SIMBOLISMO ILIMITADO NAS LEIS CRIMINAIS

Tradução livre do comentário efectuado pelo Prof. Dr. jur. Lorenz Böllinger, professor de direito criminal e criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Bremen, sobre a decisão do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha sobre o problema legal da cannabis.


1. CONTEXTO

2. CRITICA DA ARGUMENTAÇÃO UTILIZADA PELO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

A. Direito à liberdade e o principio comensurabilidade

B. Delimitação dos princípios básicos legais

C. O contexto pseudo - empírico da interpretação da lei

D. Contradições normativas e a lógica circular

E. O escamotear dos efeitos perversos da política actual

F. Crimes sem vitimas - crimes sem culpa

G. A definição de dano pela acumulação de não-dano

H. O procedimento legal da solução despenalizadora

I. A continuidade das desigualdades na aplicação da lei

K. A flexibilidade da definição de "grandes quantidades" para distribuição

L. A responsabilidade do consumidor de álcool - mas não de drogas ilegais!

M. O álcool não entendido como substancia psicoactiva

3. OS VOTOS DISSIDENTES

4. CONCLUSÃO


1. Contexto

Um dos princípios básicos do sistema democrático alemão, é a regra da lei: qualquer tomada de acção pelo poder do estado tem de ser directa e especificamente determinada pela lei definida no parlamento. A Alemanha tem, na teoria, um sistema democrático constitucional altamente sofisticado com poderes para definir e aplicar a lei. O principio referido será, no caso da lei penal, aplicado de forma bastante ponderada e após uma investigação intensiva, já que a lei penal e produtora das mais severas interferências nos direitos individuais básicos. Consequentemente o direito criminal na Alemanha é estabelecido não apenas para proteger determinados valores e as vitimas mas também para preservar os direitos constitucionais dos cidadãos que estão sobre investigação ou são acusados de algum delito. Deste modo na ciência do direito criminal, na teoria, na metodologia e na doutrina, o principio da interpretação e aplicação da lei em conformidade e concordância com a constituição é um fundamento da máxima importância. Como o acto legislativo por si só não e considerado como garantia suficiente da constitucionalidade de qualquer lei, a Constituição Alemã (abrv. GG) determina no seu Art. 100 um procedimento de análise a ser efectuado pelo Tribunal Constitucional Federal (abrv. BVerfG).

Foi neste contexto que em 12/12/91 o Tribunal Criminal Regional de Lubeck, Alemanha, sobre a direcção do Juiz Wolfgang Nescovic, decidiu aplicar o Art. 100 GG, suspendendo os procedimentos e submetendo o parágrafo 29 da lei da droga alemã (abrv. BtMG) ao Tribunal Constitucional Federal, de modo a que este desse o seu parecer sobre a sua constitucionalidade no que respeita a cannabis. O caso sujeito a decisão consistiu na tentativa de introdução de 1,12 gramas de haxixe numa prisão, levada a cabo por um indivíduo do sexo feminino que a procurou entregar ao seu noivo que estava encarcerado. Pela aplicação da lei vigente a arguida seria condenada a pelo menos um ano de prisão efectiva, já que era reincidente. O Tribunal Criminal Regional considerou que tal sentença seria excessiva e manifestamente desproporcionada. No relatório de 70 paginas em que este tribunal emitiu a sua opinião, os argumentos giraram essencialmente em torno dos direitos humanos conforme definidos na constituição alemã: liberdade de acção (Art. 2 Par. 1 GG); o direito geral a liberdade, significando este direito geral, o direito de não se encontrar confinado a outra situação que não seja a base da lei e os procedimentos legais (Art. 2 Par. 2 Sent 2 GG); o direito a ser tratado de forma igual a todos os outros perante a Lei (Art. 3 GG). O Tribunal Criminal Regional, deu igualmente ênfase ao que considerou como uma quebra no principio fundamental constitucional da comensurabilidade (adequação, similaridade e igual medida) de qualquer lei, regulamento e acção do estado.

O Tribunal Constitucional Federal no sistema judicial alemão tem também o poder de analisar apelos individuais baseados na invocação de se verificarem infracções aos direitos constitucionais por parte do Estado. Essas queixas são apenas aceites para analise e respectivo parecer caso a queixa tenha sido rejeitada ou indeferida pelo tribunal regular de recurso, que na Alemanha é o Tribunal Federal de Justiça, (abrv. BGD) normalmente a segunda instancia apelativa nos casos mais graves. Desta forma o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (BVerfG) tem ao mesmo tempo mais e menos poderes judiciais que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América. O BVerfG consiste em duas câmaras, operativamente independentes e especificamente competentes, de oito juízes cada, quatro deles constituem o quorum necessário para levar a cabo a acção do estado ou decisão judicial contra o queixoso.

Demorou mais de três anos para que a 2ª câmara do BVertfG decidisse sobre a questão do Art. 100 GG submetida pelo Tribunal Criminal de Lubeck. Existiram rumores de que o BVertfG teria optado por uma posição mais liberal no que respeitava a decisão que iria emitir, mas que essa posição foi alterada devido a saída de um dos juízes da câmara encarregada e da sua substituição por outro no final de 1993. A câmara incluiu no processo cinco pedidos de decisão enviadas por outros tribunais Alemães e um apelo de verificação de constitucionalidade requerido por um cidadão, que já tinha a sua sentença por delito relacionado com drogas confirmada pelo Tribunal Federa de Justiça.

Duas categorias diferenciadas de leis aplicáveis foram objecto de reavaliação: (a) Acções relacionadas com drogas orientadas para o consumo privado (importação, aquisição e posse: § 29 Par. 1 e 3 BtMG) versus entrega (venda ou oferta sem objectivos lucrativos: § 29 Par 1 BtMG). (b) A determinação da quantidade de droga objecto de criminalização: "Pequena quantidade" destinada a uso pessoal (§ 29 Par 5, § 31a BtMG) versus "Quantidade não pequena" automaticamente considerada para ser destinada a venda (§ 29 Par. 3 na antiga lei, e § 29a 30 e 31 BtMG na nova lei). A submissão para avaliação destas leis que são aplicáveis para a generalidade das drogas ilícitas foram apenas consideradas na sua aplicabilidade a cannabis.

O BVerfG, com a maioria de sete para um, declarou que todas as leis postas em causa estavam em conformidade com a constituição. Apenas um de dois votos dissidentes, o do Juiz Sommer, deu provisão aos argumentos invocados pelos requerentes, e sugeriu uma modificação substancial na lei no que respeita a cannabis. Com o conhecimento desta decisão inequívoca, um observador que se tenha apercebido das reacções quer da imprensa alemã quer da imprensa internacional, deve ter ficado perplexo porque a imprensa - entusiasticamente ou muito criticamente, mas especialmente com muito sensacionalismo - enveredaram pela conclusão espectacular de que o Tribunal Alemão do mais alto nível teria legalizado o uso de cannabis. Muitos verificaram um ligeira mudança na política alemã relacionada com as drogas, que conduziu - dependendo da perspectiva - num drama concretizado numa epidemia massificada, ou como uma melhoria da dignidade concedida aos consumidores de cannabis, atormentados pela patética criminalização a que estavam sujeitos. Por um por tempo pareceu até que este assunto seria importantíssimo nas eminentes eleições federais de 16/10/94. Este desproporcionado mal entendimento da decisão, teve as suas origens não na decisão do Tribunal Constitucional Federal, de que as leis postas avaliação eram validas segundo a constituição, mas sim no requerimento que lhes foi anexado para tal validade, nomeadamente, que a lei não deveria ser aplicada nos casos relacionados com a cannabis nos quais se verifiquem as seguintes condições: (a) uso pessoal; (b) pequena quantidade; (c) uso esporádico; (d) não colocar em perigo terceiras pessoas, tais como jovens, soldados. Isto significa que as autoridades devem intervir em todos os casos, mesmo naqueles em as quantidades da substancia seja insignificantes, deixando aberta a possibilidade da acusação retirar a queixa quando se confirmar que as condições referidas se verificaram. Deste modo o Tribunal Constitucional Federal, foi até favorável a situação anterior à alteração da lei verificada em 1992 (§ 31a BtMG), alteração essa que pressupunha a descriminalização do consumo de todas as drogas ilícitas e não só da cannabis. A má interpretação feita pelo publico em geral, pode também ser resultado do que pode ser optimisticamente interpretado como um reconhecimento do tribunal de que é necessária uma investigação mais profunda. Pelo menos no que respeita aos efeitos resultantes do consumo de cannabis, bem como no que respeita ao sistema regulamentar de controlo da referida substancia em comparação com o sistema da separação dos mercados adoptado na Holanda. Foi também insinuado que a legislação deverá reflectir os resultados das investigações efectuadas.

Esta má interpretação é em si mesma um facto interessante e merecedor de investigação e interpretação. A noticias veiculadas pela imprensa provocaram um impacto publico maior que a informação oficial veiculada pelo tribunal. Imediatamente existiu uma sensação de alivio e satisfação entre os consumidores regulares de cannabis, o que em consequência produziu um debate mais aberto sobre o uso da substancia em causa. As forças policiais foram deste modo encorajadas a não fecharem os olhos às infracções da lei resultantes do consumo individual de cannabis. Os números disponíveis até ao momento suportam a ideia de que as autoridades abrandaram as suas diligencias no sentido de aplicar a lei relativamente aos consumidores de cannabis, mal grado as directivas federais de quando e como e que as acusações devem ser retiradas. Os tribunais estão também, pelo menos assim aparentam, a rever o critério aplicado para determinar a quantidade de droga considerada altamente perigosa. Talvez a reacção histérica e dramática da comunicação social, possa ser explicada pela simples lógica da própria comunicação social, mas poderá também indicar que a situação actual está a reclamar uma verdadeira mudança nas políticas actuais. Outra razão pode ser encontrada no facto, desconhecido do publico em geral, de que os dados estatísticos sobre a as praticas despenalizadoras no território alemão, até agora baseadas na clausula ambígua - § 31a BtMG -, evidenciaram variações extremas nas acções acusatórias: durante o ano passado o nível de abandono das acusações relativas a pequenas quantidades de cannabis, variaram entre 80% (Berlim) e 6% (Baviera). O aspecto discricionário, ou seja de não igualdade no tratamento, não pode ser ignorado nem menosprezado, pois consiste num evidente e espectacular caso de desvio entre a "aplicação da lei" e o "código da lei".

