[Transcrito de Mundo Espírita, fevereiro de
1986, p. 10. (Informa-se que originalmente a entrevista “foi publicada no
jornal Unificador, de Ipatinga, MG”.)]
José
Raul Teixeira
1 — O que significa para
você o Carnaval, diante do mundo?
R — Valendo-me da expressão
de um Benfeitor Espiritual, direi que, para mi m, o Carnaval é aquele fruto
apodrecido, do qual ainda não soubemos retirar a mensagem de advertência, de
atenção e vigilância, observando, ao longo do tempo, a semente infeliz que há
germinado nas almas incautas, gerando colheitas de decepções e dores de elevada
monta.
2 — Como você melhor colocaria
o Carnaval: como um mal para o homem que preza a elevação da moral, ou um
remédio para o homem asfixiado pelas lutas amargas do cotidiano. necessitado de
extravasar seu psiquismo?
R — Verdadeiramente, o Carnaval,
como se vem apresentando. representa um mal não apenas para o homem que busca
evoluir moral e espiritualmente, como também para os demais ainda apegados às
sensações físicas muito mais que às emoções sutis, que só a pouco e pouco o Espírito
vai desenvolvendo.
Reconhecemos que a alegria,
a descontração, as expansões dos júbilos entre as criaturas humanas funcionam
como excelente válvula de escape para as tensões diárias, fomentando a tranqüilização
da alma, quanto o re-equilíbrio das funções psíquicas. Contudo, não é o que
estamos observando na estrutura carnavalesca. Encontramos, isso sim. a
perversão, a enfermidade espiritual que jorra, absolutizando a loucura que
campeia desenfreada, devassando e infelicitando. Não creio que ao homem mais
simples. porém, de bom senso, isso lhe pareça extravasamento para os júbilos
anelados, senão desbordamento das paixões inferiores que mais fazem amargar seu
cotidiano. já, de si mesmo, tão amaro.
3. – Por ser uma festa de
cunho material, somos induzidos a pensar que a maioria dos participantes não sejam
religiosos. Dado que o ser humano precisa dissipar as energias acumuladas, não
poderíamos, então, classificar o Carnaval como “um mal necessário”, pois, sem
ele, que permite extravasar, e sem a religião, que permite equilibrar essas
cargas energéticas, os homens, inevitavelmente seriam levados a atitudes agressivas
ou neuróticas no dia-a-dia?
R – A mim me parece que tudo
isso não passa de tenebroso sofisma. Vamos por partes, a fim de expressar-me
melhor.
O Carnaval não é somente uma
festa de cunho material, como se poderia supor. Ele é profundamente espiritual,
só que a faixa espiritual, em que se situa, é a dos Espíritos infelizes que se
locupletam com os desejos e usanças daqueles outros que, embora encarnados,
ajustam-se aos apelos do Além infeliz, servindo-lhes de alimárias ou de vasos
nutrientes, onde as sombras babejam e triunfam por momentos. Está claro, com
isso, que os que se banqueteiam nesse festim, embora se digam religiosos, só o
são na fachada. Não aprenderam que não se pode servir a Deus e a Mamon, que ser
religioso é assumir um compromisso com a própria consciência. Não foram
advertidos por seus líderes que tais festividades momescas tiveram seu incremento
nas orgias templárias da Velha Roma. do mundo antigo, nas loucuras das
homenagens aos deuses Lupércio, Saturno. Baco etc, ditas festas em que não
faltavam a luxúria, os excessos de toda ordem, do prato às explorações sexuais,
determinando miséria moral e material, como enorme soma de sofrimentos.
Por outro lado, meu companheiro,
se me é dito que o Carnaval é o extravasador e que a Religião é equilibrante,
creio que, em boa linha, nos quedaríamos com a Religião. Entretanto, a grande
parte escolhe a descarga carnavalesca.
O que vemos é que, muito
embora se afirme ser o Carnaval um extravasador das tensões, não encontramos
diminuídas as taxas de agressividade e de neuroses, que infestam nossas
cidades, as mais diversas, dando-nos, isso sim, um somatório de violência
urbana, de infelicidade familiar como jamais ocorreu no mundo contemporâneo.
Creio que devamos repensar a questão do Carnaval, a fim de não desculparmos o
que é indesculpável, pelo menos na conotação que se lhe dá atualmente.
4. No campo físico, já
conhecemos algumas das conseqüências do “reinado do Momo”, como por exemplo a
proliferação dos abortos, o aumento da criminalidade, múltiplos suicídios, o
incremento do uso dos tóxicos e de bebidas alcoólicas, assim como o surgimento
de novos viciados, e muitas outras. O que você citaria como conseqüência no
campo espiritual?
