia. Se algum dia vocês forem a estes lugares, a eloqüência silenciosa do Amor fará com que sejam entendidos por todos.
A mensagem de Fé de um homem está na maneira como vive a sua vida, e não nas palavras que ele diz.

* * * *

Depois de comparar o amor com tudo o que já vimos, Paulo - em três versos pequenos - faz uma surpreendente análise do que é este Dom Supremo.
Ele nos diz que o Amor é uma coisa composta de muitas outras. Como a luz. Aprendemos na escola que, se pegarmos um prisma e fizermos com que um raio de sol o atravesse, este raio se divide em sete cores.
As cores do arco-íris.
Paulo, então, pega o Amor e faz com que atravesse o prisma de sua sensibilidade, dividindo-o nos seus elementos.
Paulo no mostra o Arco-íris da Luz.

...Trechos do livro O Dom Supremo, de Henry Drummond, adaptação de Paulo Coelho

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