Contrariamente a muitas interpretações e reacções optimistas da decisão em causa, entendo que pela sua lógica e metodologia, a decisão é prejudicial não só para os esforços efectuados no sentido de descriminalizar a posse de drogas, mas também para os princípios básicos do direito e da doutrina criminal, conforme mencionado no inicio deste texto. O impacto degenerador desta decisão numa cultura democrática e de direito não pode ser menosprezado. A decisão alheou-se dos mais vitais limites normativos numa perspectiva claramente dualista: (a) A lei criminal ser limitativa em aspectos que estão consagrados constitucionalmente; (b) Os limites constitucionais que determinam e justificam a lei penal serem sobrepostos por obrigações internacionais que penalizam determinados comportamentos. Na perspectiva deste desenvolvimento desencorajador apenas o voto dissente do juiz Sommer oferece a esperança de uma mudança futura.

2. Critica da argumentação utilizada pelo Tribunal Constitucional

O ênfase principal é colocado no exame e na aplicação do Art. 2 Par. 1 GG (Direito geral à liberdade de acção individual) e no Art. 2 Par. 2 Sent. 2 GG (Direito geral a não ser reprimido). Relativamente ao Art. 3 GG (igualdade perante a lei) existe apenas uma pequena passagem no final da lei . A medida geral aplicada é o principio da comensurabilidade (adequação, similaridade e igual medida) . Tem de ser mencionado desde já que o BVerfG durante a apresentação das premissas, ignorou totalmente o amplo debate sobre os direitos constitucionais que tem vindo a acontecer nas publicações relacionadas com o Direito e com as drogas ilícitas. Noutras situações, e contrastando com a situação em analise, não hesitou em fazer uso das discussões académicas e especializadas e entrar no discurso dos direitos constitucionais.

A. Direito à liberdade e o principio comensurabilidade

Com respeito ao Art 2 Par. 1 GG, o tribunal postulou que qualquer envolvimento com drogas ilícitas, e em particular qualquer intoxicação, não poder ser considerada como incluída no núcleo dos direitos essenciais e portanto inalienáveis da liberdade individual, que de acordo com a constituição alemã não podem ser infringidos. Esta posição e justificada pelas "múltiplas consequências e integrações sociais" desse comportamento. Esta justificação implica um pressuposto empírico, que não é de forma nenhuma verificado por si só nem tem qualquer suporte cientifico contundente. Deste modo foi ignorado que muitas das consequências e interacções relacionadas com o consumo de droga são devidos à sua criminalização.

Ao nível formal é notória uma argumentação ilógica e circular, já que o tribunal considera que a violação da liberdade de acção é justificada pelo procedimento legislativo formal do qual resultou a lei, conforme expresso no Art. 2 Par. 1 GG. No entanto a constituição alemã prevê a possibilidade de que uma lei que tenha sido correctamente aprovada na câmara legislativa continue a ser inconstitucional. Este provimento, segundo a lógica, tornaria impossível de usar a própria lei em apreciação, por ser considerada indevida, para justificar qualquer intervenção na liberdade individual previstas por essa mesma lei.

É também evidente que não existe qualquer explicação diferenciada e fundamentada para que justifique que outros comportamentos, tais como a alimentação, a comunicação inter-pessoal e as praticas sexuais, que também produzem "múltiplas consequências e interacções sociais" sejam de facto, e de acordo com a interpretação do Tribunal Constitucional, parte do núcleo dos direitos às liberdades individuais, não carecendo portanto de ser legislados para alem dos casos em que exista a violação dos direitos individuais de terceiras pessoas.

De qualquer forma, deve ser registado como positivo o facto do Tribunal Constitucional admitir que a auto-intoxicação é uma forma de comportamento humano que se enquadra no principio da liberdade de acção individual. No entanto e por não ser considerado um direito incluído no núcleo dos direitos essenciais é deste modo sujeito a uma eventual restrição do direito afirmado neste artigo, por intermédio das directivas constitucionais, da lei dos costumes, e do direito das terceiras pessoas. Apesar da afirmada legitimidade de interferência, o reconhecimento de que a auto-intoxicação é uma forma de comportamento humano que se enquadra no principio da liberdade de acção individual, pode ser tomado como uma ligeira indicação de que existe o reconhecimento de que um indivíduo tem a liberdade de decidir se pretende ou não consumir drogas.

Neste contexto será importante referir que num sentido objectivo o principio da comensurabilidade foi tomado como uma medida e critério decisivo. O tribunal Constitucional afirmou que este principio se afirma de "importância crescente para o escrutínio das provisões da lei penal, que contem as mais severas das sanções que do Estado que pronunciam a condenação ético-social de determinados comportamentos dos cidadãos". Apenas nas situações mais extremadas o deve Estado intervir nos direitos básicos de liberdade de acção dos indivíduos. Isto será apenas no caso em que a protecção dos direitos de terceiros, ou da sociedade como um todo, o exige se bem que dentro do principio da comensurabilidade. Parece importante referir que neste ponto o Tribunal Constitucional afirmou também a "necessidade de um completo equilíbrio entre a intensidade da intervenção do Estado e a importância e a urgência das justificações invocadas", bem como a necessidade de aderência ao principio de culpa. O termo "principio de culpa" dentro da teoria e doutrina da lei criminal da Alemanha tem como significado a legitimação básica da punição, e é derivado do Art. 1 Par. 1 GG: o cidadão apenas pode ser submetido ao que e explicitamente denominado "o mal da punição" se o mínimo de responsabilidade e culpa lhe pode ser imputado. Esta imputação de culpa e baseada na assumpção de que o sujeito tinha conhecimento de que agia mal e que era livre de decidir acerca da sua acção. O grau de culpa é determinado pelo tribunal que determina também o grau e limite da punição.

B. Delimitação dos princípios básicos legais

A implementação destes princípios, ainda que ideais são metodologicamente e, no que respeita ao seu conteúdo, bastante abstractos e não institucionalizados deixando muito a desejar. Na apresentação das razões que levaram a decisão existem numerosos indicadores da sua superficialidade, falta de realidade na verificação, e contradições intrínsecas. Tudo isto contribui para o que deveremos chamar de falta de empenho jurídico para a observação de metodologias cientificas e normativas. As inferências da sociologia judicial são de novo certificadas: as decisões jurídicas não são na realidade "deduzíeis de" mas sim produzidas e construídas no sentido de processo arbitrário ou pela força da capacidade comunicativa que depende substancialmente de variáveis pessoais e políticas. Na decisão do Tribunal Constitucional, também as referencias empíricas apenas aparecem como plausíveis mas, enquanto, subsequentes e superficialmente demonstrativas, assim como legitimadoras, do que foi decidido previamente de forma política ou intuitiva.

O Tribunal Constitucional mistura de forma problemática dois níveis que deveriam ser mantidos em separado: O primeiro passo, e único neste sentido, na sua argumentação consistiu na exclusão de qualquer envolvimento com a cannabis da área nuclear, e portanto inalienável, da liberdade de acção. Num segundo passo, omitido, seria necessário clarificar, pela aplicação do principio da comensurabilidade, quais é que seriam as restrições legais ao direito da liberdade de acção efectivamente necessárias, assim como a sua forma de aplicação. Este passo deveria também considerar a analise de quais as opções judiciais ou administrativas disponíveis enquanto instrumento para a almejada protecção da saúde publica e coesão social. Sendo apenas num terceiro passo, e após o cumprimento integral do anterior, e ainda de acordo com a aplicação do principio da comensurabilidade, a constitucionalidade das normas penais indicadas pela assembleia legislativa deveriam ser analisadas no que diria respeito as possíveis violações do direito geral à liberdade.

Em vez disso o tribunal desenvolveu a estratégia de dividir a análise em duas observações de dois segmentos: Por um lado, o principio da comensurabilidade e tornado operativo em três sub-principios: (a) adequabilidade na perspectiva dos objectivos judiciais; (b) necessidade; (c) proibição do excesso, comensurabilidade ou proporcionalidade no sentido estrito. Estes sub-principios foram ainda divididos, de modo que os dois primeiros - de acordo com o Tribunal Constitucional - devem ser apenas aplicados na componente da lei penal que define o comportamento indesejado e o dano punível. O terceiro, pelo contrario, apenas deve ser considerado no aplicação efectiva da lei penal, nomeadamente no grau punição sentenciada.

Quer o principio da comensurabilidade, quer as normas penais não são separáveis da forma como o tribunal constitucional o fez. A punição pode variar, em grau, de acordo com a determinação judicial da medida da culpa. Mas a questão que se prende com o recurso à legislação criminal enquanto meio de controlo social dever ser ou não aplicada, deveria ter sido examinada segundo o critério de aplicação de todos os três sub-principios do principio da comensurabilidade.

