O escritor, astrólogo e filósofo Olavo de
Carvalho ataca cantores e intelectuais no seu livro O imbecil
coletivo - atualidades inculturais brasileiras
por CELINA CÔRTES
Olavo de Carvalho tem muito poucos amigos no meio acadêmico brasileiro. A razão é
simples. O escritor, astrólogo, jornalista e filósofo autodidata adora uma polêmica.
Ele fala o que pensa. E o que pensa, logo escreve. Seu mais recente e oitavo livro, O
imbecil coletivo - atualidades inculturais brasileiras (Faculdade da Cidade
Editora, 384 págs. R$ 32), lançado na quinta-feira 22, no Rio de Janeiro, é uma
coletânea de seus escritos publicados entre 1992 e 1996 na imprensa brasileira cujo
título agressivo não guarda nenhuma semelhança com sua primeira obra, o opúsculo
astrológico Astros e símbolos, de 1985.
Paulista de Campinas, Olavo de Carvalho, 49 anos, costuma discorrer sobre os mais variados
temas. Mas agora seu alvo principal é a intelectualidade brasileira que, segundo ele,
está em franca decadência. Em O imbecil coletivo o autor não deixa pedra sobre
pedra no seu trabalho de demolição. Numa linguagem direta e cheia de veneno, ele ataca
monstros sagrados da música brasileira como Chico Buarque de Hollanda e Caetano Veloso.
Dispara contra os filósofos Leandro Konder e José Arthur Giannotti - amigo do presidente
Fernando Henrique Cardoso - e o cientista político Emir Sader, e não poupa nem o
sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Ele acusa o meio intelectual tupiniquim de estar
perdendo a capacidade de refletir criticamente. Afirma que a cultura nacional se tornou
subserviente da cultura americana e que há uma troca de papéis nas funções
desempenhadas pelos meios acadêmicos e pelo show business. Nesta entrevista a ISTOÉ
também ataca os movimentos negros, a militância gay e diz que a ditadura militar não
foi tão ruim quanto a esquerda a pintou.
ISTOÉ - Em seu novo livro, O imbecil coletivo, o sr. fala de ignorantes que se
tornaram donos da cultura. Quem são eles?
Olavo de Carvalho - Parte da intelectualidade vem perdendo aos poucos a capacidade
de refletir criticamente. Começa a decair intelectualmente cedo, a partir dos 30 anos.
Este é um fenômeno universal, mas meu livro enfoca o caso brasileiro. O professor José
Arthur Giannotti, por exemplo, está momentaneamente no Imbecil coletivo, mas nada
impede que ele saia desse lugar e volte a ter a autocrítica de antes. Não é um cargo
vitalício. É como o ex-ministro da Educação e Cultura Eduardo Portella. Ele não é
imbecil, está imbecil. Giannotti tornou-se membro desse clube ao declarar que a variedade
de produtos nas lojas prova a inexistência do processo de massificação. Fiquei
perplexo. Ou seja, não existe massificação nenhuma porque existe uma variedade grande
de produtos e você pode comprar o que quiser. É uma bobagem.
ISTOÉ - Neste mesmo livro o sr. fala que Chico Buarque de Hollanda é um
farsante. Por quê?
Carvalho - Especificamente por causa de uma frase, da época do show de final do
ano, na praia de Copacabana, sobre os R$ 100 mil que recebeu da prefeitura. Ele disse que
para cantar para uma multinacional até era pouco, subentendendo-se que seria um imenso
sacrifício moral para um homem como ele. Foi uma autovalorização excessiva, com ares de
manifestação política nacionalista. Posições nacionalistas esquerdistas são
pré-requisitos para alguém alcançar sucesso no show business. Mas trata-se de uma
imensa hipocrisia. Primeiro, porque é uma pessoa que não tem condições nem de avaliar
o conflito ideológico do que é esquerda ou direita. São emblemas que as pessoas colam
na testa para se tornarem agradáveis à mídia e lhes dar um sentido de superioridade
moral. É uma falsa consciência, de um sujeito que se engana a si mesmo.
