IMAGENS DA ARTE


Paulo Menezes

Jornal de Resenhas, Folha de S�o Paulo, 4 de dezembro de 1995


O p�blico brasileiro come�a a ter acesso, a partir de agora, � segunda gera��o de programas de arte em CD-ROM. Diferentemente da anterior, que armazenava as informa��es mantendo o formato de consulta como se fosse basicamente uma leitura de um livro ou de uma enciclop�dia, estas novas edi��es utilizam-se muito mais profundamente dos recursos audiovisuais caracter�sticos dos discos laser, tanto no que se refere � sua apresenta��o, quanto nos caminhos propostos para a busca de informa��es.

A Passion for Art coloca-nos em contato com a maior cole��o privada de arte p�s-impressionista, reunida pelo Dr. Alfred Barnes, m�dico e estudioso das artes, numa funda��o por ele criada nos arredores de Filad�lfia. Pensada para ser ao mesmo tempo um museu e uma institui��o educacional, foi fechada para o p�blico no mesmo momento em que foi aberta, em 1925, em virtude das cr�ticas absolutamente �cidas e destruidoras que lhe dedicaram os articulistas da �poca, chamando a sua audaciosa cole��o de �lixo� e qualificando o seu trabalho como a obra de um �lun�tico�.

Sua f�brica de Argyrol, um rem�dio para a cura de infe��es oculares, transformou-se em seu laborat�rio pessoal, pois ali ele testava as rela��es entre a psicologia de William James e o aumento do potencial de seus empregados. A jornada de trabalho foi reduzida para 6 horas, utilizando-se as outras 2 para aulas de est�tica e filosofia, ilustradas por pinturas de paisagens que ele distribu�a por suas paredes.

Tentou, destre modo, colocar em pr�tica sua concep��o de arte que, para ele, n�o deveria ser vista como algo destacado da vida cotidiana, como algo ao qual se dirigir em momentos de lazer ou em nome de uma assim chamada �cultura�.

� dentro deste esp�rito que este CD abre as portas de sua cole��o para o mundo, 70 anos depois de seu enclausuramento. Tenta mostrar- nos n�o apenas uma parte expressiva de seu acervo (temos acesso a 337 obras), as tamb�m os princ�pios que nortearam Dr. Barnes em seu trabalho e na montagem de sua cole��o, destacando-se sua predile��o por alguns artistas (comparecem 64 pinturas de Renoir, 52 de C�zanne, 40 de Matisse e 19 de Picasso), em detrimento de outros.

Organizado como se fosse um passeio a um museu, oferece-nos 4 op��es de visitas guiadas: explica-nos a hist�ria de Dr. Barnes e do nascimento da funda��o; acompanha-nos num passeio pelas salas do museu, destacando e comentando suas principais obras; apresenta-nos uma s�rie de telas organizadas segundo um tema caro ao Dr. Barnes: o nu; mostra-nos o processo de cria��o de uma de suas obras-primas: o quadro-mural A Dan�a, encomendado diretamente ao seu amigo Matisse para ser instalado na sala principal do museu.

Desde a abertura do CD j� � poss�vel sentir o cuidado em tentar incorporar imagens, m�sicas e narrativas, criando um dinamismo pr�prio que torne mais agrad�vel a imers�o neste mundo de obras que ele nos prop�e e que deixa clara a sua inova��o em rela��o aos outros CDs que apresentam obras de museus. Seu passeio pelas galerias da funda��o � feito pela simula��o de nossa pr�pria entrada nas salas de exposi��o, reconstru�das a partir de fotografias dos ambientes, com todos os quadros em seus lugares nas paredes e os m�veis em sua disposi��o real. Isto provoca uma espantosa sensa��o de realidade, que nos faz ter a impress�o de estarmos realmente caminhando pelo meio de suas obras. Podemos virar para a direita e para a esquerda, em dire��o a todas as paredes, bem como sair por uma porta e nos dirigir para a sala ao lado. Se quisermos olhar mais de perto uma obra qualquer, basta um clique no mouse para sermos remetidos � imagem ampliada daquela pintura, sempre acompanhada de coment�rios cr�ticos escritos, de uma biografia do pintor, de um portf�lio de suas obras dispon�veis e de um zoom, bastante potente, que nos permite ver aumentado um detalhe que tocou a nossa curiosidade. Neste momento � que percebemos a qualidade gr�fica inquestion�vel desta edi��o, pois somos capazes de distinguir nos detalhes n�o s� as pinceladas como tamb�m as texturas das pr�prias telas. As cr�ticas, escritas por v�rios pesquisadores e pelo pr�prio Dr. Barnes, t�m um car�ter mais de interpreta��o visual do que de arqueologia da constru��o do quadro, como as que encontramos em Art Gallery.