Aparte de este erro, a interpretação do Tribunal Constitucional no que respeita à necessária liberdade de opinião da Assembleia Legislativa aparenta ser aceitável. A Assembleia Legislativa terá de, em todas as leis propostas, determinar a sua adequação, necessidade e proporcionalidade na perspectiva dos objectivos a que se propõem. Terá também de se envolver numa avaliação e prognostico de todas as consequências lesivas e perigos que irão derivar da sua utilização, quer para os indivíduos quer para a sociedade enquanto todo. Este espaço de opções legislativas não deve ser inspeccionado pelo Tribunal Constitucional. Mas os métodos e os procedimentos utilizados pelos legisladores no âmbito das suas obrigações deve ser revisto pelo Tribunal Constitucional. Os legisladores devem justificar, numa base racional, não apenas as provisões criminais mas também a qualidade e quantidade das penas aplicáveis. E esta justificação deve ser efectuada, não apenas com base numa retórica superficial, mas sim com base em materiais científicos precisos de acordo com os padrões da racionalidade e consistência. Comparativamente com os procedimentos judiciais, que são concebidos para clarificar ao máximo possível a verdade empírica subjacente a cada caso, os procedimentos utilizados na produção de leis, o contexto empírico do problema social que se pretende atacar com uma lei criminal tem de ser investigado adequadamente. De outro modo o perigo de assumpções infundadas sobre a realidade, e de uma legislação intolerante e manipuladora será grande. A consequência desta filosofia básica da lei penal Alemã e que, na duvida acerca do perigo geral de determinado comportamento, o estado não tem o direito de criminalizar o mesmo, tal como um indivíduo não pode ser punido quando a sua culpa não e certa.

O Tribunal Constitucional violou este principio varias vezes. Teria sido necessário, por exemplo, o debate do termo "legitimidade", que é a única justificação usada pelo Tribunal para o uso de leis penais contra actividades relacionadas com drogas.

O mais problemático dos aspectos abordados na decisão e a determinação do "bem legalmente aceitável". Este termo bastante significativo na Constituição e lei criminal Alemã, designa determinados valores sociais bem definidos, e que devem ser protegidos. Na lei criminal estes valores legais servem como directivas. No sentido qualitativo um "bem legal" definido é a medida para justificar a criminalização, nomeadamente no sentido de proteger esse "valor legal". No sentido quantitativo ele e usado para limitar a punição: apenas se existir um dano substancial e significativo desse valor legal e que será permitido ao estado usar os meios últimos de classificação e punição criminal. Pela jurisprudência e ciência jurídica, a teoria básica da lei e da doutrina criminal foi desenvolvida ao ponto de se considerar que os "bens legais" não devem ser definidos empírica e arbitrariamente, mas terão sim de ser deduzidos metodologicamente e substancialmente baseados nos direitos individuais do homem. De outro modo o Estado será capaz de definir arbitrariamente qualquer interesse particular como um valor legal a ser protegido pela lei criminal. O Estado pode, por exemplo, declarar o seu interesse em funcionar sem perturbações como um "bem legal" e deste modo definir variadíssimos comportamentos de forma arbitraria como perturbações sujeitas a punição. Apenas em alguns casos essa criminalização pode ser excluída por razões constitucionais, por exemplo quando o direito à liberdade expressão for violado. Existem sem duvida interesses considerados significativos para a sociedade, enquanto um todo, que devem ser preservados pela lei criminal: ex. "ambiente sadio", a "paz entre nações", "a existência de Estado", etc. Estes interesses denominados "bens sociais legalmente aceites" têm, de qualquer modo, ser teoricamente baseados nos direitos humanos. Por via desta construção tem de ser argumentado, e demonstrado, que em ultima instancia é o cidadão enquanto indivíduo que é penalizado pela violação do "bem social legalmente aceite", ex: pela poluição, por causar uma guerra ou pela destruição do estado. A conexão lógica entre o interesse social e individual não deve ser muito distante, difusa ou indirecta. O Estado aparenta ter uma tendência natural para aumentar o domínio do que se classifica de "bens sociais legalmente aceites" de modo a ser capaz de criminalizar tudo aquilo que entender. E será também claro que não existem métodos precisos para eliminar a utilização indevida do termo doutrinal, e escusado será falar de sanções para quem o faca.

Mas o que o Tribunal Constitucional fez, foi sem duvida mais extenso que apenas uma interpretação do termo "bem social legalmente aceitável", foi também uma quebra na aplicação das metodologias e fundamentos consensuais da ciência jurídica e criminal. Tomou como base única para a sua argumentação a justificação tradicional das leis sobre drogas, que é, desde que o principio jurídico da protecção aos "bens legais" foi institucionalizada após a segunda guerra mundial, "a saúde publica e individual".

As alegadas evidencias que substanciam a assumpção de que a cannabis prejudica de forma dramática a "saúde individual", e como consequência a "saúde publica enquanto um todo" têm sido desde à bastante tempo colocadas em causa e provada, de forma cientifica, que a suposição em causa não e consistente com a realidade, pelo menos na extensão que se pretende. Até mesmo o Tribunal Constitucional faz notar essas duvidas. Em resultado desta observação, parece que lhes foi necessário encontrar alguma justificação adicional para a sua decisão. Esta justificação surge pela criação e definição de uma categoria secundaria de "bem social legal". Feita com base na interpretação de outro dos objectivos da constituição: a protecção da organização da vida comum, interpretação essa efectuada de forma que se considera que a organização da vida em comum terá de estar livre das perigosas consequências sociais do envolvimento com drogas. Esta justificação secundária pode ser condensada na seguinte expressão: "protecção da coerência social". Com isto, a justificação baseada na "protecção da saúde publica como um todo" de algum modo em decadência devido a falta de rigor cientifico, foi reforçada pela invocação absoluta do interesse social. Esta estratégia de atribuir legitimação suplementar, já tinha sido anteriormente preparada pelo "Supremo Tribunal de Justiça", que numa decisão de 1991, argumentou com a necessidade de proteger os jovens e as famílias enquanto um todo de todas as dificuldades relacionadas com drogas.

Em terceiro e ultimo lugar, como justificação adicional da sua decisão o Tribunal refere os tratados internacionais, em especial a Convenção de Viena em 1988, que e interpretada como uma obrigação da criminalização por parte da Alemanha do envolvimento com cannabis.

Pela utilização desta justificação, da legitimidade, de forma tripartida, "protecção da saúde publica", "protecção da coerência social", e "obrigações internacionais", o tribunal renunciou a necessidade, consensual no âmbito das ciências e doutrinas jurídicas, de legitimação substancial para qualquer lei criminal. Enveredou por argumentações dúbias que ao serem invocadas levam a que tudo seja passível de ser considerado punível de forma arbitraria. Os objectos enumerados pelo tribunal, que supostamente são lesados e consequentemente protegidos, são completamente vagos, difusos e abstractos, não podendo ser relacionados de forma razoável com os direitos humanos individuais. Pela aplicação da mesma lógica será justificável criminalizar o consumo de açúcar: o açúcar é, de certo modo, gerador de dependência. Tem também a característica de conduzir ao consumo exagerado, situação que se torna lesiva para a saúde individual. Pelo que ao nível colectivo também a "saúde publica" enquanto um todo é afectada de forma objectiva e mensurável.

Ainda mais abstracta e difusa é a necessidade postulada de proteger a comunidade internacional das nações. Isto introduz um objectivo definido externamente, como forma de justificar a lei criminal alemã. Como esse objectivo não é nem metodologicamente nem substancialmente compatível com a ciência e doutrina criminal Alemã, antes de ser invocado, ele teria de ser primeiro assimilado pelo nosso sistema jurídico. Da forma referida, essa necessidade não pode ser considerada compatível com o sistema Alemão, tal como, a "protecção da comunidade internacional das nações" não pode ser relacionada com a definição de "bem legal" ,daqueles que, de acordo com a lógica do Tribunal Constitucional, são para ser protegidos das consequências do envolvimento com drogas. De acordo com a doutrina jurídica alemã, quando a punição individual não cumpre com o objectivo primário de resocialização e reeducação do punido, é considerada uma violação do Art. 1 GG ("dignidade do homem"). Se a punição é desnecessária e sem sentido não pode ser usada para ensinar os outros, para prevenir o crime de forma geral ou outro objectivo externo. Pela a introdução deste tipo de objectivo de natureza externa, os princípios da causalidade, imputabilidade e responsabilidade, essenciais na lei criminal germânica, são dissolvidos e a capacidade de evitar a arbitrariedade é também reduzida. Um indivíduo apenas pode ser punido se preencher as condições base necessárias para legitimar uma lei criminal, no sentido em que estas foram originalmente desenvolvidas. As condições previstas na "lei da droga" germânica não foram impostas com o objectivo de proteger as relações internacionais da Alemanha nem de proteger interesse da comunidade internacional. Quando se observam os acordos internacionais na perspectiva da constituição Alemã, deve ser também que esses acordos não se podem sobrepor a ordem constitucional do Estado.

Mais ainda, toda a argumentação do tribunal constitucional representa um contra-senso face a lógica legal: prejudicar-se a ele próprio, ou mesmo o suicídio, não é punível, de acordo com a constituição e direito germânico. Sendo completamente irrazoável e contraditório que o consumo de drogas seja punido, mesmo que eventualmente se assumisse, contra as evidencias disponíveis, de que o consumo de drogas, por si só, é particularmente prejudicial para o consumidor; enquanto que o suicídio enquanto a mais extrema e dramática das formas de autodestruição não seja punida. No sentido de resolver esta contradição, foi introduzido um argumento suplementar, enquadrado na "protecção da saúde publica": o postulado da colocação em risco de terceiras pessoas. Este postulado é baseado na asserção de que os actos de, consumir ou distribuir droga, têm a capacidade de levar os que os visualizam a praticar os mesmos.