ISTOÉ - O sr. já leu algum livro de Chico Buarque?
Carvalho - Só Calabar e Gota d'água. Não são ruins. Não o desqualificam
para a literatura. Os dois últimos não li e nem dei palpite. Mas acho uma imoralidade
pagar R$ 100 mil a quem quer que seja para cantar durante 15 minutos. É um sinal de
decadência da civilização. O século XX coloca no alto pessoas que todas as
civilizações antigas colocavam no fundo. Decidimos valorizar o lixo. Os artistas de
tevê, que são como os atores de circo de outras épocas, não têm uma expressão
cultural mais profunda. São manifestações antropológicas, e não pedagógicas. Hoje
existe uma confusão proposital entre esses dois tipos de manifestações.
ISTOÉ - Quais as consequências mais imediatas do que o sr. chama de confusão
proposital?
Carvalho - Nesse sentido, o Gugu Liberato é mais expressivo que o Chico Buarque.
Tiririca então, nem se fala. Farsa é essa confusão que atribui ao que é cultura
antropológica um sentido pedagógico. Caetano e Chico não compreendem o processo que os
tornou importantes. A opinião cultural de Chico Buarque vale mais que a do físico Cesar
Lattes. Quem disser que isso é bom está louco. Eu mesmo participei de um debate com o
ator Osmar Prado. Não poderia concorrer com seus recursos cênicos. São casos que
prostituem a democracia. Nada disso é uma posição política, mas sim moral.
ISTOÉ - O sr. dá impressão de ter algo pessoal contra Chico Buarque ou
Caetano Veloso. É só impressão?
Carvalho - É. Aprecio muito as músicas de ambos, mas acho que as coisas devem
ficar em seus devidos planos. Minha briga não é com o show business, mas com a
normalidade com que é encarado o baixo nível cultural. Grave é o baixo nível
intelectual do mundo acadêmico, representado pelo filósofo José Arthur Giannotti. Não
brigo com o show business, não é meu departamento.
ISTOÉ - Já que nunca cursou uma faculdade de filosofia, como o sr. se
autodenomina filósofo?
Carvalho - Na verdade cursei três anos no Conjunto de Pesquisa Filosófica na PUC,
dirigido pelo padre Stanislavs Ladusãns, curso extinto em 1991. Meu primeiro interesse
foram as religiões comparadas. A partir daí, estudar filosofia ficou mais fácil.
Estudei Platão e Aristóteles e me tornei um autodidata. Procurei cursos de filosofia e
vi que não teria paciência de escutar tudo aquilo de novo. Os alunos eram de uma
arrogância absurda e eu já conhecia muito mais que essa gente, me senti humilhado.
ISTOÉ - Por que o sr. não seguiu a ordem natural das coisas, ou seja, cursou
uma universidade e uma pós-graduação para acentuar seu espírito crítico?
Carvalho - Por mais de dez anos fiquei isolado. Quando voltei à civilização
preparei um curso de filosofia para grupos privados, provenientes das universidades. Tive
a ilusão de que seriam frequentados por gente de alto nível. Mas constatei que ignoravam
quase tudo. Vi então que havia algo de errado com o ensino superior. O Brasil tem a pior
escola de filosofia do mundo. Fui convidado então para instalar o seminário de filosofia
na Faculdade da Cidade. Mas para mim tanto faz dar aulas na faculdade ou embaixo da ponte.
Não tenho pretensões acadêmicas.
ISTOÉ - Com que autoridade, então, o sr. opina sobre temas tão
diversificados?
Carvalho - Se opino é por absoluta necessidade. Os ensaios que publico em meu
livro são notas que fui tomando. O que mais me surpreende é que só eu percebia essas
coisas. Como as pessoas mais qualificadas não falaram, acabou sobrando para mim.
ISTOÉ - Foi por isso que o sr. começou a criticar os professores Leandro
Konder e Emir Sader?
