Soberania Divina e Livre-Arbítrio Humano

Texto

Algumas vezes calvinistas vão dizer que arminianos têm um Deus pequeno. Eu tenho ouvido de calvinistas que o Deus calvinista é maior e superior ao meu pequeno Deus arminiano. Geralmente esta alegação é emoldurada num contexto de se Deus verdadeiramente salva ou não alguém no panorama arminiano. Desde que arminianos creem que Deus requer a resposta genuína de fé da parte de Suas criaturas, então Ele aparentemente é bem pequeno comparado ao Deus calvinista que simplesmente supera Suas criaturas com Sua graça e torna certa de que elas são salvas, etc. etc. - enfim, você entendeu.

Acho que este é um terrível equívoco da posição arminiana, mas é assunto para um post futuro. Por ora quero perguntar ao calvinismo qual Deus é maior em um contexto distinto. É um Deus que só pode controlar o universo mediante causa e efeito maior ou menor que um Deus que pode permitir contingências verdadeiras em Suas criaturas e ainda assim realizar Sua vontade? Picirilli faz seu argumento efetivamente em Grace, Faith, Free Will:

…Arminianos creem que não existe ameaça ou restrição à liberdade soberana de Deus, que dirige tudo (nada omitido) que Lhe agrada, tendo outro ser pessoal e livre (ainda que limitado) no universo.

Arminianos consideram que sua visão magnifica a onisciência de Deus. Na concepção arminiana do universo, Deus pré-conhece contingências reais. O homem realmente pode escolher qualquer de dois caminhos, e Deus realmente conhece qual ele escolherá.

Semelhantemente, arminianos consideram que sua visão magnifica o poder de Deus, de pelo menos duas maneiras inter-relacionadas:

  1. Deus foi capaz de criar um ser que não foi somente determinado, mas um ator que também determina coisas, um ser que é livre e à Sua própria imagem. Ele, de Sua vontade verdadeiramente soberana, foi capaz de dotar o homem com uma vontade que realmente tenha o poder de decisão e escolha.
  2. Deus é capaz de governar o exercício verdadeiramente livre da vontade humana de tal maneira que tudo segue de acordo com Seu plano. Um Deus que criou um universo complexo habitado por seres pré-programados para agir a Sua vontade seria grandioso. Mas um que pode fazer homens com vontade própria e liberá-los para agir de maneiras que Ele não determinou a eles, e ainda assim governa o todo em perfeito acordo com Seu propósito é maior.

(Página 43, itálico dele)

Então, ele cita Arminius:

Se a Divina Sabedoria conhece como efetuar aquilo que decretou, empregando causas de acordo com Sua natureza e mover - sendo a sua natureza e movimento contingentes ou livres, o louvor devido a tal sabedoria é muito maior que se ele tivesse empregado um poder que criatura alguma pudesse resistir. (ibid)

Arminianos mantêm que Deus é sábio o suficiente para realizar Sua vontade mesmo preenchendo este mundo com criaturas que são capazes de escolhas livres. Não podemos explicar exatamente como Deus faz isto, mas somos cuidadosos em não pôr limites da onisciência e infinita capacidade de Deus. F. Leroy Forlines comenta no texto que parece melhor demonstrar Deus realizando Sua vontade mediante agentes livres humanos. Calvinistas entendem esta passagem pelas lentes de suas pressuposições calvinistas, mas Forlines mostra como tais passagens podem harmonizar com a visão libertária de livre arbítrio e o entendimento arminiano de presciência divina:

É importante notarmos que Deus não prevê o futuro como um observador passivo. Ele não se limita a assistir o filme do tempo e observar o futuro que já foi fixado antes que Ele olhasse. Ele planejou o futuro. Mas quando Ele planejou o futuro acerca dos seres humanos que foram feitos à Sua imagem e semelhança e portanto seriam seres pessoais com uma mente, coração, e vontade, Ele escolheu lidar com eles de acordo com o modelo de influência e resposta. Ele tem uma relação de causa e efeito com o universo material, mas não é este o caso com a personalidade humana.

A Cruz de Cristo foi um evento predestinado. Ao mesmo tempo, numerosos seres humanos foram envolvidos de uma forma ou de outra na realização deste evento. Desde que seres humanos com livre arbítrio estão envolvidos, no evento de crucifixão, devemos entender o papel da presciência de Deus em eventos predestinados. É este o tipo de Deus que eu tenho justamente tentando descrever [um Deus que não é um mero espectador] que antevê o futuro desde toda a eternidade. Como Ele anteviu o futuro, Ele viu como este futuro se desdobraria a partir de: (1) O resultado de Sua atividade criativa e divina influência. (2) O resultado da devastadora influência do pecado. (3) O resultado da resposta que seres humanos dariam como resultado da obra redentora de Jesus Cristo, o ministério da Palavra de Deus, e o ministério dos redimidos. (4) O resultado de todas as influências que poderiam vir de fora de Si Mesmo. (5) O resultado de toda influência que Ele traria sobre as pessoas através de Seu poder e infinita sabedoria. Ele viu, então, tudo que Ele vê e está fazendo agora. Ele é o mesmo Deus agora que Ele sempre foi. Tudo que Ele está fazendo agora é justamente tão real quanto seria se Ele não soubesse antecipadamente. A onisciência e sabedoria de Deus lhe fornecem toda informação e o conhecimento que seja necessário para Ele arranjar a morte e sofrimentos de Jesus Cristo na eternidade passada. Neste arranjo, presciência foi de grande valia, mas presciência pela presciência não traz uma relação causal para o plano da crucifixão ocorrer. Sem presciência, o determinado conselho não teria pré-arranjado e predeterminado o plano. (The Quest For Truth, pg. 396)

Creio que esta explicação é mais satisfatória que a abordagem compatibilista do calvinismo. Enquanto existe um mistério em como Deus pode perfeitamente planejar um evento como a crucifixão sem violar o livre arbítrio de Suas criaturas, é um verdadeiro mistério em pé de igualdade com a Trindade, a Encarnação, e a criação ex nihilo. Não é difícil aceitar isto, dada a insondável sabedoria divina. Compatibilismo, por outro lado, exige que aceitemos dois pressupostos completamente contraditórios debaixo de um guarda-chuva de mistério. Ele nos afirma que Deus causa as pessoas em engajar numa atividade pecaminosa e ainda assim também nos afirma que Deus não é autor do pecado. Ele nos afirma que aquele que peca de acordo com o infalível decreto de Deus é responsável pelo pecado enquanto Deus não o é. Isto não é um mistério. Isto é uma plena contradição e um abuso da linguagem humana comum.

Me parece que quando se trata do âmbito e da natureza da soberania de Deus, o Deus arminiano é de longe mais sábio que o Deus calvinista. Um Deus que controla Seu universo como um mestre das marionetas não me impressiona. Um Deus que pode controlar Seu universo e realizar Sua vontade sem ter que sobrescrever ou meticulosamente controlar a vontade de Suas criaturas me parece de longe mais impressionante e digno de adoração. Creio que calvinistas não exaltam a soberania de Deus mas de fato a limitam por não incluir a infinita sabedoria na equação. A visão arminiana exalta a soberania de Deus dentro do contexto equilibrado de Sua onipotência e onisciência. Ela permite também o mistério divino em seu próprio contexto e definição, sem que esperemos contradições perturbadoras.

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Created: 2022-04-08 Fri 22:19

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