Tudo isto é de uma relevância que transcende o problema da "lei da droga": os métodos e os argumentos usados modificam de facto os conceitos básicos da lei criminal germânica. De acordo com a sua filosofia original, a lei penal deveria ser reactiva, ou seja, deveria surgir e ser aplicada após a efectivação de qualquer violência real. Isto implica que a verdade substancial tem de ser meticulosamente apurada caso a caso (§ 244 StPO = Código Processo Penal), que a culpa no sentido individual tem de ser provada e que a negociação da defesa não e legalmente possível. Actualmente, a lei criminal, tem vindo a ser utilizada de forma cada vez mais intensa como um instrumento ao serviço de um conceito de lei de operacional, preventivo e predefinido.

Esta cenário deixa claro que a lei penal, que se pretendia reservada para casos de violação evidente e desumana dos direitos de terceiros, se está a transformar numa lei de carácter geral, e até político, já que, também de forma crescente, as leis penais estão ser instituídas como forma de conduzir assuntos de ordem política e resolver problemas sociais, ao nível dos sintomas, em vez de ser proceder à solução dos problemas pela execução de um plano de política social ao nível das causas.

É de alguma forma alarmante, observar, que o supremo tribunal não desenvolveu nenhum esforço no sentido de se empenhar na observação do intenso debate cientifico que ocorre actualmente acerca destes problemas legais e conceptuais. Pura e simplesmente ignorou todas as questões que foram levantadas.

C. O contexto pseudo - empírico da interpretação da lei

Tendo afirmado que a lei penal é adequada e necessária para combater os supostos perigos derivados do consumo de cannabis, o Tribunal constitucional, entrou pelo contexto empírico das hipóteses de perigo. Chegando à conclusão que: "o estado actual do conhecimento continua a indicar que perigos e riscos de substanciais não estão afastados". Esta conclusão é afirmada como suportada pela pesquisa, alegadamente executada pelo tribunal, dos mais variados materiais científicos disponíveis sobre o assunto. Uma observação atenta deixa claro que a pesquisa realmente efectuada pelo tribunal foi escassa e superficial. O material observado, pelo tribunal, consistiu, em parte, por um relatório sobre o assunto produzido pelo departamento de criminologia da policia federal ("Bundeskriminalamt"), o qual contem falhas na metodologia e sofre de falta de recepção nos meios académicos, e na maior parte dos estudos independentes sobre o assunto; um memorando do Ministério da Saúde Alemão ("Bundesgesundheitsamt "), que é manifestamente parcial, superficial, e constitui uma exposição tendenciosa de outros documentos; e ainda "outra documentação" que alegadamente foi observada pelo tribunal, mas sobre a qual foi omitida qualquer referencia concreta. Esta falha nas técnicas de exposição e argumentação não seria aceitável num estudante universitário. No entanto, as três principais fontes referidas pelo tribunal, são representativas e são produto do trabalho de especialistas reconhecidamente competentes na matéria: um deles, que pode ser entendido como representativo do que se pode chamar posição liberal, efectuado por S. Quensel da Universidade de Bremen; o segundo da autoria de K. Taschner, um clínico e professor de psiquiatria forense em Stuttgart, que a várias décadas afirma que o consumo de cannabis tem consequências gravíssimas e desenvolve a propensão para o que se denomina flashback; o terceiro e da autoria de Geschwinde, um advogado que diligentemente estudou inúmeras fontes, relatórios e documentos, mas que chegou a uma conclusão bastante conservadora. Esta diversidade das fontes dá, de certa forma, a aparência de que o tribunal observou um representante importante de cada uma das posições relevantes sobre o assunto, e depois tratou de toda a informação de uma forma autenticamente académica. Mas se observarmos o texto com mais atenção, poderemos encontrar claros indicações de que esta abordagem não foi efectuada de facto. O que se encontra dos trabalhos referidos são apenas algumas citações e conclusões, que devido à sua superficialidade aparentam não ter tido qualquer influencia para a tomada de uma decisão que provavelmente se encontrava preconcebida nos elementos do senado. Esta actuação reflecte um pragmatismo típico da magistratura: o que conta é uma plausibilidade superficial e não um debate com argumentação de nível académico. Foi com o puro intuito de efectuar uma exposição e legitimação da sua opinião pré-concebida que o tribunal apresentou as diferentes opiniões e as articulou de forma a aparentar que foi delas que deriva a sua conclusão.

E necessário ainda referir que a câmara encarregue da decisão formulou um principio ao qual não se manteve fiel: a justiça tal como os legisladores devem observar os resultados empíricos e teóricos que derivam das ciências com relevo no assunto antes de produzir julgamentos ou leis. O método adequado para se observar este principio será qualquer forma de audição de especialistas no assunto. A mesma ideia foi também avançada noutra parte da decisão, onde a câmara afirma que: "os legisladores são obrigados a observar e a examinar os efeitos das leis vigentes, tomando também e consideração as experiências verificadas noutros países". Mesmo que na prática judiciaria e legislativa real, este principio de verificação da realidade se mantenha em larga medida uma teoria, de qualquer modo, na maior parte dos casos, oferece uma oportunidade de futuros progressos e criticas.

Deve também ser feito notar que, mesmo que as evidencias cientificas referidas anteriormente não tenham contribuído de facto para a construção da decisão, algumas delas foram basicamente aceites pelo tribunal. Por exemplo, é novidade no sistema legal admitir que, o consumo de cannabis na generalidade não tem necessariamente consequências graves; e também é novidade o reconhecimento que um numero de cidadãos cuja a estimativa oscila entre os 800 mil e os 4 milhões são consumidores de cannabis, e que aproximadamente 56% destes são consumidores esporádicos. Actualmente é também aceite de forma geral que os efeitos do consumo de cannabis, como de qualquer outra droga, não dependem apenas da substancia em sim, mas também do contexto quer individual quer ambiental. Algumas das alegadas características atribuídas à substancia, tais como, a formação de tolerância, a dependência física, assim como a teoria do degrau e a suposição de causalidade na formação do denominado síndroma amotivacional, tem sido cautelosamente colocadas em causa.

Mas de qualquer modo, a forma como o tribunal processou e considerou todas estas evidencias e informações, resultou no que pode ser considerado uma caricatura da realidade. Varias expressões, como aquela da "saúde publica" não foram de forma nenhuma operacionalizadas ou pelo menos diferenciadas em conformidade com a sua utilização empírica ou legal. O termo "Volksgesundheit" que foi utilizado na justificação original da lei, foi evitado, de forma evidente, pelo tribunal, já que é um termo com algumas conotações fascista. Mas existiu a manutenção da ideia que continua a existir alguns riscos que se podem espalhar de forma epidémica. Os perigos são agora relacionados não com o consumo de cannabis no geral, mas sim apenas com o uso continuado e abusivo da substancia. Foi também insinuado que o consumo esporádico conduz sempre ao consumo regular e abusivo. Esta insinuação ignora por completo os dados disponíveis que apontam no sentido de que o consumo considerado problemático, não é induzido pela substancia em si mas sim pelo contexto marginal em que o mesmo se desenvolve, pressão do grupo, e alguns problemas de personalidade pouco evidentes. A teoria de que o consumo de cannabis é a causa do "síndroma amotivacional", e ardilosamente utilizada pelo tribunal quando ele afirma, citando um dos autores considerados: "o consumo permanente de produtos da cannabis pode conduzir a comportamentos desajustados, letargia, apatia, ansiedade, falta de realização e depressão", que por sua vez conduzem a "graves disfunções no desenvolvimento da personalidade, especificamente nos adolescentes."

Apesar da "teoria do degrau" ter sido recentemente apontada como falaciosa e sem consistência cientifica, esta teoria foi reintroduzida pela afirmação de que existe uma "homogeneidade no mercado das drogas" através da qual os consumidores de cannabis são atraídos para o consumo de drogas pesadas. De novo se assiste, com esta suposição, a um escamotear de variáveis, já que deliberadamente se ignora que a "homogeneidade" é na realidade criada pela aplicação da legislação actualmente em vigor, e pode ser facilmente minimizada, através de uma política de separação de mercados, por exemplo, conforme a está a ser efectuada na Holanda. Também a argumentação de que o consumo de cannabis é uma causa para os acidentes automóveis, conforme expresso no relatório da policia federal, não é um argumento válido, já que a pesquisa em que o mesmo é baseado, invariavelmente inclui os casos em que um valor significativamente alto de álcool foi detectado primeiro. Apenas após um exame mais aprofundado as amostras sanguíneas é que se encontrou diferentes níveis de THC. Numa ultima análise a responsabilidade não pode ser imputada a acção exclusiva da cannabis mas sim a uma acumulação e interacção entre o álcool e a cannabis.

À parte destas contradições, a atitude da câmara responsável pela decisão deve ser ainda criticada por não se ter dado ao trabalho de examinar as recentes pesquisas, efectuadas de acordo com as modernas tecnologias e metodologias, sobre a cannabis. Nem a critica à metodologia nem as contraprovas acerca da validade da "teoria do dano" foram reconhecidas: O consumo recreativo de cannabis quando efectuado por pessoas informadas e integradas socialmente não causa danos apreciáveis. Os abusos no sentido de níveis elevados do consumo executados de forma permanente e acompanhados por desintegração social são extremamente raros, e mesmo os danos nocivos relacionados com a quantidade de alcatrão ingerida no acto de fumar marijuana estão longe de poder ser comparados com o que se verificam como consequência de fumar tabaco. Se são relatadas consequências negativas na saúde mental dos consumidores abusivos de cannabis, como por exemplo o acima mencionado "síndroma amotivacional", eles são explicáveis enquanto resultados paralelos e interactivos das condições e desenvolvimentos que levaram ao uso abusivo em primeiro lugar. A construção de uma casualidade primaria entre o consumo da cannabis e os problemas mentais é uma fraude.

