O pacifismo é eficaz?

GUY SORMAN
Especial

A paz é um valor, mas o pacifismo é uma ideologia. Como valor, a paz encontra suas fontes tanto na Bíblia quanto na sabedoria budista. Ela movimenta comportamentos individuais que são por si só incontestáveis.

Mas como ideologia e, a exemplo de toda ideologia, o pacifismo precisa estar submetido ao critério da experiência. Isso confere ao pacifismo um julgamento sem ambigüidade: é eficaz no sentido que conduz à paz e à reconciliação entre adversários que dividem uma mesma moral. Ao contrário, se estes não partilham a mesma concepção de mundo, os pacifistas acabam sendo inevitavelmente, e freqüentemente apesar deles mesmos, os aliados objetivos dos senhores da guerra.

Como pacifistas, arquitetos da paz duradoura e eficaz, pode-se reter na história recente Mahatma Gandhi, Martin Luther King e Nelson Mandela. Todos eles conseguiram a libertação de seus povos por meio do que Gandhi chamava de "não-violência". Mas isso só aconteceu na medida em que os colonizadores britânicos na Índia, os africâners na África do Sul e os brancos nos Estados Unidos já sentiam o peso da consciência em relação às suas vítimas; o pacifismo foi então instaurado no espírito do torturador até desestabilizá-lo em seu interior em nome dos próprios valores.

Como prova em contrário, pode-se lembrar o infeliz conselho de Gandhi aos judeus alemães, em 1940, sugerindo que eles resistissem aos nazistas pela não-violência. Uma incompreensão caricatural do inimigo que constituía a arquitetura dos movimentos pacifistas dos anos 30, europeus e americanos, se confronta com o incompreensível aumento do fascismo e do nazismo.

O pacifismo não é, portanto, justo ou injusto em si, nem eficaz ou não em razão de sua organização ou das motivações dos pacifistas: somente as circunstâncias e a natureza do adversário ditam a última resposta.

Essas circunstâncias são ainda hoje mais esclarecedoras que as motivações dos pacifistas. Assim, nos movimentos atuais contra a guerra no Iraque, pouco importa, no fundo, quem são os pacifistas? Sem dúvida, figuram entre eles alguns cristãos sinceros e também adeptos de Gandhi; evidentemente mais numerosos são os inimigos tradicionais do imperialismo americano; raros são os amigos dos iraquianos movidos pelo destino de uma nação que Saddam Hussein tiraniza há 25 anos.

Mas, ainda uma vez, pouco importam as motivações! A eficácia desses movimentos será determinada, no fim das contas, pelo regime iraquiano e seus eventuais cúmplices terroristas; se estes desejarem também a paz e a reconciliação, caberá a eles demonstrá-lo renunciando às armas biológicas, químicas e nucleares, desmontando as redes terroristas e, principalmente, civilizando o regime político. Enquanto o regime de Saddam Hussein ameaçar seus vizinhos árabes e israelenses, seu povo, e até o restante do mundo, os pacifistas continuarão como reféns dele.

Há de perguntar, enfim, se entre o belicismo de Bush e o pacifismo antiamericano não existiria uma via mediana que pudesse parecer com as operações de policiamento internacional levadas adiante em anos recentes, com sucesso, na Bósnia, em Kosovo, em Ruanda e no Afeganistão. Em todos esses casos, tiranias genocidas foram eliminadas por intervenções da qual fizeram parte mais homens armados do que a guerra clássica, de eliminação de Estados gângsteres, e não do bombardeio do povo.

Se, de uma maneira aproximada, o que não parece ser tecnicamente impossível, o mundo se livrasse de Saddam Hussein, nem os iraquianos nem os árabes nem os muçulmanos seriam capazes de reprovar a atitude desses soldados. E, do outro lado do planeta, o ditador da Coréia do Norte teria um tema para reflexão.

Deve-se duvidar, portanto, que os movimentos pacifistas dêem o benefício da dúvida para Saddam Hussein. Mas pode ser que eles tenham o mérito de orientar a comunidade internacional na direção da libertação dos iraquianos mais do que na da conquista americana do Iraque.


O Estado de São Paulo, 2 de março de 2003


 

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