Estratégia Nacional
de
Luta Contra a Droga

 

Comissão para a
Estratégia Nacional de Combate à Droga

1998

 

 

Sumário executivo

Até há relativamente pouco tempo a ênfase, tanto a nível internacional como a nível local, tem sido colocada a questão de como as sociedades devem reagir ao uso e abuso das drogas. Tudo parece indicar que esta estratégia não tem sido muito eficaz.

Hoje em dia, muitos pensam que o tema deve ser colocado de forma diversa. O conhecimento efectivo das razões que estão na base do uso e abuso dessas drogas é fundamental, não só para a compreensão da génese dos problemas como para a identificação das estratégias mais adequadas para os enfrentar (que se traduzirão por uma grande variedade de medidas, cuja aplicação deve, obrigatoriamente, ser testada e validada).

Desta nova abordagem decorrem variadas questões, algumas das quais se enumeram:

  1. Quais as razões, sociais e/ou outras, que levam tantos jovens a serem atraídos pelo consumo abusivo de vários tipos de drogas?
  2. Que tipos de apoio e formação necessitam os actores sociais que os podem ajudar?
  3. Quais os factores, biológicos, psicológicos e sociológicos que determinam a trajectória de um toxicodependente?
  4. Quais os serviços necessários às vertentes da prevenção, do tratamento, da redução de danos e da ressocialização?
  5. que modificações ou melhorias de funcionamento dos sistemas legais se justificam, de forma a que a sua actuação seja mais eficaz?
  6. De um modo geral, como conciliar propostas de índole prática marcadas pelo pragmatismo e posições teóricas eventualmente mais rígidas?

Na Sociedade existem, infelizmente, muitas ideias pré-concebidas sobre o tema que são falsas e resultam também de uma reacção primária e não informada. É preciso, por exemplo, afirmar com clareza que: a generalidade dos jovens não abusa de drogas; muitas dessas drogas não matam; nem todos os que usam e abusam de drogas cometem crimes; os utilizadores pertencem a grupos sociais e étnicos dos mais diversos.

Também sabemos que, na generalidade, os portugueses nunca experimentaram qualquer substância ilegal e que a maioria dos que o fizeram não passou da utilização ocasional. Predomina o uso recreativo, apenas uma minoria se torna toxicodependente. Mas é relativamente a este grupo e às estruturas que o abordam que se levanta a maioria das questões assinaladas. Não só pela grande visibilidade política e social que o "fenómeno da droga" assumiu, como pelos riscos e custos para a saúde pública que lhe estão associados e a criminalidade que por vezes o acompanha.

Os desafios que enfrentamos são claros: como proteger os jovens e os mais vulneráveis, que tipo de alternativas oferecer aos marginalizados, como impedir que as regras sejam violadas, como sancionar os que beneficiam do tráfico de drogas? A "guerra da droga" é o paradigma daqueles combates cujos actores, dominados pelas emoções, crêem poder vencer sem pensar. Resultado: nem o fenómeno das drogas foi vencido nem dele dispomos de conhecimento tão solidamente fundado como desejaríamos.

As recomendações estratégicas que se seguem estão claramente limitadas pelo acima exposto, necessitando por isso de revisão e actualização permanentes no futuro próximo.

1. Prevenção

  • 1.1 O foco das acções preventivas incidir preferencialmente no fim da infância (9/10 anos) e inicio da adolescência (12/13 anos), pela importância de que essas etapas charneiras se revestem. Sem prejuízo, evidentemente, de uma política preventiva que englobe todo o processo de crescimento, e se dirija também aos adultos nele envolvidos.

    1.2 Uma maior implicação das estruturas de saúde.

    1.3 O aprofundamento dos estudos epidemiológicos sobre o abuso de tóxicos, com realce para o consumo de álcool.

    1.4 Alteração da política informativa relacionada com as drogas, evitando a sua banalização ou diabolização.

    1.5 Um forte investimento no trabalho de rua e na formação de jovens mediadores.

    1.6 Uma profunda alteração estrutural, de forma a que o trabalho preventivo na comunidade passe a ter uma organização de responsabilidade autárquica através do Conselho Local de Acção Social (ver 5.2), sob a orientação técnica de um representante do Instituto Português das Drogas e das Toxicodependências (IPDT).