Sem qualquer pesquisa cientifica ou reflexão metódica a suposição empírica da contagiabilidade do consumo foi considerada suficiente para suportar a decisão legislativa. A "teoria da infecção" é derivada dos modelos de casualidade aplicados na medicina para explicação da propagação das doenças provocadas pelos vírus e bactérias. Este modelo teórico é inválido quando observado do ponto de vista psicológico. Os processos e o desenvolvimento da motivação humana são de longe mais complicados do que é sugerido por este modelo rudimentar de causalidade linear, segundo o qual o simples facto de observar o consumo de cannabis ou receber uma quantidade de uma substancia ilícita tem uma influencia significativa no comportamento humano.

Além de ser incompreensível como é que a câmara ignorou totalmente a totalidade das evidencias da criminologia sobre o efeito circular e as consequências negativas da política criminalizadora e da repressão executada ao seu abrigo. A isto acresce que esta mesma câmara pura e simplesmente ignorou também na totalidade a utilidade medicinal da cannabis que tem vindo a ser reconhecida de forma crescente pela farmacologia.

D. Contradições normativas e a lógica circular

Mesmo aceitando a hipótese de que o consumo de droga continua a ter por si só, e do ponto de vista cientifico, graves consequências negativas (hipótese que como foi referido é refutável), na seguinte parte da sua decisão (CI3), existe um falha flagrante na lógica normativa quando se atribui responsabilidade e culpa aquele que pela sua atitude é um exemplo do consumo de droga ou distribui a substancia ilícita.

As bases da nossa ordem constitucional, incluindo a lei criminal e a ética geral, é uma imagem antropológica da liberdade de decisão humana, da sua autodeterminação e responsabilidade própria. É geralmente assumido que um indivíduo mediano é capaz de se auto dirigir. Esta filosofia humanista é alienada pela pouco elaborada e deselegante, alem de a sua verdade não ter sido demonstrada, suposição de que sobre a influencia do consumo de cannabis, ou pela mera observação do mesmo, o indivíduo deixa de ter a capacidade de autodeterminação. Isto implica que sobre a influencia fisiológica ou meramente visual das substancias consideradas drogas, não importa a quantidade ou a intensidade, os indivíduos são legalmente considerados incapazes de usarem a sua autodeterminação. Esta consideração difere bastante do procedimento formal utilizado para declarar um suspeito insano, no sentido da lei criminal germânica (§ 20 StGB). De acordo com o que esta preciso na lei, seria necessário determinar empiricamente e julgar legalmente que o suspeito estava incapaz de determinar a situação ou ajustar o seu comportamento face a situação. Desta forma ignorando a evidencias empíricas, uma suposição psicológica acerca das motivações externas é construída de forma normativa. Um observador do consumo de droga e imaginado como tão afectado pelo que vê que será provável que copie esse comportamento. Este modo de pensar é derivado dos modelos de propagação das doenças infecciosas, e mais especificamente dos pressupostos da transmissão intencional ou por negligencia de vírus ou bactérias. Dando um exemplo, torna-se notório que não existe uma causa directa no dano na saúde de terceiros, como a que existe no caso de uma infecção intencional de terceira pessoa com o vírus da gripe ou da sida. No caso da gripe não o agente não é punível já que a sua acção e considerada "socialmente adequada" . No caso da sida, e de acordo com a lei criminal Alemã, apenas se o recém infectado, quer por inoculação artificial quer devido ao acto sexual, não estiver infectado dos riscos que corre. A diferença relativamente as drogas, e que para o risco das drogas se materializar tem de existir a concreta determinação de vontade e de tomada determinada de uma acção por parte da suposta vitima. Implicitamente, e de forma fabulosa e contraria a muitos outros casos de "mau exemplo" a "vitima" no contexto normativo especifico é concebida como incapaz de autodeterminação.

E. O escamotear dos efeitos perversos da política actual.

O próximo passo - seguindo o processo formal de pesquisa pelo principio da comensurabilidade - é devotado ao primeiro sub-principio "Geeignetheit": a questão de se verificar se a "lei contestada está adaptada e é adequada ao objectivo de suprimir a distribuição de droga ao publico em geral e deste modo reduzir os problemas que advém do seu consumo". A câmara produz esta afirmação sem qualquer discussão ou argumento. Parece estranho que um vasto leque de pesquisas criminais e os discursos académicos sobre as políticas criminais acerca dos indesejados, contra-produtivos, e até destrutivos efeitos secundários e consequências da criminalização da cannabis e das outras drogas, tenha sido ignorado. Esta situação dificilmente pode ser interpretada de outra forma que não seja de apodíctismo auto-complacente de um painel de judicial sabendo-se ele próprio livre de qualquer outra inspecção. Este é um tipo de concepção indevida em que o tribunal constitucional assume a função de supremo regulador institucional da condução política no que se refere da defesa da moralidade publica e na supressão de determinados estilos de vida. A este respeito também se pode encontrar algumas similaridades no recente veredicto do tribunal constitucional a respeito do direito ao aborto.

Igualmente sem qualquer fundamento razoável é a seguinte afirmação da suposição legislativa que a criminaliza as actividades relacionadas com a cannabis "é necessária para alcançar os objectivos da legislação". Esta questão da necessidade constitui o segundo sub-principio do principio básico da comensurabilidade. Apesar desta situação incorrecta pode-se afirmar que o tribunal não se apropriou do poder legislativo, coisa que teria sido efectuada dizendo quando e como qualquer problema social deverá de ser atacado por via da lei criminal. Esta decisão terá de permanecer dentro da esfera de julgamento e escolha da câmara legislativa. Foi também correctamente apontado que "em determinados casos, nos quais se verificam condições especiais, será possível que as evidencias da criminologia merecedoras de confiança devem ser tomadas em consideração aquando do exame a qualquer legislação, ao ponto de forçar a câmara legislativa a actuar de uma forma particular com uma matéria que é necessário legislar de forma constitucional, ou a rejeitar uma possível solução para a qual já tenham sido promulgada como lei". Isto implica a necessidade de se rever se o acto legislativo foi efectuado de acordo com os procedimentos legais e formais que são devidos. De acordo com o processo legislativo alemão e de acordo com a teoria académica do desenvolvimento dos processos legislativos, terá que existir uma exposição sobre o assunto e uma estudo exaustivo sobre os fundamentos da criminologia e das ciências sociais aplicadas ao problema a resolver. Deve também existir estudos e pesquisas levadas a cabo pelo próprio parlamento - normalmente sobre a forma de subsídios a pesquisa e audição de especialistas - acerca das praticas de controlo social e das variadas técnicas e estratégias disponíveis para construir e implementar esses controlos. Esta forma de explorara o assunto inclui o levantamento de questões acerca dos possíveis efeitos, e efeitos secundários, da medida legal e da sua implementação futura. Os legisladores tem de considerar diferentes possibilidades legais ou níveis administrativos de regulamentação e terão de escolher aquele que se apresentem como menos lesivos para os direitos humanos individuais. Um exemplo de como actuar na resolução de problemas sociais é a forma como o perigo de infecção pela sida foi tratado na Alemanha. A criminalização de vários tipos de comportamento sexual foi considerada enquanto instrumento susceptível de ser utilizado, mas posteriormente abandonados por serem considerados desapropriados e desnecessários. Uma estratégia de reforço na informação e educação acerca das praticas de sexo seguro foi considerada e provou ser mais eficiente e menos lesiva em temos de direitos humanos. Isto significa que os legisladores têm a obrigação geral de se reger pelas suas normas profissionais e usar de todas as diligencias possíveis na sua acção. O Tribunal Constitucional não se deu ao trabalho de ao menos mencionar esses padrões, quanto mais rever a sua aplicação. O tribunal apenas cita a suposição afirmada na convenção de Viena de 1988 de que a criminalização é instrumento correcto, e que até agora esta afirmação não foi refutada. Deste modo o próprio Tribunal Constitucional violou os princípios normativos do procedimento na analise das leis.

O terceiro passo, segundo a constituição, na aplicação do principio da comensurabilidade consiste na medida da comensurabilidade ou da proporcionalidade no sentido estrito do regulamento legal e no que respeita à gravidade do problema social e ao grau de culpa do suposto arguido. Neste caso, o senado, tal como foi referido anteriormente, dividiu o exame. Em contradição com a opinião expressa pela maioria dos especialistas alemães em direito constitucional, incluindo a do juiz Sommer, a maioria do senado afirma que: a aprovação de um decreto legal tem apenas como pré-condições os sub-principios da "adequabilidade" e "necessidade". Esta afirmação é justificada pela observação de que apenas serve para fortalecer o conhecimento publico dessa norma pela restrição e pela extensão da punição. Apenas se a lei for aplicada e implementada pela punição real se deverá aplicar, de acordo com o senado, o sub principio da "proporcionalidade". Nesse caso tem de se verificar se de facto a punição assim como a extensão dessa punição não é proporcional a acção punível. As mencionadas opiniões contrarias por parte dos especialistas alemães neste campo continuam a afirmar que até a intimação para a punição, conforme expresso no decreto lei, já é uma forma de intrusão, não apenas no direito geral de liberdade de acção conforme reforçado no Art. 2 Par. 2 frase 2 GG, mas também no direito à liberdade expresso no Art. 2 Par. Sent 2 GG.

