A Graça Preveniente É Bíblica?

Texto

Defender um termo como graça preveniente coloca o mesmo problema que a defesa de termos como trindade, depravação total, supra, infra, sublapsarianismo, ou mesmo Bíblia – tais termos não aparecem na Bíblia.

O que, então, o arminiano quer dizer com graça preveniente? A palavra preveniente significa "precedente"; portanto o termo, em sua forma mais simples, significa "a graça que vem antes", ou "graça precedente" (ou, como no seu uso antigo, "graça preventiva"). Então quando a Bíblia fala que somos salvos pela graça (Ef 2:8), os arminianos entendem que tal graça deve preceder a salvação se a pessoa está para ser salva (algo que nenhum calvinista irá discordar).

Este sentido de graça (preveniente) está bem longe da visão calvinista da graça de Deus (e eu diria mais – é um uso mais bíblico desta palavra). Para o calvinista, a graça, quando aplicada num sentido salvífico, refere-se à graça da regeneração. Então, o calvinista é obrigado a reinterpretar Ef 2:8 como "Pela regeneração sois salvos mediante a fé". Nós arminianos cremos que isto é levar o texto além dos limites da interpretação.

Ademais, interpretar a graça de Deus para salvação desta maneira faz injustiça a outros textos referentes à graça salvífica. Portanto, em Romanos 3:24 se deve ler "e todos são justificados gratuitamente mediante a regeneração"; e Romanos 5:2, "por intermédio da qual obtivemos acesso pela fé em sua regeneração na qual permanecemos". Isto simplesmente não funciona.

Então, os arminianos mantêm que a graça preveniente é a ação que Deus emprega através do Espírito Santo para convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16:8-11) com o Evangelho, em todo seu poder, sendo proclamado (Rm 1:16). Se uma pessoa deve primeiro ser regenerada a fim de compreender o Evangelho, como os calvinistas insistem, então qual é o poder do Evangelho?

Entendemos que o pecador não-regenerado não pode obedecer a lei de Deus (Rm 8:7) e nem entender as coisas de Deus (1Co 2:10-14). Por isto a necessidade da graça ativa preveniente de Deus. Por causa da queda os seres humanos estão mantidos sob o cativeiro do pecado. Eles precisam do poder de Deus para que sejam capazes de escolher livremente Jesus Cristo (mas esta deve ser uma escolha livre, porque Deus não escolhe pelas pessoas). Então, Deus agracia a humanidade, quando o Evangelho é fielmente proclamado, para que responda positivamente ao Seu chamado (ou resista a esta graça, não respondendo positivamente); e esta graça vem antes (daí o termo preveniente) que qualquer pessoa escolha crer em Cristo.

Se for este o caso, então por que nem todos creem em Cristo através da "graça preveniente" e são gloriosamente salvos? O próprio Jesus disse

Pois a quem tem, lhe será dado, e terá em abundância; mas a quem não tem, até aquilo que tem lhe será tirado.

{Mateus 13:12 BLIVRE}

O contexto envolve Seus discípulos terem o privilégio de conhecer os segredos do Reino. Se alguém estivesse interessado em saber estas coisas, mais conhecimento lhe seria dado.

Mas aos que não se importavam com o Reino de Deus, Jesus falava-lhes em parábolas:

Assim neles se cumpre a profecia de Isaías, que diz: De fato ouvireis, mas não entendereis; De fato vereis, mas não enxergareis.

Porque o coração deste povo está insensível; Com seus ouvidos dificilmente ouvem, e seus olhos fecharam; A fim de não haver que seus olhos vejam, seus ouvidos ouçam, Seus corações entendam, e se arrependam, E eu os cure.

{Mateus 13:14-15 BLIVRE}

O Salvador queria bem mais que disposto a salvar, mas a maioria dos judeus não estava interessada.