Carvalho - Existem os destaques, como nos desfiles das escolas de samba, para o
prêmio Imbecil coletivo. Em 1995, o prêmio foi para o professor Leandro Konder.
Ele fez um artigo em O Globo dizendo que os movimentos coletivos estavam acima das
categorias de inteligência, burrice, verdade e erro. O que interessa, segundo ele, é
reconhecer a força desses movimentos. A apologia da força acima da verdade é a própria
idéia de Göebbels. Já o professor Emir Sader será o prêmio de 1996, por sua
afirmativa: "Tudo o que o século XX produziu de melhor na história da inteligência
pertence à esquerda." É sinal de que aquilo que considera melhor é lido apenas
pelo público que o cerca. Desconhece que podem haver coisas muito melhores que aquelas. A
pobreza filosófica da esquerda no século XX é notável, não busca parâmetros de
comparação. Se julgarmos cultura pela mídia, talvez Emir Sader tenha razão. Mas é
espantoso que a opinião de um intelectual como ele seja formada pela mídia, em vez de
suas investigações diretas.
ISTOÉ - No artigo Bandidos e letrados, o sr. atribui a criação do
Comando Vermelho à influência que os presos políticos exerceram sobre os marginais.
Quais seus fundamentos para essa afirmação?
Carvalho - Trata-se de um comentário ao livro Comando Vermelho, do
jornalista Carlos Amorim. Ele enumera os fatos que o leva a essa conclusão, mas não se
arrisca a tirá-la. É um livro honesto, todo o Brasil deveria ler. Há policiais que
diziam que os presos políticos ensinaram tática de guerrilha aos marginais para
cooptá-los para o exército revolucionário. Mas naquela época a guerrilha já estava
derrotada. Não acredito que fosse essa a intenção. Acho, sim, que foi uma
irresponsabilidade histórica, que acabou explodindo durante a democracia, e não no
período da ditadura, como eles pretendiam. Se esse pessoal tivesse vergonha na cara já
teria feito a mea-culpa. Terrível é eles fincarem o pé. É impossível que os bandidos
aprendessem tudo aquilo em contatos esporádicos. Achei que entre a versão de Carlos
Amorim e a da polícia devia haver uma verdade. Mas não assumir a responsabilidade é uma
característica da esquerda.
ISTOÉ - Quais seriam os casos exemplares em que a esquerda não assumiu
responsabilidades?
Carvalho - Até hoje acham que o socialismo não saiu manchado com a morte de 150
milhões de pessoas, causadas por Stalin e Mao Tsé-tung. A inquisição nas Américas
não matou mais de 100 pessoas, e até hoje é um emblema do horror. Somem todas as
vítimas dos ditadores de direita e não se chegam a um terço das vítimas da esquerda. A
ditadura militar no Brasil não chegou nem a 200 mortos em 20 anos. Esses 200 mortos Fidel
Castro matava em uma tarde. Claro que as ditaduras são condenáveis, mas dizer que um
regime inspirado em Cuba seria brando é cômico. A pessoa que adota essas posições
perde a respeitabilidade intelectual.
ISTOÉ - O sr. se define como de direita ou de esquerda?
Carvalho - Como um alienado militante. Sou radicalmente contrário a analisar o que
quer que seja a partir de uma posição política. Quem fala em política fala em nome de
uma coletividade, para essa mesma coletividade. Sou um indivíduo falando para outro
indivíduo. Estou convicto de que só a consciência individual e nunca o consenso
coletivo pode dar acesso à verdade. Para mim, a idéia de Antonio Gramsci de que a
consciência individual é um eco da coletiva é uma das maiores monstruosidades que
alguém já pensou. No momento a intectualidade é de esquerda, por isso tem o monopólio
do besteirol.
ISTOÉ - Entre tantas questões polêmicas, o sr. é contra ou a favor da
discriminação do uso da maconha? O que acha do movimento liderado pelo deputado Fernando
Gabeira?