Justificar a proibição total da cannabis argumentando que é necessária para proteger a "saúde publica", "aspectos sociais importantes" ou a "coerência social" é metodologicamente e substancialmente inadequado. Esta falta de adequação na argumentação é especialmente quando o próprio tribunal afirma que, actualmente os perigos da cannabis são considerados inferiores aos que lhe eram atribuídos na altura em que a lei foi institucionalizada. Deste modo o Tribunal, no mínimo, deveria dar-se ao trabalho de explicar porque é que continua a considerar que é necessária a intimidação para punição proporcional, admitindo que os perigos atribuídos e justificativos da lei em causa são menores. Ao contrario do que afirmam as normas profissionais na aplicação da constituição, não foi completamente apreciado um aspecto em relação ao outro, tal como não foi, se bem que seja necessário na aplicação de regras legais, discutidos e apreciados os dados empíricos e criminologicos.

Se como o tribunal correctamente afirmou, os legisladores tem de apurar e apreciar os resultados das suas acções, então pelo menos deveria criticar a negligencia dos legisladores verificada neste aspecto. Alem disso, é impressionante observar a forma grosseira como o tribunal utilizou uma lógica circular na afirmação de que a população tem de ser protegida "quer das organizações criminosas que controlam o mercados das drogas quer dos seus maléficos efeitos": Em ultima análise e na realidade objectiva é a criminalização que promove a existência do crime organizado neste domínio, bem como também é a causa dos graves efeitos que as drogas ilícitas tem na sociedade.

Mais uma vez o tribunal repete a justificação tradicional de que a proibição pela lei criminal, enquanto o instrumento mais intrusivo de controlo social: "protecção de importantes aspectos sociais" ou "o bem social legal". Assim como os legisladores dos anos 70, quando a maior revisão da lei do ópio foi efectuada, o tribunal não se deu ao trabalho de desenvolver avaliações inter-subjectivas plausíveis e critérios racionais para o que deve ser considerado importante. Deste modo não existe comparação e avaliação académica, teórica ou empírica, dos invocados "aspectos sociais". Nem sequer as expressões utilizadas são explicadas de alguma forma. Desta forma é compreensível que o tribunal não encontre nada de errado no facto dos legisladores nem sequer terem tentado obter uma visão da realidade social por qualquer método. Nem sequer existe neste campo do contexto da decisão, uma mera menção ou comparação com os malefícios da nicotina ou do álcool.

F. Crimes sem vitimas - crimes sem culpa

Neste contexto, uma característica especial da lei penal germânica tem de ser discutida: a denominada "condições para o risco abstracto" ("abstrakte Gefährdungsdelikte"). Este instrumento da política criminal tem sido crescentemente usado no sentido de combater toda a espécie de perigos sociais. A razão da punição é a criação de perigo sem que exista a geração de uma vitima real. Exemplos expressivos e convincentes são encontrados no domínio do uso de materiais altamente perigosos ou a execução de acções perigosas, por exemplo: pegar fogo a um prédio, comprar e usar armas, produtos químicos ou materiais nucleares. A concepção tradicional do Código Criminal Alemão, pretende apenas acusar e punir os responsáveis quando existe uma "acção completa" e uma consequência negativa, vitimizadora, da sua acção. Contrariamente a esta ideia, o uso instrumental das "condições para o risco abstracto", resulta numa diminuição na fasquia necessária para proceder a aplicação de medidas extremas de punição e a alargar a punição a fase do planeamento e preparação das acções. Desta ultima concepção instrumental também resulta o alargamento infinito do domínio da punição, já que deriva bastante da forma informal de como o tribunal entende que o termo perigo deve ser interpretado. Praticamente todas as leis germânicas foram construídas no sentido original da concepção. Deste modo as leis que regulamentam as actividades relacionadas com drogas são as precursoras de uma transição geral, na lei criminal alemã, para um uso mais dilatado da lei criminal como um instrumento de manipular e estruturar a sociedade. Como a lei penal é em si um instrumento bastante negativo e destrutivo, torna-se evidente que a lei penal é crescentemente utilizada como substituto de políticas sociais reais e substanciais. Tem sido usada cada vez mais no seu sentido simbolicamente de que o desejo se comportar é negativamente afectado pelo decreto lei criminal, sem que existam custos directamente imputáveis que não sejam os que aumentam em resultado da aplicação da lei.

Com a utilização deste método uma das ideias básicas da filosofia da lei penal que até surgir a lei em causa tem sido seguida na integra e que com ela foi abandonada: o principio da culpa individual. Como certos comportamentos, tais como distribuir uma quantidade de droga independente da sua quantidade, são definidos na generalidade como potencialmente lesivo para importantes aspectos sociais, não é deixado espaço para a determinação de culpa nos casos individuais, situações e pessoas. Apenas num sentido muito restrito pode um comportamento dirigido ao consumo privado ser excluído da definição de altamente perigoso: apenas a compra e posse de quantidades muito reduzidas de cannabis pode ser considerada não perigosa para o publico em geral - e deste modo excepcionalmente não punível - se forem consumidas em privado, de forma individual, de forma discreta e se este for apenas um comportamento ocasional. Assim que existir algum perigo para elementos públicos, como um adolescente ou um soldado observando o consumidor, então terá de ser punido, mesmo que o consumo seja privado e apenas de uma quantidade muito pequena.

Deste modo, e em contraste com o pensamento criminal tradicional onde a acção e o dano subsequente provocado a vitima terá de estar casualmente ligado numa forma lógica e concreta, agora apenas uma relação imprecisa e abstracta e suficiente. Tendo sido instalado um nível de abstracção, já que numa forma generalizada, é assumido que o simples facto de se ostentar ou de subjectivamente se projectar para alguns elementos de risco com características publicas, e capas de os seduzir ou os atrair para a copia do acto de consumo da droga. Alem do já referido apelo a um nível de abstracção sem precedentes, outro nível de abstracção foi introduzido pela inferência de que qualquer consumidor individual pode mudar de opinião durante a acção e tomar a decisão de entregar a sua pequena quantidade a outra pessoa qualquer, que então estará em perigo de se prejudicar a si mesmo ou aos outros. Esta suposição acerca do pensamento do agente excedem a sua consciência real, elas entram de forma profunda no potencial maléfico, na sua sub-consciencia: sendo então mais do que a punição da consciência - o que é desaconselhado pela doutrina alemã. Esta forma justificativa e o que pode ser chamado de punição da sub-consciencia.

Na doutrinal da lei penal tradicional ("Dogmatik") o tipo de acções com um carácter de preparação ou assistência, apenas pode ser punido nos casos em que o "bem legal" seja de estima muito elevada, como quando a vida, a saúde, ou a propriedade esteja de facto em risco. Nos outros casos planear e preparar um crime não pode ser de todo punido. No que se refere aos casos puníveis a situação e a seguinte: se a preparação foi completa e apenas o sucesso da acção está pendente, a punição por "tentativa de cometer um crime". A punição por "assistência a terceiros no cometimento de um crime" tem de ser especificamente regulado na lei e normalmente punido numa escala menor. Mas isto não se passa com a lei dos narcóticos: onde aquelas normas abstractas são caracterizadas como condições exemplares para a definição de acções lesivas completas. Não existe tomada de conhecimento, sem falar de respeito pela livre vontade daqueles que são normativamente considerados vitimas: o simples observador do consumo privado. Possuir uma arma ou um carro e por negligencia matar alguém constituem casos de directa e evidente causalidade. Entregar uma quantidade de droga ilícita por si mesmo não tem nenhum efeito causal excepto o potencial de causar algum dano no receptador caso este a proceda a sua ingestão. A causa directa será acção de ingestão. E de notar que na Alemanha matar por negligencia e punido de forma mais suave do que entregar "uma quantidade de droga não pequena". Se as causas indirectas fossem valorizadas equitativamente, então a produção e venda de armas e carros que podem causar a morte por negligencia e intenção deveriam também ser punidas.

G. A definição de dano pela acumulação de não-dano

Mas não é só a definição de perigo extremamente abstracta e causada indirectamente. O senado também entende que o suposto dano produzido no acto de consumo individual de cannabis sobre os definidos "bens legais", nomeadamente a "saúde publica" e a "coerência social", é bastante pequeno e, - se existente - materializa-se apenas na cumulação de inumeráveis actos. Então, apenas a agregação dos efeitos do uso vulgarizado, definido como epidémico, é visto como gerador de um dano significativo para os referidos "bens legais". Mesmo que o acto individual não produza consequências directas significativas, o consumidor é considerado pela criação da procura como participante no perigoso mercado das drogas. O tribunal refere neste ponto os números mencionados anteriormente: a procura causada por um numero estimado entre os 800 mil e os 4 milhões de consumidores de cannabis é tida como considerável. Deste modo, o consumidor individual de cannabis é alegadamente considerado responsável pelos perigos do mercado ilícito de drogas. Devido a esta construção a pessoa e o corpo do agente é uma vez mais usado como instrumento para o que na doutrina alemã é chamado "prevenção geral", significando, quer o controlo, quer o fortalecer de uma norma de consciência individual. No entanto e também de acordo com a doutrina, a punição apenas pode ser exercida quando existe também culpa individual. Mas a culpa individual é difícil de construir quando não existe perigo significativo para qualquer "bem legal" como consequência directa do acto individual. Uma construção abstracta similar de dano a um "bem legal" pode apenas ser encontrada na legislação da protecção ambiental, especialmente nas prescrições relacionadas com a poluição da agua. Apesar da semelhança existe uma diferença significativa. O acto individual poluidor tem uma consequência directa e imediata ao nível químico, já que modifica a qualidade da agua. O consumo de droga tem um efeito imediato no consumidor, não dando um exemplo ou entregando a substancia. Mas essa não é razão legal para a punir. A lei procura extinguir o efeito intermediário do acto, que é suposto ser potencialmente mimetizado por outro indivíduo que também não será punível. Esta situação constitui outra contradição da doutrina com a lei.

Outro problema no código penal deste tipo de "delitos cumulativos", é que o processo da aplicação da lei tende por razões praticas a concentrar-se em ofensas insignificantes acabando por criar um défice da sua aplicação nas ofensas mais importantes e verdadeiramente lesivas.