O calvinista irá combater esta afirmação e dizer que ninguém pode sequer estar interessado nas coisas espirituais, sem que Deus primeiramente regenere seu espírito "morto"; pois, como pode o "morto" desejar vida? Pois bem, se morto significa cadáver neste sentido, eu poderia concordar com ele. Mas morte aqui significa separação (Is 59:2, Lc 15:24, Ef 4:18). As palavras cadáver e separação não significam a mesma coisa, e quem faz este uso da palavra bíblica morte como sendo cadáver é que carrega o ônus da prova.

Concernente à graça preveniente, Picirilli nota: "O que Arminius nomeou de graça preveniente é a graça que precede a verdadeira regeneração, e que, exceto se for resistida, inevitavelmente levará à regeneração. Ele foi rápido em observar que a esta 'assistência do Espírito Santo' é de tal suficiência 'a ponto de manter a maior distância possível do pelagianismo"…

"Por definição, a graça pré-regeneradora é a obra do Espírito Santo que 'abre o coração' do não-regenerado (citando Atos 16:14) para a verdade do Evangelho e lhe habilita a responder positivamente em fé" 1. É bom notar que habilitar (Jo 6:65) alguém a fazer algo não garante que esta pessoa vá realmente efetuá-lo. Uma pessoa pode ter-lhe dada a habilidade de fazer algo e mesmo assim não utilizá-la.

Picirilli acrescenta: "Enfatizar este ato é o movimento teológico, digamos assim, que torna possível aos arminianos ressaltar, em toda sua veracidade, que 'em todo caso é Deus que toma a iniciativa na salvação e chama os homens para Si, e trabalha em seus corações pelo Seu Espírito… e ninguém pode ser salvo sem ser primeiro chamado por Deus'" 2.

Um verdadeiro arminiano clássico reformado jamais deveria sugerir qualquer coisa além de Deus iniciar a salvação pela graça, mas confessar que esta graça deve ser recebida mediante a fé em Cristo Jesus (Jo 1:12; Rm 3:25; 2Co 6:1).

Como estou com pouco espaço, tempo e a sua atenção para escrever, deixe-me oferecer mais duas citações e então finalizar o post.

William Lane Craig afirma:

A ação da graça preveniente é seguida de uma resposta da vontade humana, ou concordando ou discordando da operação da graça. 3

Então estamos competindo para que a graça capacitante de Deus para aquele que ouve o Evangelho e está sendo acusado de pecados pela obra do Espírito Santo a fim de uma pessoa livremente escolher entre ou receber ou rejeitar a oferta de Deus para salvação mediante a fé em Cristo Jesus.

Finalmente, o que a graça preveniente faz por aqueles que jamais ouviram o Evangelho nem o nome de Jesus? Walls e Dongell respondem:

O Espírito sem dúvida alguma trabalha em e através das mais variadas experiências de vida, criando janelas maiores ou menores de oportunidade, e momentos de maior ou menor convicção. Obviamente, o Espírito trabalhou em culturas e contextos em que a verdade fora limitada e onde o nome de Jesus ainda não é conhecido.

Mas Deus não os têm deixado sem uma informação básica da verdade (Atos 14:17), assegurando que em tudo podemos perceber a realidade do Criador e a necessidade de nos render em agradecimento a ele (Rm 1). A morte sacrificial de Cristo sobrescreve toda a atividade salvífica de Deus e assegura que todo redimido explicitamente o confesse como Senhor, seja nesta vida ou no grande dia em que ele primeiro o ver e o reconhecer. 4

META

Footnotes:

1

Robert E. Picirilli, Grace, Faith, and Free Will (Nashville: Randall House, 2002), 153-154.

2

Ibid., 154.

3

William Lane Craig, “A Calvinist-Arminian Rapprochement?,” The Grace of God and the Will of Man, ed. Clark Pinnock (Minneapolis: Bethany Publishers, 1989), 157.

4

Jerry L. Walls and Joseph R. Dongell, Why I am not a Calvinist (Downers Grove: InterVarsity Press, 2004), 72.

Created: 2022-04-08 Fri 22:19

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