Carvalho - Não tenho autonomia científica para falar a esse respeito. As pessoas
que conheço que usaram maconha e cocaína, mostram o mal que essas drogas fazem. Gabeira,
por exemplo, é totalmente desarticulado. Quando diz que os Estados Unidos liberaram a Canabis
sativa para fins medicinais, quer justificar o uso recreativo no Brasil. Não tem
cabimento.
ISTOÉ - O sr. também tem se manifestado em relação às diversas minorias. O
que o incomoda no movimento negro, por exemplo?
Carvalho - O Brasil lida de maneira correta com o racismo não através de medidas
oficiais, mas a partir do dia-a-dia do povo. Fui casado por dez anos com uma negra e tenho
um filho de cabelo pixaim. Qualquer atitude racista me parece esquisita. Temos a cultura
menos racista do mundo. Em São Paulo, o índice de rejeição pela cor de Celso Pitta,
candidato à sucessão municipal, é de apenas 4%. Quando criamos legislações
específicas para raças, estamos abrindo um precedente de direito racial, quando a
Constituição assegura direitos iguais, independente de raças.
ISTOÉ - O episódio de censura à música Veja os cabelos dela, do
cantor Tiririca, é um indício destes precedentes?
Carvalho - Estive com Ivanir dos Santos, do Centro de Articulação de Populações
Marginalizadas, que entrou com a ação contra a música. Eu o achei um homem extremamente
preconceituoso. O que me pareceu mais grave é que não há ser no mundo que esteja isento
de críticas, exceto a raça, que é intocável. O Brasil alcançou um nível de
integração entre as raças que é o mais belo produto de nossa civilização. Quando a
raça é tratada a partir de um princípio legal, torna-se racismo. Na época do Império,
40% dos ministros eram mulatos. Isso mostra que nossa tendência era para normalizar essa
relação, desde o século passado.
ISTOÉ - Estes princípios legais estariam dentro do conceito do
"politicamente correto"?
Carvalho - Este conceito é uma demência. É uma expressão perversa. Não se
condena uma coisa por ser imoral, mas por ser politicamente incorreta. O conceito
subentende a opinião de uma minoria, forjada pela mídia como o supremo juízo moral.
Isso equivale à proibição de qualquer opinião minoritária. É um controle da
intimidade. As pessoas têm medo de pensar certas coisas. Um exemplo é Graciliano Ramos,
que tinha um horror visceral aos gays, e deixava de comer na prisão porque o cozinheiro
era homossexual. Então podemos proibir esse homem de ter uma reação emocional?
ISTOÉ - A campanha contra a fome, promovida pelo sociólogo Betinho, seria uma
destas reações emocionais?
Carvalho - Sou radicalmente contra esse tipo de coisa. Cria um estado de espírito
contrário à capacidade privada de fazer caridade. Betinho é um dos grandes
estrategistas da esquerda mundial. Em poucos anos, conseguiu criar uma identificação
entre as reivindicações de esquerda e a caridade. Faz a imagem de um santo, quando se
trata de um homem superficial. Ele aceitou o dinheiro dos banqueiros do bicho e todos os
condenaram. Mas ele estava certo e foi vítima de seus adversários. Se mostrou inseguro e
fez uma ridícula mea-culpa. Se conhecesse São Tomás de Aquino, saberia que estava
certíssimo. Uma pesquisa da Globo mostrou que 93% da população é contra dar esmolas.
Isso é fruto da campanha do Betinho.
ISTOÉ - Nesta relação maniqueísta, por que o sr. afirma que os homossexuais,
que se dizem oprimidos, foram opressores no passado?
Carvalho - Sugiro a eles que leiam a História dos 12 Césares, de
Suetônio, um clássico romano. O livro mostra como os homossexuais no poder podem ser
bárbaros e opressores. A SA de Hitler era maciçamente composta de homossexuais. Eles
não são mais ou menos opressivos que as demais pessoas. Mas pretendem obter direitos
específicos por serem homossexuais. E se mudarem de idéia? O que será feito desses
direitos? Alegam que são vítimas de uma fatalidade biológica? Então é doença! O
contrário da discriminação é aceitação, que se dá através da emoção, e não das
leis.