  • 2. Tratamento, Redução de Danos e Ressocialização

  • 2.1 No Tratamento:

    2.1.1 Envolver todo o sistema de saúde, e não apenas o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência (SPTT).

    2.1.2 Habilitar os médicos de família a assumir um papel de primeira linha.

    2.1.3 Dotar o SPTT dos meios humanos e materiais necessários para fazer face às actuais listas de espera.

    2.1.4 Aumentar a acessibilidade às terapêuticas de substituição.

    2.1.5 Aumentar a oferta de lugares em Unidades de Desabituação e em Comunidades Terapêuticas.

    2.1.6 Possibilitar a todos os toxicodependentes presos tratamento por técnicos com formação adequada.

    2.2 Na Redução de Danos:

    2.2.1 Reconhecer que os filhos dos toxicodependentes são uma população em risco sensibilizando e preparando os médicos de família para se tornarem os coordenadores de uma estratégia de apoio.

    2.2.2 Desenvolver os programas de tratamento por substituição e criar programas de substituição de baixo limiar.

    2.2.3 Criar gabinetes de apoio e centros de abrigo que, preferencialmente, se articulem com equipas de rua.

    2.2.4 Dar novo fôlego ao actual programa de troca de seringas.

    2.2.5 Implementar nas prisões uma eficaz política de redução de riscos (ver 3.1.4).

    2.2.6 Tornar a política informativa mais rigorosa e especifica (ver 1.4).

    2.2.7 Facilitar o acesso dos toxicodependentes aos meios contraceptivos.

    2.3 Na Ressocialização:

    2.3.1 Criar incentivos para o desenvolvimento de redes de clubes e colectividades recreativas e culturais

    2.3.2 Desenvolver a rede de centros de dia.

    2.3.3 Desenvolver a rede de unidades residenciais de reinserção

    2.3.4 Apoiar o desenvolvimento de grupos de auto-ajuda e iniciativas de formação profissional.

    2.3.5 Criar bolsas para estágios profissionais e apoiar programas de procura e manutenção de emprego.

    2.3.6 Apoiar as experiências de emprego protegido e a criação de empresas de reinserção.

    2.3.7 Criar residências permanentes para toxicodependentes doentes ou deficientes.

    2.3.8 Facultar junto das empresas, serviços públicos e escolas mecanismos de acesso ao tratamento nos casos de detecção precoce de toxicodependência.

  • 3. Enquadramento Legal e Perspectiva Internacional

  • 3.1 De tipo organizativo e funcional:

    3.1.1 Constituir uma "task force" com vista à racionalização da articulação entre os sistemas Judiciário e de Saúde.

    3.1.2 Dotar os tribunais de informação sobre as competência existentes no domínio das perícias sobre estados de toxicodependência.

    3.1.3 Desenvolver um modelo de coordenação policial do sistema de combate ao tráfico de droga mais integrado.

    3.1.4 Investigar a realidade prisional no que se refere à ligação toxicodependência-crime para que o tratamento e a reinserção possam ser efectivos.

    3.1.5 Desenvolver uma melhor articulação entre o IRS e o sistema judiciário.

    3.2 De reformulação legislativa:

    3.2.1 Maleabilizar a aplicação do artigo 25º da Lei da Droga em ordem a poder atender-se a factores geradores de menor culpa - v. g., condição social e grau de toxicodependência.

    3.2.2 Retirar o requisito da exclusividade exigido pelo artigo 26º da Lei da Droga em casos especiais (necessidades de subsistência).

    3.2.3 Estudar medidas para uma melhor graduação das sanções para o tráfico de droga.

    3.2.4 Permitir que a colaboração prestada na fase de julgamento possa beneficiar o arguido que demonstra arrependimento sincero (artigo 31º).

    3.2.5 Clarificar a posição do médico que prescreve drogas de substituição (artigo 27º).

    3.2.6 Descriminalizar o consumo privado assim como, a posse ou aquisição para esse consumo (1) (artigo 40º).

    3.2.7 Reintroduzir o principio da oportunidade quanto ao consumo de droga, com ou sem a medida de tratamento.

    3.2.8 Prever a medida de tratamento em alternativa à prisão ou multa e a possibilidade da suspensão da execução da pena de multa por consumo, alargando as hipoteses de suspensão nos casos a que se referem os artigos 44º e 45º.