R - No hemisfério
espiritual, encontramos por conseqüências todas as decorrentes dos excessos e
erros e crimes apontados na sua pergunta. é
mais um testemunho de que as “alegrias de Momo” não são tão alegres como
parecem e que, ao invés de descontrair, muitos são traídos pela invigilância,
pela irreflexão, pela imoderação.
5 - Estaria sujeito às influências
negativas o indivíduo que, não se integrando aos folguedos, saísse à rua,
apenas para assistir aos desfiles, ou mesmo para, simplesmente, apreciar os
acontecimentos?
R - Os Espíritos do Senhor
orientam-nos, através da Doutrina Espírita, que Deus vê as intenções nossas.
Jesus Cristo, por seu turno, diz-nos, em Lucas 6:45, que onde estivesse o nosso
tesouro, aí estaria o nosso coração, dizendo, sem dúvida, que nos deslocaríamos
em espírito para aquilo a que déssemos valor. Há um provérbio popular que prega
que quem sai na chuva é porque deseja molhar-se... Entendemos que, se tomamos
conhecimento do que está ocorrendo nas ruas e nos clubes, se nos damos conta
das nossas próprias tendências pouco recomendáveis, na condição de “homem-velho”
da referência paulina, há que pensar um pouco, antes de nos expormos às ruas,
ainda que seja para assistir.
6. — Como você acha que o cristão-espírita
deve proceder diante do companheiro que se mostra favorável ao evento?
R — Como deve. proceder com
qualquer um que não nos compartilhe os conceitos e idéias, ou seja,
respeitando-o, compreendendo-o, sem. contudo, permitir que ele nos “faça a
cabeça”, usando uma expressão muito em moda.
7 - Que atitude se poderá
tomar para mantermos nossos filhos, ainda crianças, quando não livres da
influência, pelo menos livres da fascinação que o Carnaval exerce sobre eles?
R — Entendemos que a família
tem fundamental importância em tudo isso. É
a velha questão tão educacional que vem à tona, Se os pais não freqüentam
os festejos carnavalescos; se os pais aproveitam os dias dos feriados de tais
festas para o descanso, para a convivência familiar harmoniosa e boa; se sabem
conversar com os pequenos sobre a improcedência de nos arrojarmos a tais
loucuras, exemplificando com a própria conduta o que diz, não vemos por que os
filhos ficariam fascinados com Momo. Se mesmo diante do exemplo e dos informes
e esclarecimentos eles o desejarem, deverá prevalecer o bom senso dos pais, não
o permitindo, até que os pequenos de hoje conduzam as suas experiências de vida,
fazendo o que bem entenderem; porém não antes de serem devidamente educados
para viverem o bem que todos buscamos.
Muitos pais afirmam que soltaram
seus filhos por causa das pressões de vizinhos, de familiares outros, dos
colegas etc. Não se lembram, entretanto, os pais espíritas, que estamos diante
dos graves compromissos com Espíritos ligados a nós, pelos vínculos reencarnatórios
e que teremos que prestar contas da orientação e da condução que lhes tenhamos
dado. sem que isto pese nos ombros dos demais, pelo menos a princípio. Tomemos
por compromisso de honra a condução dos nossos, deixando de lado
admoestações e zombarias, motejos e incompreensões, porque somente o tempo dirá
do nosso acerto, com o salário da paz e da alegria.
8 — Com relação aos nossos
Centros Espíritas, é válido fechar as portas nos dias do Carnaval, ou mudar o
procedimento das reuniões?
R — Realmente, seria muito
bom se pudéssemos continuar nossas atividades doutrinárias, em nossas
Instituições, exatamente porque são os dias em que mais necessárias se fazem as
preces e as vinculações com os Bons Espíritos, por múltiplas razões, bem
óbvias, por sinal. Entretanto, não deveremos olvidar que grande parte dos
Centros estão em locais de muito movimento carnavalesco e que, ainda que não
estejam, os companheiros das tarefas deverão deslocar-se de seus lares,
atravessando o tumulto e as dificuldades, se ampliam com os riscos de variada
monta para os passantes. E is a razão porque, costumeiramente, se interrompem
os trabalhos nos Centros Espíritas nesses dias, o que não representa que
devamos deixar de orar e vigiarmos, onde e com quem estivermos, servindo como
antenas de nobres inspirações e assistência necessárias, como verdadeiros
cristãos que desejamos ser.
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