H. O procedimento legal da solução despenalizadora

Para ser consistente com a doutrina criminal germânica seria necessário não utilizar a instrumentalização do "condições abstractas do risco" mas sim recorrer à possibilidade de descrever como é que legalmente o acto individual que é considerado como perigoso para os "bens legais" nomeados. Os diferentes níveis de perigosidade deveriam ser quantificados e a punição ajustada à respectiva graduação, garantindo-se de que é provado a concretização de um perigo definido e ainda que a presença da culpa individual é provada. Seria então possível, se os legisladores ainda escolhessem banir a cannabis, definir na lei, uma quantidade da substancia abaixo da qual o cidadão estaria certo de que não iria ser punido. Esta situação satisfaria o requerimento constitucional do Art. 103 Par. 2 GG, que exige que o cidadão possa compreender e precisar, se bem que de forma relativa, uma consequência penal da sua acção. Ninguém pode ser punido por uma razão que não pode compreender, as leis têm de ser racionais e não arbitrarias.

A solução escolhida pelo Tribunal Constitucional continua dentro dos limites do actual procedimento legal e na realidade não modificou absolutamente nada: os tribunais criminais têm, desde 1971 e de acordo com o § 29 Par. 5 BtMG, poder para retirar a acusação nos casos em que apenas "pequenas quantidades" estão envolvidas. Para ser possível escolher esta opção o acusado teria de ter a intenção de consumir a substancia em privado e individualmente. O caso não poderia ser abandonado se existisse qualquer "interesse publico" em sentenciar o arguido. A definição do "interesse publico" está a cargo da acusação (advogado do Estado), ou do tribunal criminal. É para ser suposto que tal apenas se verifica quando o acto do consumo da substancia é obstrutivo ou pode ser observado por menores, soldados, e outros que sejam tomados como susceptíveis.

Nas mesmas condições a acusação tem também a alternativa de impedir a aplicação da lei, de acordo com o §153 StPO (código de processo penal) com a condição de ser com o consentimento do tribunal que conduz o processo. Esta opção foi clarificada e alargada em 1992 pelo §31a BtMG que concede à acusação o direito de decidir acerca da sobre o abandono da acusação sem que necessite do consentimento do tribunal. Esta clausula é aplicável ao uso de "pequenas quantidades de qualquer substancia ilícita. Tem sido de facto utilizada para na prática, factual e não legal, descriminalizar o consumo de cannabis.

A decisão do Tribunal constitucional representa um retrocesso face as práticas de aplicação corrente devido à sua interpretação do §31a BtMG de uma forma que exclui os consumidores frequentes ou permanentes dessa opção. Isto é contrário à interpretação da ciência jurídica, aos mais importantes comentários a lei criminal e também contrario com aquilo que a acusação vulgarmente pratica. A acusação tem de forma bastante alargada e consistente descriminalizado consumidores permanentes até mesmo de "drogas duras" desde que as condições já referidas fossem cumpridas. De qualquer modo a interpretação mais restritiva do § 29 Par. 5 e § 31a BtMG ainda não obriga a acusação e não deve ser por isso dramatizada. Mas dá a conhecer uma tendência básica para a restrição que num desenvolvimento ultimo pode influenciar a interpretação das leis.

I. A continuidade das desigualdades na aplicação da lei

A decisão do senado não foi apenas criticável já que por outro lado um aspecto tem de ser aplaudido. A segunda câmara do tribunal constitucional salientou o que deveria ser evidente para os juristas mas que na realidade não é observado na prática: a necessidade de interpretar o termo legal de "quantidade pequena" de acordo com as mudanças nos padrões de uso e os dados científicos. Pelo menos esta parte da decisão é de alguma utilidade para relembrar aos tribunais de mais baixa instancia a necessidade de reverem a quantidade limite considerada aceitável para o abandono da acusação das varias drogas ilícitas. De facto parece que a decisão já teve algum efeito nas praticas dos tribunais criminais, pois as quantidades limite tem aumentado.

De qualquer modo, o problema real continua nas diferenças interpessoais, interregionais e interestaduais do tratamento das estipulações processuais. Pesquisas mostraram, por exemplo, que na Baviera apenas 5.9% de todos os casos envolvendo pequenas quantidades de cannabis foram abandonados, enquanto que em Berlim no mesmo ano a percentagem foi de 79%. Os números recolhidos no resto do pais encontram-se espalhados entre os dois pólos. Isto mostra que a "aplicação da lei" pode desviar-se em larga medida do "código da lei" e que essa lei e procedimento formal não encerra em si a precisão relativa da interpretação que é possível na lei. O tribunal constitucional apercebeu-se deste problema. Mas em vez de escolher apoiar a solução, apropriada, de regular o problema na sua lei especifica e substantiva, diz que os estados terão de acordar em regulamentos mais precisos a aplicar na interpretação do procedimentos legais já em efeito. No sentido de facilitar esses regulamentos ele refere de forma vaga a necessidade de executar mais pesquisas.

Na ciência criminal germânica existe um extenso debate acerca de como é que esses problemas deverão ser, pelo critério doutrinal, resolvidos pelo código processual ou pelo código criminal. O tribunal constitucional nem sequer mencionou esse debate, mesmo sabendo que de acordo com os padrões de profissionalismo jurídicos deveria contar com ele e desenvolver argumentos apropriados. A principal critica contra a solução processual é simplesmente a sua não obrigatoriedade e impraticabilidade: o cidadão não consegue prever a reacção do Estado ao seu comportamento. Fazer a reacção do Estado previsível é a tarefa nobre do código penal. Tal como foi mencionado anteriormente este direito é constitucionalmente definido com um direito humano básico e inalienável. (Art. 103 Par. 2 GG). Não é apenas pela justificação doutrinal que a solução processual é inadequada, foi também já observado que as tentativas de homogeneizar, deste modo, as praticas da acusação, estão destinadas a falhar.

K. A flexibilidade da definição de "grandes quantidades" para distribuição

O Tribunal Constitucional para além de se pronunciar sobre o consumo individual, também reviu as provisões relacionadas com a punição pelo envolvimento com "grandes quantidades" de droga. Numa passagem muito pequena confirmou as provisões, baseado na suposição de que a posse ou envolvimento com "quantidades grandes" indica necessariamente a determinação de a entregar, distribuir ou vender a terceiros. Esta ideia é valorizada como representativa de um grande perigo para os "bens legais" definidos, e um indicador regular de um grande grau de culpa que por sua vez justifica a punição. A determinação da linha divisória entre uma "pequena" e uma "grande" quantidade , que será para ser baseada numa exacta medida do agente psicoactivo na quantidade apreendida - ex: 7.5 g de THC é o limite para a cannabis, que poderá ser 10% da realidade do mercado negro para esta substancia - é explicitamente deixado para os tribunais, os quais são supostamente independentes de precedentes e até da interpretação do Supremo Tribunal de Justiça. Isto difere da lei dos precedentes nos EUA Deste modo existe, teoricamente, espaço para possíveis mudanças na interpretação com base na constituição. Foi apenas com esse argumento que a decisão do tribunal de Landgericht em submeter um caso similar ao tribunal constitucional não foi sequer admitida por este. De qualquer modo, existem indicações de que estes limites discriminatórios para os vários tipos de drogas estão a subir à medida que o sistema judicial começa a ser mais indulgente em relação à cannabis e até com as outras drogas. Mas na prática, e independentemente do seu poder discricionário, a maioria dos tribunais continua a preferir seguir as interpretações do Supremo Tribunal de Justiça, sem que a tal sejam obrigados.

Existe também uma noção contraditória onde o tribunal por um lado argumenta que o "principio da certeza" ("Bestimmtheitsprinzip") (Art. 103 Par. 2 GG) é assegurado pela jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça (BGH), enquanto que por outro lado, argumenta que os tribunais menores não estão necessariamente vinculados as decisões do Supremo. E na prática a maioria das decisões dos tribunais menores são invalidadas ao nível do apelo devido aos precedentes do Supremo Tribunal.

L. A responsabilidade do consumidor de álcool - mas não de drogas ilegais!

Na segunda parte dos fundamentos, a câmara rebate de forma muito breve o argumento da equitatividade apresentado pelo tribunal de Nürnberg Landgericht, que de facto não será muito astucioso.

O presidente, juiz Nescovic manteve no seu memorando que penalizar o consumo de cannabis tem como resultado a compulsão para o consumo de álcool. Este argumento é indefensável na perspectiva geralmente assumida de que existe no liberdade na escolha dos comportamentos humanos. Deve fazer-se notar que, ainda assim, a câmara manteve que: "Mais propriamente, a decisão de escolher prejudicar a sua saúde pelo abuso dos intoxicantes disponíveis legalmente é da responsabilidade própria do consumidor". Desta forma, a própria câmara entra em contradição com o seu ponto de vista, já que assegura que a liberdade pessoal de se prejudicar a si próprio coisa que no contexto das drogas ilícitas negou vigorosamente. O tribunal também não faz qualquer menção aos efeitos dissocializantes da criminalização.