    3.2.9 Rever a portaria n.º 94/96 de 26 de Março, ajustanto o principio activo à dose média individual diária, impondo claramente aos laboratórios a obrigação de o indicarem, bem como as misturas introduzidas.

    3.2.10 Prever expressamente a utilização de fotografias, de material audiovisual ou semelhante, na investigação de processos de tráfico de droga.

    3.2.11 Aprofundar o estudo do tema denominado da inversão do ónus da prova em matéria de branqueamento de capitais, em que uma cisão entre as instancias criminal e cível pode constituir uma pista util.

    3.2.12 Regulamentar os exames para controlo de consumo de drogas pedidos por empregadores, salvaguardando os interesses em causa.

    3.2.13 Prever formas de ponderação sobre os pedidos de autorização para manifestações (ex. Raves (2)) onde o consumo de drogas é fomentado.

    3.3 Na perspectiva internacional:

    3.3.1 Preparar um plano global calendarizado segundo os objectivos aprovados na Sessão Especial das Nações Unidas de Junho de 1998.

    3.3.2 Analisar a eficácia dos acordos e tratados bilaterais firmados entre Portugal e diversos paises, tomando as medidas correctivas que se justificarem.

  • 4. Investigação e Formação

  • 4.1 Na Investigação:

    4.1.1 Como área cientifica prioritária, estudos interdisciplinares que facilitem a construção de modelos teóricos, permitindo integrar os dados advindos das diferentes disciplinas.

    4.1.2 Como objectos de estudo prioritários, estudos descritivos da dimensão actual do fenómeno das drogas, estudos explicativos e interpretativos da "lei do efeito", estudos comparados sobre o consumo dos vários tipos de drogas (ver 1.3) e estudos de macro e micro economia das drogas.

    4.1.3 Na prática da intervenção, um levantamento crítico dos programas de prevenção, tratamento e ressocialização, a criação de metodologias de avaliação desses programas e estudos sobre a necessidade, viabilidade e o tipo de experimentação social sobre as drogas no nosso país.

    4.1.4 Implementação dos mecanismos necessários para a constituição de um comunidade cientifica estável neste domínio.

    4.2 Na Formação

    4.2.1 Programar de imediato a formação inicial no domínio das drogas nos planos de estudos das árreas profissionais relevantes.

    4.2.2 Programar e organizar a formação dos profissionais intervenientes.

    4.2.3 Constituir sistemas de troca permanente de experiências de intervenção e de métodos de avaliação.

    4.2.4 Concretizar programas de formação que quebrem o isolacionismo disciplinar e profissional.

    4.2.5 Desenvolver competências para o trabalho de equipa.

    4.2.6 Planear acções de formação em torno de problemas emergentes.

    4.2.7 Constituir uma Unidade Permanente de Formação (ver 5)

  • 5. Implicações Organizativas

  • 5.1 Na Intervenção Directa:

    5.1.1 Manter as competências previstas no Dec.-Lei 15/93 e diplomas complementares.

    5.1.2 Criar um Serviço Nacional responsável pelas funções de recolha análise de dados, promoção da investigação, formação dos profissionais, intervenção preventiva na comunidade, apoio às acções privadas, cooperação internacional e avaliação de programas.

    5.2 Na Coordenação Nacional / Articulação:

    5.2.1 Extinguir o Projecto VIDA".

    5.2.2 Implementar a coordenação pelo Ministro Adjunto, em concertação com os Ministros da Saúde, Educação, Justiça, Administração Interna, Ciência e Tecnologia, Juventude Trabalho e Solidariedade.

    5.2.3 Fomentar um tipo de articulação entre os serviços a nível nacional, regional e local que decorra da orientação conjunta do Ministro Ajunto e dos Ministros que tutelam os diferentes serviços, com base em instancias simples e flexíveis e seja assumida directamente pelos responsáveis dos serviços descentralizados.

    5.3 No Desenvolvimento / Execução da Estratégia

    5.3.1 Promover avaliações periódicas por entidades externas da passagem à prática da estratégia preconizada.

  • Publicado sem o conhecimento do governo

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