Uma defici�ncia desta edi��o est� no fato de n�o encontrarmos refer�ncias para termos e denomina��es de estilos e movimentos, o que acaba pressupondo do leitor um certo conhecimento das artes do per�odo e de seus processos. Nossas op��es de informa��o completam-se com o tradicional bot�o que nos permite ouvir o nome inteiro do pintor ao mesmo tempo conhecendo a pron�ncia correta de seu nome, segundo nos anuncia a voz do guia do CD. Neste caso, entretanto, a id�ia � muito melhor do que o resultado, pois todos os nomes s�o pronunciados com um forte sotaque americano o que os distancia bastante de suas pron�ncias nas l�nguas originais, na maioria dos casos, o franc�s.

Temos acesso, tamb�m, a uma Linha do Tempo que nos permite comparar v�rios eventos e pinturas em uma escala muito �til nos estudos comparativos, ao dar-nos uma vis�o geral deste per�odo por inteiro. Tamb�m por aqui podemos pular para as obras atrav�s de um pequeno toque em suas imagens.

Um outro recurso nos permite montar um cat�logo com as pinturas de nossa prefer�ncia, que podem ser mostradas sucessivamente na tela como se simul�ssemos uma sess�o de slides. Podemos ter, tamb�m, acesso a alguns documentos e correspond�ncias, com suas imagens originais, como se estiv�ssemos vasculhando as pastas de um arquivo.

Para finalizar, seu �ltimo recurso � um �ndice de pintores e obras para que possamos encontrar algum quadro em particular. Aqui, novamente, o cuidado delicado com a edi��o se faz sentir, pois, ao iluminarmos o nome da obra, uma pequena janela se abre com a imagem correspondente �quela tela, permitindo-nos saber se � realmente a mesma que estamos interessados em rever.

Extremamente atraente para os olhos, liberando o acesso a uma cole��o restrita por tantos anos, algumas limita��es, entretanto, colocam-se para algu�m que busque ali informa��es mais circunstanciadas. N�o existe neste programa nenhuma fun��o busca, o que limita as possibilidades de pesquisa de temas recorrentes por interm�dio dos documentos, das biografias e das cr�ticas. Neste caso, o interessado � condenado a fazer o seu levantamento como se trabalhasse com os pr�prios textos escritos, com a desvantagem de que aqui eles estar�o sempre na tela, pois tamb�m n�o existe a fun��o c�pia, nem para eles, nem para as imagens. Deve-se tamb�m lamentar que v�rias obras do museu, que podemos ver em suas paredes, n�o est�o acess�veis a n�s. � de se pensar se a edi��o n�o poderia ter listado estas pinturas, com imagens est�ticas em preto e branco, o que nos permitiria um mergulho mais profundo no acervo da funda��o e em suas sutilezas. Desinteressantes para os olhos de um turista, poderiam transformar-se em material de pesquisa essencial para quem se disp�e a enfrentar o per�odo investigando justamente o que dele n�o � t�o conhecido.

A luminosidade das pinturas vistas na tela de um computador � muito diferente da que a aprecia��o direta das obras nos proporciona, num processo que acentua ainda mais o brilho que as reprodu��es impressas j� apresentavam. Isto pode causar o efeito perverso de desapontar as pessoas que travaram seus contatos com as obras primeiro pelas imagens e que podem ver nas pinturas originais apenas coisas sem brilho e sem encanto, num processo de invers�o de refer�ncias entre as coisas e as imagens t�o comum ap�s a dissemina��o na vida cotidiana por das televis�es e dos computadores. Este � um risco que se corre e no qual se deve prestar aten��o

A Passion for Art surge, assim, como um passeio que certamente vai fazer com que muitas pessoas que n�o t�m acesso direto e cotidiano �s obras de arte, ou �s suas reprodu��es, experimentem pela primeira vez o saboroso gosto de uma paix�o da qual ser� muito dif�cil separar-se depois. Para todos os outros, trar� sempre a sensa��o deliciosa de reencontrar com carinho o seu amor de sempre.


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