M. O álcool não entendido como substancia psicoactiva

A segunda câmara do Tribunal Constitucional também rejeitou o argumento da violação do Art. 3 Par. 1 GG devida ao tratamento diferenciado da lei relativamente aos consumidores de cannabis e aos consumidores de álcool. Dificilmente se encontra uma objecção à afirmação de que o Estado tem espaço para escolher e julgar quais os perigos para a saúde publica e para a sociedade que pretende regular e os meios a empregar. É à primeira vista plausível dizer que: desde que exista diferenças objectivas nas praticas sociais e nos efeitos das drogas, "o principio da igualdade anterior à lei não requer que todas as drogas que são potencialmente e equitativamente prejudiciais deveram ser proibidas ou permitidas equitativamente". Mas o raciocínio é deficiente e contrariado pela argumentação utilizada, já que o tratamento diferenciado dos consumidores de cannabis face aos consumidores de álcool é justificado por diferenciações totalmente inqualificáveis dessas drogas. A cannabis é, de uma forma bastante superficial definida como narcótico que subsequentemente apenas possui efeitos intoxicantes e narcotizantes. O álcool por outro lado é definido como uma substancia para consumo casual e recreativa, um bem de consumo basicamente entendido como nutriente, diversão e outras funções socialmente aceites. Deste modo qualquer consumo de cannabis é por definição abuso, enquanto que o consumo de álcool é basicamente um bem, e não é primariamente assumido para ser utilizado como intoxicante e ou produtor de qualquer estado de consciência alterado. A intoxicação alcoólica e o abuso no consumo de álcool, são devido a estas considerações apenas resultado de mau comportamento e uma espécie de efeitos secundários não pretendidos. O tribunal vai até ao ponto de referir o uso cristão do álcool como prova desta concepção. Nesta exposição a nicotina nem sequer foi considerada um intoxicante.

O tribunal não poderia estar mais longe da realidade conhecida de forma cientifica: o álcool assim como a nicotina são drogas psicoactivas, apesar de não serem muito de acção muito intensa em doses reduzidas. Mas elas são também, se bem que de forma menos perceptível, consumidas devido a essa influencia na psique, seja ela definida como uma intoxicação ou não. Os membros da câmara aparentemente tomaram a atitude burguesa da classe média alemã que numa atitude complacentemente afirma geralmente: "se bebo um bom vinho, é apenas devido a gostar do seu bom sabor, e não de forma a obter os seus efeitos psicoactivos." Desta forma o perigo da dependência física é negado. Os efeitos da nicotina são também negados de forma semelhante.

Ao contrario do que é aceite em relação às outras substancias, o tribunal recusa qualquer experiência empírica ou os factos científicos actuais que afirmam que os efeitos do consumo da cannabis dependem inteiramente da dosagem, contexto e expectativas do consumidor. Doses pequenas podem ter apenas um efeito psicoactivo mínimo e dificilmente perceptível. Outros usos possíveis da cannabis, como por exemplo a sua utilização enquanto substancia utilizada em rituais religiosos ou como fármaco são, pura e simplesmente ignorados. A tradicional diferenciação empírica e qualitativa dos riscos está completamente desajustada: contrariamente ao álcool e à nicotina, não existe perigo de morbidez ou mortalidade associada à cannabis, e até mesmo a condução de veículos automóveis não é afectada no grau que é vulgarmente suposto pelos tribunais germânicos.

O erro lógico do tribunal constitucional é assumir a ilegalidade como uma característica natural da substancia. Se a cannabis não fosse ilegal existiria uma diversidade de usos sociais da mesma, enquanto que se o álcool fosse proibido apenas o seu uso como intoxicante seria reconhecido.

O tribunal também voltou ao velho e gasto argumento da "alienação cultural" da cannabis em contraste com o álcool. Esta ideia também pode ser facilmente desmontada já que a cannabis tem estado presente até na cultura Alemã desde há séculos, e provavelmente a sua presença será tão antiga na Alemanha quanto na cultura mediterrânica onde ela remonta a alguns milhares de anos. Mas sem apelo à historia, o simples facto de existirem de 800 mil a 4 milhões de pessoas a consumir a substancia numa base mais ou menos regular, implica que ela, mesmo ilegal, está culturalmente integrada. Esta realidade confirma e reconfirma a maltratada concepção oficial de que a sociedade germânica é uma sociedade plural e multi-cultural onde o consumo e a busca da felicidade são os valores dominantes.

O senado acabou afirmando que não existe nenhum elemento característico de desigualdade no que se relaciona na indiferenciação do que é chamado "drogas duras" e "drogas leves". Desde que a cannabis continue considerada como uma droga ilícita não interessa como é que ela possa ser definida. O Tribunal Constitucional apenas afirma que deve ser deixado aos tribunais criminais decidir os seus veredictos partindo do principio reconhecido de que a cannabis e menos viciadora e perigosa, ou seja, segundo a avaliação oficial, seja considerada menos perigosa que as chamadas "drogas duras". Esta situação claro está não é muito realística, seguindo um uso racional e prudente, até as drogas duras não serão necessariamente perigosas, à excepção da reconhecida dependência física da heroína. Mas isto será outra questão.

3. Os votos dissidentes

Um dos dois votos dissidentes foi o de uma senhora, a Juíza Grasshof, recentemente designada para o tribunal. Ela concorda com a maioria do senado na decisão final mas argumenta de forma ligeiramente diferente. Por um lado, argumenta com umas situações especiais da doutrina germânica, que podem ser deixadas de lado. Por outro lado toma uma postura muito mais severa na asserção de que a cannabis é na generalidade perigosa. A sua ênfase no "bem legal" da "coerência social" foi superior a dada pela maioria do senado, e não demonstrou qualquer preocupação com a questão teórica da lei criminal ter de estar fundada substancialmente nos direitos individuais.

O outro voto dissidente, o do Juiz Sommer, difere de uma forma quase radical da maioria. Ele usa muitos dos argumentos utilizados quer neste comentário, quer nos últimos anos de debate da ciência criminal, todos eles ignorados pela maioria. O mais importante é o seu argumento é o seu argumento de que aquando da apreciação de uma lei criminal especifica, o "principio da comensurabilidade" tem de ser aplicado na totalidade dos seus três sub-principios na perspectiva restritiva dos seus efeitos assim como as suas consequências em termos da punição. Ao diferenciar os esforços inconsistentes do senado no sentido de obter informações empíricas e cientificas sobre o problema, ele chega à conclusão de que a reacção criminal ao consumo de cannabis e os comportamentos relacionados é desproporcionada e desigual, violando deste modo os direitos dos consumidores de cannabis. Ele defende que um regulamento publico sobre a produção e distribuição de cannabis, com as provisões necessárias para proteger os menores e os mais fracos, é eticamente e tecnicamente suficiente, e ainda perfeitamente constitucional. Na verdade ele considera que o regulamento aplicável deveria ser semelhante ao regulamento do tabaco e do álcool, conforme as leis germânicas que se lhe referem.

O juiz Sommer afirma observar uma violação do Art 1 GG, já que os consumidores individuais são considerados responsáveis pelos supostos comportamentos criminais de outros, nomeadamente dos criminosos que actuam no mercado negro. Ele nega também qualquer obrigação internacional no sentido de proibir o consumo de cannabis por intermédio do código penal. Por ultimo ele sustenta que, se a cannabis é para ser efectivamente proibida pela lei criminal, então as modalidades e os limites do consumo privado deverão ser fixadas metodologicamente pela lei substantiva, e não por intermédio de clausulas processuais vagas.

4. Conclusão

Esta decisão do Tribunal Constitucional sobre o problema da cannabis constitui-se em dois marcos na evolução da justiça e da sociedade - ou o que poderemos considerar como um peso que apertou a corda em torno do pescoço da concepção liberal do direito criminal, da regra da lei, e do principio de que apenas uma violação substancial dos direitos individuais, daria ao Estado o direito de violar os direitos individuais do agente da violação em causa. Uma desses marcos é a extensão ilimitada dos "bens legais" a serem protegidos pela lei da droga alemã. Isto leva-nos bem mais longe que o problema das drogas ilícitas. O termo geral de "bem legal" desenvolvido e utilizado na doutrina criminal foi tornado vago. Na sua actual interpretação torna-se vago e abstracta uma invocação do interesse social que estaria, mas deixou de estar, ligada aos direitos individuais. Na possibilidade de o Estado arbitrariamente definir qualquer interesse como um "bem legal", deixa de existir limites para propor e justificar medidas de natureza criminal como "soluções" para qualquer problema definido como publico, social, ou de Estado. Existe também pela permissão que uma organização supranacional defina o que é punível, uma desvalorização da capacidade de decisão da ordem legal nacional.

O outro marco pode ser observado na forma como actualmente se observa na lei criminal, o detrimento de se observar a necessidade da acção causal e do dano material, como base para aplicar a mais severa das interferências do Estado nos direitos individuais. Deste modo a lei criminal está a ser utilizada crescentemente devotada a uma significação simbólica, o ultimo e mais severo meio de punição torna-se uma pratica diária e corriqueira. Os políticos farão uso crescente deste meio para "resolver" os problemas. Apesar de na prática esta "solução" não tocar as causas reais substantivas de qualquer problema social. Deste modo é apenas uma mera versão de uma política simbólica sem qualquer esforço real e livre de custos directos, mas não indirectos, para alem dos custos da aplicação da lei. A lei criminal torna-se então um instrumento inflacionário de pseudo-politicas. A punição e a crueldade envolvida passarão a ser um lugar comum.

Outro significado que se pode retirar da decisão, pode ser observado na metodologia negligente na apreciação do comportamento legislativo e judicial. Não existe sequer a pretensão de "apurar a verdade" - que é idealmente uma competência dos legisladores e dos juristas. O tribunal Constitucional satisfez-se com uma verdade coloquial e manifestamente superficial, a qual apenas satisfaz de forma medíocre as necessidade publicas de plausibilidade, mas que na realidade não soluciona os problema sociais de forma substancial.

1994, Prof. Dr. jur. Lorenz Böllinger.

Professor de direito criminal e criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Bremen.


A tradução para Português, efectuada partir da versão em Inglês disponível no: DrugText WWW server, foi executada em Maio de 1997, e publicada com o consentimento da DrugText.

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